Segunda Leitura

Como aumentar a participação social no Judiciário

Autor

  • Antonio César Bochenek

    é juiz federal de Ponta Grossa (PR) ex-presidente da Ajufe e da Associação Paranaense de Juízes Federais diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus) mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

20 de janeiro de 2013, 7h00

Spacca
Nos dois artigos anteriores reportei-me aos modelos de Judiciário consoante a classificação de Zaffaroni (1995) e lancei notas para o sistema judiciário brasileiro democrático-contemporâneo. Nestes textos, sem esquecer as dificuldades e os desafios do Judiciário brasileiro, procurei expor alternativas com potenciais emancipatórios e transformadores ao modelo clássico e tradicionalista. No presente texto, proponho uma alternativa de alta intensidade democrática (Santos, 2001), que visa integrar efetivamente a participação social para avançar o Judiciário brasileiro democrático-contemporâneo: Observatório Social da Justiça (OSJ).

Para a sociologia, em sentido amplo, e para sociologia jurídica, as experiências participativas contribuem significativamente para a democratização (Santos, 2001). Matematicamente é simples explicar o fenômeno: quanto mais pessoas estiverem a pensar/atuar sobre o mesmo assunto, ainda que sobre perspectivas diferenciadas e com aparente dissenso, a convergência das ideias aumenta geometricamente as chances de haver consenso ampliado (não limitado aos detentores do poder ou influenciado apenas por pessoas próximas deles, muitas vezes, elites — financeiras, intelectuais, empresariais — dominantes), e consequentemente haverá melhores projetos ou execuções das deliberações coletivas e sociais.

De outro lado, há inúmeras experiências e práticas sociais, formadas por pessoas e entidades, com o objetivo de colaborar na verificação daquilo que não está bem e para encaminhar as observações às autoridades competentes. Estas ações serão potencializadas se houver uma rede que interligue e coordene as experiências esparsas, muitas vezes, individualizadas e atomizadas.

De imediato é relevante referir que a proposta do OSJ não se confunde com as alternativas experimentadas externamente (Observatório Permanente da Justiça de Portugal ou do Brasil, Instituto Brasileiro de Administração da Justiça – Ibrajus) ou internamente (tribunais, corregedorias, ouvidorias, ombudsman) ao Judiciário brasileiro. Saliento que uma proposta não elimina ou substitui outras, mas são complementares e imprescindíveis para um Judiciário democrático-contemporâneo.

Ainda é relevante ressaltar a participação popular no sistema judicial pela via jurisdicional (prevista nas regras de processo civil), que apresentou significativos avanços na última década e transcendeu o formato clássico de prestação jurisdicional para abrir espaços cada vez mais relevantes aos institutos do amicus curiae e da audiência pública, os quais se prestam a conferir legitimidade política e jurídica, além de apresentarem o argumento técnico da necessidade de participação social em matérias de interesse social e moderna complexidade (Escrivão Filho, 2010:27).

Entre as ações desenvolvidas externa ou internamente no Judiciário, aquela que mais se assemelha com a proposta ora apresentada do OSJ, ao menos no nome, são os Observatórios Permanentes da Justiça (OPJ). O OPJ Portuguesa (http://opj.ces.uc.pt) está sediado no CES (Centro de Estudos Sociais) da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e tem como objetivo principal acompanhar e analisar o desempenho dos tribunais e de outras instituições e atividades com eles relacionados (as polícias, as prisões, os serviços de reinserção social, os sistemas de perícias e o sistema médico-forense, as profissões jurídicas e os sistemas alternativos de resolução de litígios). Compete-lhe também avaliar as reformas introduzidas, sugerir novas reformas e proceder a estudos comparados, fora e dentro da União Europeia.

Vários relatórios condensam os principais resultados da investigação produzida, a que se juntam participações em projetos e redes internacionais, em parceria com outras instituições, e artigos publicados em revistas portuguesas e estrangeiras especializadas no domínio sócio-jurídico. A partir da experiência portuguesa foi criado o Observatório da Justiça Brasileira — OJB (http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/). Os Observatórios são financiados, em regra, pelo Ministério da Justiça, numa interface direta entre as universidades e instituições de pesquisa e os órgãos públicos e privados, voltados essencialmente para a pesquisa acadêmica para a análise e propositura de alterações do sistema judicial.

Ainda há, na sociedade civil, o exemplo dos Observatórios Sociais (www.observatoriosocialdobrasil.org.br), que são espaços para o exercício da cidadania, democrática e apartidária, com o objetivo de contribuir para a melhoria da gestão pública municipal, em favor da transparência e da qualidade na aplicação dos recursos públicos. Neste sentido, transporto a experiência para a seara judicial na linha de contribuir para uma melhor administração da justiça mais transparente e com melhores resultados na aplicação de recursos públicos.

A partir das experiências acima referidas, em especial, do Observatório Social, relaciono algumas pistas dos contornos do Observatório Social da Justiça. Ainda, Poder Judiciário para avançar ao modelo democrático-contemporâneo necessita de ações integradas, por diversas frentes, e complementares às experiências referidas. Como vimos, por toda parte, há exemplos de ações democratizantes, interna e externamente, ao sistema judicial, como também ilhas participativas e democratizantes no interior do processo judicial. Contudo, falta um ingrediente social e cidadão a ser preenchido pela participação direta das pessoas e entidades, por meio dos Observatórios Sociais da Justiça.

Repito que não se trata de desperdiçar as experiências existentes, mas de incentivar a participação do meio social em relação à observação do funcionamento e das omissões do sistema judicial, justamente para reforçar todas as experiências existentes e, desta forma, contribuir ao aperfeiçoamento e democratização constante do Judiciário, por meio da formação de consensos a partir das diferentes opiniões extraídos das mais diversas práticas sociais.

Para tanto é relevante integrar e promover, num primeiro momento, a participação de um número maior de pessoas para observar o sistema judicial, para além das medidas institucionais, coorporativas ou acadêmicas. Se cada cidadão for um agente responsável pelo adequado funcionamento do sistema judicial e der a sua contribuição, de imediato, o debate e as discussões serão ampliados, tornando-o mais democrático. Num segundo momento é necessário coordenar estas atividades por meio da integração e propagação de ideias, como será abordado a seguir.

Num primeiro momento, as observações, participativa e cidadã, terão como objetivo verificar se as ações e as omissões dos integrantes do sistema judicial estão em sintonia com as legislações e/ou funcionam a contento, de acordo com os padrões de gestão ou expectativas dos destinatários finais e usuários dos sistemas judiciais. Não seria este o papel do Ministério Público, do Tribunal de Contas ou outra instituição constituída, inclusive com atribuição de fiscalização e promotora de ações judiciais corretivas. Sim, os órgãos públicos citados são responsáveis pela fiscalização e promoção de medidas ajustadoras de irregularidades ou deficiências, mas na prática são visíveis vários equívocos e falhas muitas vezes não levadas ou conhecidas destes órgãos, inclusive pela capacidade limitada de operação.

De outro lado, os indicadores podem revelar a níveis abaixo das expectativas sociais e dos recursos empregados nas diversas atividades que compõem o sistema judicial, bem como dos próprios agentes fiscalizadores. Portanto, as falhas, os desperdícios, o emprego inadequado e desproporcional dos recursos públicos, individualmente ou somados, impedem o avanço das estruturas estatais do sistema de justiça (incluídos os tribunais, Ministérios Públicos, advocacias, servidores) e precisam contar com a participação das pessoas e entidades, inclusive por meio dos observatórios sociais, para que sejam, no mínimo, levados ao conhecimento das autoridades competentes, imprensa e de toda a sociedade civil.

A divulgação, o conhecimento e a conscientização a respeito do funcionamento do sistema judicial se reverterão em possibilidades concretas de transformações, principalmente para que os órgãos institucionais cumpram integralmente seu papel e apresentem melhores resultados. Os fracassos ou os baixos desempenhos das vias ordinárias, a partir da intensa participação popular poderão ser ingredientes propulsores de reivindicações sociais transformadoras na arena política. O sucesso reverterá em prol da melhoria dos serviços prestados. Desta forma, a sociedade civil estará contribuindo para o melhoramento constante do sistema judicial.

Então, como se forma um Observatório Social da Justiça. Não é recomendável que a organização de um Observatório Social siga regras rígidas e formais das organizações estatais, mas aproveite a flexibilidade dos movimentos sociais. Na prática, a constituição de uma associação sem fins lucrativos auxilia na formalização necessária da entidade para direcionar as atividades a partir dos objetivos principais e também poderá ajudar a captar recursos financeiros para manutenção do Observatório. Para cada órgão do Judiciário, segmento de atuação, localidade distinta é possível haver um Observatório. Cada um a seu modo, a depender da participação popular, contribuirá decisivamente no aperfeiçoamento do sistema judicial.

A par das formalidades, menos relevantes, em comparação com as finalidades, é preciso referir quais pessoas podem participar do Observatório. A participação de todas as pessoas como voluntárias é esperada e desejada, pois todos somos usuários, formadores e destinatários das deliberações do sistema judicial. Ademais, todos somos contribuintes e financiadores do sistema oficial de resolução de conflitos. A participação poderá ser realizada de qualquer forma por meio de encaminhamentos de proposições aos coordenadores do Observatório, escolhidos entre os participantes. Entretanto, algumas pessoas, principalmente pelas experiências adquiridas ao longo dos anos com a prática judiciária apresentam maiores facilidades para contribuir com o Observatório. Refiro-me aos “aposentados” operadores dos sistemas judiciais. “Aposentados” no sentido de que não exercem mais as atividades preponderantes desenvolvidas por longos anos (qualquer servidor público, magistrado, membro do ministério ou advogado aposentado), mas com experiências ricas, as quais não podem ser desperdiçadas, além de ser um balizador seguro do processo evolutivo. Também os cidadãos indignados e aqueles que sofreram injustiças apresentam-se como potenciais voluntários, sem menosprezar ou excluir qualquer pessoa como antes referido.

Num segundo momento, para além da observação e encaminhamento das ações às autoridades competentes, e a partir das experiências coletadas, analisadas e verificadas, os Observatórios podem ser agentes relevantes a integrar o planejamento estratégico dos tribunais e das demais instituições do sistema judicial (Ministério Público, advocacia), seja para observar, seja para contribuir com opiniões a partir da prática observada. Também poderá servir como conselho consultivo das políticas públicas relacionadas ao sistema judicial.

Estas são algumas ponderações a respeito de uma ideia fomentadora de Observatórios Sociais da Justiça alicerçadas, sobretudo, na participação democrática e cidadã. Uma análise mais aprofundada revelará que ações isoladas, na linha proposta, ocorrem por todo lado. É preciso fomentar a formação de uma rede para congregar as ações, dar visibilidade a elas, e principalmente para multiplicar os resultados.

Ademais, o processo de instituição de Observatórios Sociais da Justiça não é um processo acabado (nem nesta proposta nem será com o tempo), assim como a democracia. Ao contrário, é um processo que estará em permanente evolução e adaptação às realidades e necessidades locais e temporais, de acordo com a intensidade da participação das pessoas e entidades. Penso que nisto reside a maior relevância da presente reflexão, sobretudo, para abrir espaços de discussão, espaços de pensar, repensar, reinventar os sistemas judiciais, espaços para desconstruir aquilo que está sedimentado e impede o avanço de um Judiciário democrático-contemporâneo.

Referências
ESCRIVÃO FILHO, Antonio Sergio (2010). Participação social no judiciário como instrumento para a Democratização da justiça. Disponível em http://democraciaejustica.org/cienciapolitica3/node/243. Acesso em 17.01.2013

SANTOS, Boaventura de Sousa (2001). Direito e democracia: a reforma global da justiça. Porto: Afrontamento.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl (1995). Poder Judiciário: Crise, Acertos e Desacertos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais.

Autores

  • é juiz federal de Ponta Grossa (PR), presidente da Associação Paranaense de Juízes Federais e diretor do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus). Mestre e doutor em Direito pela Universidade de Coimbra.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!