História e negacionismo

Lembrar o Holocausto serve de aviso às futuras gerações

Autores

  • Gilberto Bercovici

    é advogado professor titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e professor nos programas de pós-graduação em Direito do IDP e da Uninove.

  • Sérgio Salomão Shecaira

    é professor titular da Faculdade de Direito da USP presidiu o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça de 2007 a 2009 (governo Lula).

22 de janeiro de 2013, 10h56

[Artigo originalmente publicado na edição desta terça-feira (22/1) do jornal Folha de S.Paulo]

Noticiou-se que a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) teria chancelado ideias de negação do Holocausto, com a aprovação de trabalho de fim de curso, trazendo à tona a delicada discussão sobre a memória histórica do massacre de 6 milhões de judeus durante a Segunda Guerra Mundial.

Nesse contexto, vimos a público expressar o posicionamento dos docentes subscritores sobre o tema, a fim de deixar claro que a instituição e seus professores não corroboram teses preconceituosas de qualquer matiz.

A matança de homens, mulheres e crianças pelo regime nazista é fato evidente, e qualquer um que tenha contato com registros históricos, ou com aqueles que sofreram direta ou indiretamente tais mazelas, perceberá o quão efetiva foi sua ocorrência, e quão cruel é turbar sua lembrança.

A negação do Holocausto é perigosa não apenas por sua imprecisão histórica, ou pela capacidade de desonrar uma memória coletiva, mas por obstar o uso da recordação de uma mazela como prevenção à sua repetição. A lembrança do terror tem valia maior como um aviso às gerações futuras, para que mantenham eterna vigília sobre seus valores e se esforcem por impedir o retorno das circunstâncias que levaram aos abusos.

Há várias formas de inibir a deturpação da memória do Holocausto. Há quem defenda a criminalização do ato. Há, por outro lado, quem entenda que o direito penal não deve punir a negação dos fatos se ela estiver desacompanhada de manifestações racistas ou de incitação ao ódio. O debate sobre direito penal e o negacionismo pode ser legítimo do ponto de vista acadêmico, mas ele não se confunde com a discussão sobre o mérito — ou demérito — da existência do Holocausto.

Nesse contexto, muitas são as políticas públicas que devem ser implementadas para preservar e difundir a memória do massacre judeu. Programas didáticos, discussões escolares, nos meios de comunicação e nos mais diversos fóruns acadêmicos e políticos.

Estamos em pleno movimento nacional de revolvimento e revelação de crueldades políticas para prevenir sua prática futura. A Faculdade de Direito da USP instalou uma Comissão da Verdade para averiguar os reflexos do regime militar nos corredores acadêmicos. Não seria essa mesma unidade, que tanto preza a verdade histórica, capaz de defender a inexistência do extermínio judeu durante a Segunda Guerra.

O negacionismo não precisa estar acompanhado de ideias racistas ou de justificação do Holocausto para ser perigoso. Ainda que neste último caso exista claro crime, como já apontou o Supremo Tribunal Federal no caso Ellwanger, isso não significa que a mera negação do massacre judeu sem incitação ao ódio seja inócua.

Ela é preocupante, porque atinge uma lembrança importante, cuja função é indicar até onde é capaz de ir a maldade humana.

A forma mais eficaz de preservar direitos humanos e evitar a repetição de qualquer episódio triste ou insano da história, como o Holocausto, é o fortalecimento de políticas de esclarecimento e de preservação da memória, para que a obscuridade não relativize a barbárie. A repetição de horrores é fruto do esquecimento do passado e do descompromisso com a história.

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