Vício jurídico

Proibição legislativa de aulas durante Copa é ilícita

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18 de janeiro de 2013, 19h15

Em 2012 foi ajuizado o processo coletivo 0010545-89.2012.8.07.0018 buscando afastar a proibição das escolas funcionarem entre 12 de junho a 13 de julho de 2014. Tal proibição foi criada com o artigo 64 da Lei 12.663/11 – Lei da Copa. A medida judicial tramita pelos seguintes três fundamentos principais:

Primeiro, vício legislativo formal. Em 27 de fevereiro de 2012, a Comissão Especial da Copa na Câmara dos Deputados conheceu proposição aditiva de regra que não estava no projeto original elaborado e enviado ao Congresso pela Presidência da República. A nova proposição legislativa, de autoria do Deputado Cleber Verde (PRB-MA), previa literalmente que “em 2014, os Sistemas de Ensino deverão ajustar os calendários escolares de forma que as férias escolares decorrentes do encerramento das atividades letivas do primeiro semestre do ano, nos estabelecimentos de ensino das redes pública e privada, abranjam todo o período entre a abertura e o encerramento da Copa do Mundo Fifa 2014 de Futebol.” A proposição já havia sido apresentada em projeto de lei 1.273/11 de autoria do mesmo deputado, não tendo sido aprovado pela Comissão de Educação em 14 de dezembro de 2011.

Referida proposição de proibição as aulas foi aprovada pela Comissão Especial da Copa em 6 de março de 2012. Ocorre que em tal momento, a Comissão Especial não contava com nenhum membro titular da Comissão de Educação. Para criar normas com impacto sobre instituições de ensino, a presença de um representante da Educação era obrigatória. Isto de acordo com artigo 34, II, parágrafo 1, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. Infelizmente, no entanto, o fato passou em branco e a proposição foi aprovada pelo Congresso e sancionada pela Presidência como artigo 64 da Lei 12.663/11.

O segundo vício no artigo 64 da Lei da Copa está em sua inconstitucionalidade formal perante as escolas particulares. Isto porque a Constituição Federal define como únicos parâmetros às instituições de ensino as normas gerais de educação e as regras de qualidade; “Artigo 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.” Evidentemente a nova lei que proíbe aulas em 100% dos 31 dias de Copa em todas as cidades brasileiras não trata nem de qualidade nem de norma geral de educação.

O terceiro vício jurídico está na ofensa aos princípios gerais da Constituição Federal, especialmente os de Razoabilidade (Proporcionalidade) e Moralidade — geralmente são uma ou duas semanas de recesso no meio do ano. Impor 31 dias é desproporcional especialmente diante dos dias (34% das partidas são em final de semana), dos horários (todos os jogos são após 13h) e das cidades (99% do Brasil) em que não houver jogos. Vale lembrar que a mesma Lei da Copa já prevê; “Artigo 56. Durante a Copa do Mundo Fifa 2014 de Futebol, a União poderá declarar feriados nacionais os dias em que houver jogo da seleção brasileira de Futebol. Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Eventos poderão declarar feriado ou ponto facultativo os dias de sua ocorrência em seu território.”

Por fim, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96), todos os anos devem ter mínimo de 200 dias letivos, além de exames finais. Descontando os feriados, os exames finais e os 31 dias da Copa de 2014, sobrarão apenas 209 dias úteis em 2014. Portanto, as férias de dezembro/janeiro serão curtíssimas duas semanas no máximo. Os maiores prejudicados serão alunos de Ensino Médio — vestibulares são em outubro/novembro — e famílias com filhos em Educação Infantil — inclusive creches.

No dia 16 de dezembro de 2012, o jornal Estadão noticiou que “o Conselho Nacional de Educação (CNE), aprovou, por unanimidade no dia 5 de dezembro de 2012, que instituições públicas e privadas de todo o país mantenham atividades escolares durante a Copa do Mundo de 2014.” A reportagem disse que o MEC desconhece, mas apontou a polêmica; “Juridicamente, uma lei sancionada pelo presidente da República é superior a pareceres emitidos por conselhos.” De fato, órgãos administrativos não podem, sequer, fazer controle de constitucionalidade. Portanto, medidas puramente administrativas só trariam mais confusão.

Desde que percebi e divulguei os problemas, em agosto de 2012, só vejo duas saídas reais. Uma é alteração legislativa, como a recém-apresentada pelo Senador Paulo Paim (PT-RS). Outra são medidas judiciais como a referida ação 0010545-89.2012.8.07.0018. Sobre esta, os interessados poderão obter cópia da detalhada petição inicial junto aos sindicatos educacionais de todo o Brasil, além de associações de pais.

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