Contas à vista

O Supremo Tribunal Federal, o FPE e nossa presidente

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Melo Guimarães Pinheiro & Scaff – Advogados; é professor da Universidade de São Paulo e doutor em Direito pela mesma Universidade.

22 de janeiro de 2013, 12h31

Spacca
Fernando Scaff - 04/06/2012 [Spacca]Vamos direito ao caso concreto que está agitando os meios jurídico-políticos neste início de ano: em fevereiro de 2010 o STF decidiu que os critérios legais estabelecidos para a partilha do Fundo de Participação dos Estados (FPE) estavam em desacordo com a Constituição e determinou que, até o fim do ano de 2012, o Congresso Nacional deveria legislar a respeito, adequando-os. O Congresso não legislou, deixando o prazo escoar. Começou o ano de 2013 e as normas que estabeleciam a partilha deixaram de viger. A arrecadação foi mantida, pois os tributos que devem ser partilhados permanecem sendo arrecadados. Muitos estados da Federação têm nessas transferências intergovernamentais sua fonte de receita principal — por exemplo, o Amapá tem 70% de sua receita baseada no FPE. Sem as transferências, os Estados não teriam recursos para pagar parte de suas despesas, inclusive algumas com seu funcionalismo e terceirizados. Isso sem falar na quebra de contratos com fornecedores, empreiteiros, prestadores de serviços etc. A reação seria em cadeia: menor receita transferida = menos gastos públicos = inadimplência do setor público com o privado = inadimplência do setor privado com o privado, em cascata = menos dinheiro circulando, menos tributos = menor arrecadação = menos dinheiro nos cofres públicos. Enfim, um círculo vicioso. O caos se avizinhava.

Porque o Congresso não legislou a respeito, se teve dois anos para fazê-lo desde a decisão do STF? A resposta mais adequada é porque não houve consenso político a respeito da matéria. Quando há consenso, as normas são produzidas. O que faltou para este consenso? Não sei. Pode ter faltado interesse, pauta, tempo, liderança, ideias convergentes, enfim, muita coisa ou coisa nenhuma. O dado concreto é que não foi feita a legislação e o tempo concedido pelo STF escoou.

No apagar das luzes de 2012, por meio de malabarismos argumentativos, o Tribunal de Contas da União (TCU) criou uma fórmula para fazer com que os critérios vigentes até 2012 permanecessem sendo aplicados em 2013 — tudo indica que, por trás dessa engenharia, está o senador carioca Francisco Dornelles, um “ás” em matérias financeiro-tributárias.

Chegou janeiro e o impasse. Serão realizados novos repasses pela União? Ou vai ser atestada a anomia (ausência de norma) a respeito do tema e os recursos, mesmo arrecadados, devem ser entesourados aguardando a nova lei — que pode ser como aquela música de Chico Buarque, Pedro Pedreiro, que esperava um trem “que já vem…, que já vem…”?

O problema caiu no colo da presidente, que pediu à Advocacia da União que “sondasse” o STF. Os jornais publicaram foto, nos primeiros dias de janeiro, em que o ministro Adams visitava o tribunal, representado pelo ministro presidente, Joaquim Barbosa. Não se sabe o resultado da prosa, mas a União fez o repasse aos estados, cujos cofres foram supridos de acordo com os parâmetros estabelecidos pela norma declarada inconstitucional pelo STF.

E agora? Quais os riscos envolvidos?

Vários. A União, representada pela presidente, pode vir a ser acusada de descumprir uma decisão judicial, pois fez um repasse com base em uma lei que não mais vigora desde dezembro de 2012.

Não se trata de uma hipótese celerada. O ministro Gilmar Mendes, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo publicada no último domingo (20/1), disse que a União não poderia continuar efetuando o repasse, pois “esta opção não estava à disposição nem do governo, nem do Tribunal de Contas da União”. Por certo, não se trata de uma decisão jurisdicional apenas a opinião de um ministro da corte, mas isso certamente indica nuvens negras no horizonte.

Mas quem poderá empunhar a lança?

A anêmica oposição à presidenta pode até “bater o bumbo” político, pois terá muito material para discutir, uma vez que sua decisão de transferir os recursos foi sem base em lei, mas seguiu um parecer do TCU, convalidado em ato legislativo pelo Congresso Nacional. Formalmente, cumpriu uma norma exarada pelo Congresso. Contestável, por certo, mas formalmente editada e válida até que o STF a declare inconstitucional.

Todavia, muitos estados da Federação são governados pela oposição: Pará e Minas Gerais, dentre outros. Um ataque nesse sentido pode mesmo prejudicar a governabilidade desses entes federados. Não se trata de um problema político-partidário.

Nada impede que o Ministério Público Federal venha a arguir a inconstitucionalidade do ato de rateio federativo dos recursos. Contudo, o Ministério Público estadual e também o Poder Judiciário dos estados podem vir a ter problemas financeiros. Não se trata de uma disputa entre Poderes.

Como reagirão os governadores, já que são suas receitas diretas que podem ser afetadas por uma eventual liminar do STF impedindo o repasse? Os governadores do Maranhão (PMDB), da Bahia (PT), de Pernambuco (PSB) e o de Minas Gerais (PSBD), em ação articulada pelo Confaz, ingressaram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO 23) pedindo a manutenção das regras anteriormente vigentes até que o Congresso legisle a respeito.

Como agirá o STF? O ministro Lewandowski , vice no exercício da Presidência, é quem decidirá a respeito.

A União se viu entre uma verdadeira “escolha de Sofia” — para aproveitar a imagem bela e triste do filme homônimo protagonizado por Meryl Streep —, pois tinha dois caminhos a trilhar: ou acatava a decisão do STF e simplesmente não fazia os repasses, deixando os estados com o problema — que, a rigor, é deles, e não da União —, ou acatava a engenhosa fórmula adotada pelo TCU com o Congresso e fazia os repasses. Como já se sabe, a presidenta adotou esta segunda alternativa.

Assim, ao determinar a partilha dos recursos, a União não está estesourando dinheiro em seu favor, mas repartindo-os com os estados — com base em critérios que, formalmente, não mais vigoram, porém vigoraram por décadas. E, com isso, evitou aquele círculo vicioso acima descrito. Trabalhou em proveito das unidades federadas, em não em seu próprio proveito — aliás, muito pelo contrário, pois entesourar os recursos certamente tornaria muito melhor a fotografia de suas contas públicas.

Qual seria a alternativa jurídica? Simplesmente não repartir o dinheiro, acumulando-o até quando a lei viesse a ser editada. Mas e o círculo vicioso acima descrito? E os estados, como pagariam seus compromissos, inclusive com o funcionalismo? A escolha adotada pode não ter sido a ideal, mas foi a que gerou menos problemas federativos. Afinal, este também não é um caso de disputa federativa.

Se, como afirmado, não é um problema político-partidário, nem de disputa entre Poderes, e muito menos de guerra fiscal entre entes federados, de onde veio o problema? Penso que da tentativa de tornar mais justa a repartição de receitas neste nosso condomínio federativo chamado Brasil. O STF entendeu que outras normas seriam mais equânimes que as vigentes desde 1989 e o Congresso não conseguiu chegar a um consenso a respeito.

Não tenho bola de cristal e desconheço como este assunto vai acabar. Porém, renovo a aposta gastronômica que formulei com os leitores — clique aqui para ler —, no sentido de que teríamos uma decisão estilo Gattopardo – “tudo deve mudar para que tudo fique como está”. Vale um tacacá.

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