Aniversário da lei

Poucas bancas inglesas já têm sócios não advogados

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19 de janeiro de 2013, 6h42

Faz um ano que a advocacia na Inglaterra não é mais a mesma. Em janeiro do ano passado, o país deu os passos que faltavam para permitir que qualquer pessoa com dinheiro — um empresário, um investidor ou um médico, por exemplo — montasse seu próprio escritório de advocacia. Um ano depois, o saldo é esse: muito barulho, algum interesse e ainda poucas mudanças.

Nesta semana, a entidade responsável por regulamentar as novas bancas na Inglaterra (SRA, na sigla em inglês) divulgou um balanço do primeiro ano da advocacia no mundo dos negócios. Foram dadas, até agora, 74 licenças para formar as chamadas ABS, os novos escritórios com a presença de não advogados no quadro de sócios. Os primeiros três licenciados foram anunciados em abril: Co-operative Legal Services (CLS), parte da gigante Co-operative Group — que oferece de alimentos a serviços médicos e funerários —, e as pequenas bancas John Welch and Stammers e Lawbridge Solicitors Ltd.

O medo inicial de que investimentos de fora do Direito na advocacia acabariam com os escritórios pequenos ainda existe, mas é bem menor do que há um ano. É que, ao contrário do esperado, grandes organizações não saíram em disparada atrás do seu próprio escritório e as maiores bancas do país também não se mostraram tão interessadas em colocar investidores no quadro de sócios.

Os escritórios médios são os que parecem mais animados com a ideia de virar uma ABS. Não é tanto a perspectiva de receber mais dinheiro que anima, mas sim colocar no quadro societário profissionais que trabalham no escritório, que até então não podiam integrar o grupo de sócios por não terem registro na Ordem dos Advogados.

A entidade reguladora das novas bancas afirma já ter recebido 454 pedidos de escritórios e empresas para virar uma ABS. Desses pedidos, só 117 ofereceram a documentação necessária para obter a licença. Além das 74 licenças já garantidas, a expectativa é de que mais 19 sejam fornecidas nos próximos meses. É pouca gente interessada, se se considerar que há no país mais de 10 mil escritórios registrados e operantes, que movimentam cerca de 20 bilhões de libras por ano. Os números mostram que, ao contrário do que se esperava, a abertura não fez da advocacia um dos investimentos mais procurados.

Uma pesquisa recente divulgada por uma faculdade de Direito, The College of Law, sugere que pelo menos os mais novos ainda estão receosos com a nova forma de advogar. Dos estudantes entrevistados, 58% responderam que preferem não trabalhar numa ABS. Apenas 1% afirmou preferir trabalhar numa ABS a um escritório de advocacia convencional. O medo dos alunos, segundo a pesquisa, é que a abertura para investimento externo banalize a profissão e, consequentemente, reduza os salários.

Nem o governo e nem a Ordem dos Advogados da Inglaterra concordam. Os dois continuam apostando no surgimento de ABS para aquecer mais ainda o mercado jurídico — que gerou quase 2% do PIB do Reino Unido em 2010 — e ajudar o país a superar a crise. Uma das apostas é que o investimento vai se tornar particularmente importante a partir de abril, quando o governo colocar em prática os cortes na assistência judiciária.

Como a Inglaterra não tem Defensoria Pública, o governo firma convênios com escritórios para que eles defendam os carentes. Com a redução da verba para a assistência, esses escritórios vão passar a receber menos. Quem não pode pagar por advogado também poderá ficar sem o benefício e ter de procurar os tribunais por conta própria — na Inglaterra, ninguém precisa de um advogado para ir à Justiça. Por isso, investidores poderiam tapar o buraco aberto, garantindo o lucro dos escritórios e o atendimento aos carentes.

A virada
A norma que abriu os escritórios de advocacia para o mercado externo na Inglaterra e no País de Gales foi aprovada em 2007. Rapidamente, recebeu o apelido de Tesco Law, em referência à rede inglesa de supermercados — embora o Tesco ainda não tenha sequer demonstrado interesse em montar seu próprio escritório.

A abertura do mercado da advocacia para quem não é advogado é discutida no meio jurídico e político inglês desde 2003. A Ordem dos Advogados inglesa, uma das apoiadoras da abertura, sempre ressaltou que a mudança vai aumentar a concorrência e beneficiar os consumidores.

Em fevereiro de 2012, o então presidente da Ordem John Wotton defendeu o surgimento das ABS. Em entrevista exclusiva à Consultor Jurídico, Wotton argumentou que a abertura dos escritórios contribuiria para o fortalecimento da profissão de advogado e para a consolidação da advocacia da Inglaterra como a número um em todo o mundo — clique aqui para ler.

A Escócia está seguindo os mesmos passos. Em 2010, uma lei autorizou a abertura dos escritórios para investidores de fora da advocacia. A norma ainda está em fase de regulamentação antes de entrar em vigor. A diferença é que, enquanto na Inglaterra um supermercado pode abrir seu próprio escritório de advocacia, na Escócia, o sócio majoritário das firmas terá de necessariamente ser um advogado.

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