Ingresso financeiro

Não incide PIS/Cofins sobre valor de interconexão de rede

Autor

  • Antônio Reinaldo Rabelo Filho

    é advogado diretor da Associação Brasileiro de Estudos Tributários em Telecomunicações (Abetel) e da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF). Mestre em Direito Tributário PUC-SP.

18 de janeiro de 2013, 15h28

A prestação dos serviços de telecomunicações no Brasil passou, a partir do processo de privatização do setor, em 2007, por profundas modificações. E lá para cá, o mercado brasileiro de telecomunicações alcançou importância internacional em termos de tecnologia e densidade dos serviços. Atualmente, somam-se aos mais 60 milhões de terminais fixos instalados, outros 260 milhões de terminais móveis de uso particular. Tudo isso foi permitido a partir da privatização da prestação dos referidos serviços, que abriu as portas para os maciços investimentos em rede e tecnologia que passaram a ser feitos nesta área.

No que se refere tributação da referida prestação, infelizmente, não se pode dizer que evolução semelhante foi sentida. Com efeito, a carga tributária brasileira incidente sobre a prestação dos serviços de telecomunicações alcança níveis estratosféricos e a controvérsia acerca do conceito desta prestação ou das atividades exercidas pelas suas operadoras, no Brasil, fomentam um monumental contencioso entre as empresas prestadoras e as três esferas da Fazenda Pública.

Esta litigiosidade, é certo, em grande medida decorre do desconhecimento acerca das características técnicas e regulatórias relativas aos serviços de telecomunicações. O presente artigo visa justamente a, em apertada análise, abordar uma destas controvérsias, de forma a contribuir com o seu melhor deslinde.

A prestação do serviço de telecomunicação consiste, de forma singela, na oferta da utilidade material consubstanciada no transporte de sinais por meio de uma rede, através de um processo eletromagnético. Logo, as redes de telecomunicações são os ativos por excelência, necessários para a oferta da telecomunicação.

No Brasil, diferente de outros países, a titularidade destas redes é das mesmas pessoas jurídicas titulares das outorgas para a prestação do serviço público de telecomunicações, nos moldes das outorgas que lhe foram outorgados em leilões ou processos públicos de seleção, ex vi do artigo 21 da Carta Constitucional.

Acontece que, na experiência brasileira, cada prestador, especialmente no que tange à prestação dos serviços de telefonia fixa, possui a competência para atuar em determinada região do país. Por outro lado, a legislação determina o direito do usuário do serviço de acessar e ser acessado por qualquer outro usuário interligado na rede de telecomunicação nacional. Em outras palavras, a mesma legislação que submete, como não poderia deixar de ser em se tratando de um serviço público, o serviço à obrigação de universalização, também preconiza a regionalização na titularidade desta prestação.

Isso poderia parecer contraditório. Não o é, porque o legislador cuidou de estabelecer como obrigação das prestadoras de serviços de telecomunicações a interligação ou interconexão entre as redes de umas e outras. Em outras palavras, a legislação determina que as operadoras do sistema, como tal, interligado, cuidem para que as suas redes sejam compatíveis e possuam pontos de ligação que permitam o tráfego contínuo do sinal de voz ou dados que esteja sendo transmitido por qualquer prestador.

Como não poderia deixar de ser, considerando tratar-se de um ativo, que exige investimentos maciços, também destaca a legislação que o custo desta interligação é da operadora que cede as suas redes para o transporte. Por esta cessão, ela, obviamente, recebe um valor, por parte da operadora que usa os seus meios de rede.

Mas não é só. Para facilitar a vida do usuário dos serviços aqui mencionados, a Lei Geral de Telecomunicações estabelece que apenas uma empresa possua relação contratual com o cliente que origina a chamada. É ela que efetuará a cobrança do valor total da chamada (conhecida como “tarifa de público”) e é ela quem responderá por quaisquer intercorrências na prestação. Ora, na mesma linha de raciocínio, será também esta operadora, dona do cliente, que deverá repassar à outra operadora, cedente dos meios de redes necessários para a prestação do serviço, parcela proporcional a este uso, do total por ela recebido.

O mesmo acontece com as ligações de celulares para telefones fixos e para celulares de outras operadoras. Em todos esses casos, por imposição regulatória, as empresas que possuem relação contratual com os destinatários da ligação prestam parte do serviço, e sua remuneração recebe o nome de “interconexão de redes”.

Em outras palavras, no caso das chamadas realizadas mediante interconexão de redes há nítido compartilhamento da prestação do serviço de telefonia, uma vez que este serviço é iniciado por uma operadora e finalizado por outra. Isso é decorrência do próprio formato que se preferiu adotar para regular a prestação do serviço no Brasil. Frise-se, ainda, e isso é muito importante de ser ressaltado, que se está diante de um serviço público! Como tal, as regras para a sua prestação e a fiscalização acerca dos repasses, remunerações e obrigações são realizadas pela União, através, no caso, de sua agência reguladora.

Tanto é assim, que a sistemática anterior à privatização era diferente. Naquela época, a opção do legislador era simplesmente a de ratear os valores devidos para cada operadora regional de telecomunicações, por meio de portarias editadas pela Telebrás. Nesta portaria, definia-se quanto do valor pago pelo usuário restaria para a operadora que originou a chamada e quanto iria para a operadora que apenas cedia as suas redes.

Olhando sob a ótica da empresa que origina a chamada, o valor pago pelo usuário apenas transita pelo seu patrimônio (ou seja, meros ingressos financeiros), sendo, posteriormente, repassados em parte para as outras operadoras de telecomunicações a título interconexão de redes. Esta parcela a ser repassada, obviamente, não se configura receita própria da operadora, e via de consequência, não pode ser tributada pelo PIS/Cofins. É uma obrigação que ela assume, nos termos da legislação regulatória, para com a operadora que lhe cedeu suas redes.

A Receita Federal, por sua vez, tem entendimento de que não há regra legal que autorize a dedução destes repasses da base de cálculo dos tributos em referência. Ou seja, confunde regra de isenção com a de não incidência. Os repasses não são receita posto que oriundos de compartilhamento de serviço realizado por ordem legal. Em outras palavras, no final das contas, trata-se de um serviço público regulado e necessariamente prestado em regime de compartilhamento.

O preço a ser cobrado do usuário final do serviço não é, como se alega, de livre iniciativa de uma operadora, mas regulado pela Anatel e composto de custos por ela definidos, dentre estes o da interconexão. Tanto é assim que os contratos de interconexão e de ofertas aos usuários são arquivados ou até, em alguns casos, necessariamente arquivados na Agência, podendo a mesma agir como mediadora nas negociações entre as operadoras.

Esse posicionamento é compartilhado pelos professores Paulo de Barros Carvalho e Eliseu Martins que elaboraram pareceres específicos sobre o tema.

O professor Paulo de Barros Carvalho concluiu que os valores arrecadados para serem repassados para outras operadoras classificam-se como “mera entrada” ou “ingresso financeiro”, não devendo ser tributados por PIS/Cofins. Pelo poder de síntese, confira-se o seguinte trecho:

“Está evidenciado, portanto, que nos acordos de interconexão tem-se a prestação compartilhada do serviço público de telecomunicações, ou seja, duas ou mais empresas de telecomunicações prestando serviço a um único usuário, arcando, cada uma delas, com o custo da sua atividade e auferindo, por consequência, a receita a ela correspondente.”

O professor Eliseu Martins, por sua vez, concluiu que, de acordo com “a legislação que regula as demonstrações financeiras (Lei nº 6.404/76, normas da CVM, Pronunciamentos do IBRACON e Pronunciamentos Técnicos do CPC), os valores recebidos pela prestadora de serviço e repassados a outra a título de interconexão (pela terminação da chamada), do ponto de vista da prestadora de serviço que os recebeu num primeiro momento, não podem ser classificados como receita”.

De fato, sob o ponto de vista contábil, não se pode considerar receita algo que não decorre de um empenho econômico de unidade produtiva. Em outras palavras, o componente de valor que compõe o preço cobrado do usuário final, que será repassado à operadora cedente dos meios de rede não pode ser refeita da primeira, posto que as redes, empenhadas economicamente para o referido serviço, não são de sua propriedade, mas cedidas e operadas por outra operadora.

Na esfera administrativa, há precedente da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) sobre a matéria em serviço análogo (roaming), em que se decidiu pela não caracterização dos valores recebidos para serem repassados às cedentes de redes como receita da operadora que efetua a cobrança do serviço de telefonia.Veja-se:

“COFINS. RECEITAS DE TERCEIROS. TELEFONIA CELULAR. “ROAMING”. – As receitas de “roaming” mesmo recebidas pela operadora de serviço móvel pessoal ou celular com quem o usuário tem contrato não se incluem na base de cálculo da COFINS por ela devida. A base de cálculo da contribuição é a receita própria, não se prestando o simples ingresso de valores globais, nele incluídos os recebidos por responsabilidade e destinados desde sempre à terceiros, como pretendido “faturamento bruto” para, sobre ele, exigir o tributo.

(CSRF, 2ª Turma, Recurso nº 203-122881, Acórdão nº CSRF/02-02.233Rel, Rel. Antônio Carlos Atulim, julgado em 24 de Janeiro de 2006)

Mais recentemente, o Carf, por decisões de maioria, tem seguido a tese da Receita Federal.

Na esfera judicial, em decisão recente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região concluiu que operadoras de telecomunicações não devem pagar PIS/Cofins sobre os valores arrecadados que serão repassados para outra operadora de telefonia a título de “interconexão de redes”.

Em seu voto condutor, o relator juiz federal convocado Clodomir Sebastião Reis destacou que os valores arrecadados, que serão posteriormente repassados para outras operadoras a título de interconexão de redes, não constituem faturamento próprio, de modo que não devem ser tributados por PIS/Cofins pela companhia arrecadadora. Confira-se o raciocínio desenvolvido sobre o conceito de faturamento:

“Tenho que o mesmo fundamento adotado para a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS é aplicável para excluir os valores decorrentes de interconexão e roaming, isso porque são valores que pertencem a terceiros, consoante esclarecimentos prestados pelas partes nos autos, por isso que os valores em questão não podem ser enquadrados como faturamento da empresa que registra, em separado na fatura de cobrança, os valores que tem destinação própria, estabelecida nas regras impostas às empresas de telecomunicação, o repassa para outra operadora.”

Os aspectos contábeis e jurídicos da tese de interconexão de redes em breve serão analisados pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (órgão máximo de decisão da esfera administrativa), pois há dezenas de recursos protocolados aguardando julgamento, o que deve ocorrer ainda em 2013.

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