Implicação tributária do TCC

Despesas com o Cade devem ser dedutíveis do IR

Autores

  • Mauro Grinberg

    é ex-conselheiro do Cade procurador aposentado da Fazenda Nacional e sócio de Grinberg Cordovil e Barros Advogados.

  • Emerson Drigo da Silva

    é advogado em São Paulo membro da Comissão Técnica do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) e sócio do escritório Vieira Drigo e Vasconcellos – Advogados.

16 de janeiro de 2013, 7h00

Em 17 de dezembro de 2012 foi noticiada a Solução de Consulta 260, da Receita Federal, segundo a qual não há dedutibilidade do Imposto de Renda (IR) e da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos valores pagos para finalizar processo de investigação perante o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Segundo o Fisco, a verba não constitui despesa necessária e usual para as atividades da empresa.

Aparentemente a consulta respondida diz respeito especificamente a Termo de Compromisso de Cessação (TCC) firmado por empresa acusada de prática de ato contrário à livre concorrência e que, em determinado momento, optou pela assinatura do TCC com a autoridade, pondo termo ao processo contra ela, mediante o pagamento de “contribuição pecuniária” (assim definida pelas normas de defesa da concorrência e que, mesmo contando com essa denominação, não deve ser confundida com tributo, já que mais se assemelha a uma penalidade ou indenização ao poder público, que a um tributo propriamente dito).

Assim, muito importante aqui destacar que a solução de consulta tratou única e exclusivamente da possibilidade (ou não) de dedução, relativamente ao IR e à CSLL, do pagamento da “contribuição pecuniária” determinada pelas normas de defesa da concorrência, com o que não se encontrariam abrangidas pelos efeitos da consulta outras despesas havidas na defesa dos interesses da empresa em face de processo administrativo no âmbito do Cade.

De outro lado, independentemente do objeto da consulta, é preciso deixar claro que TCCs existem com e sem reconhecimento da participação em ato contrário à livre concorrência. Por vezes, uma parte acusada quer apenas ficar livre dos ônus do processo e a autoridade tem o poder de fazer o acordo sem exigir a confissão de culpa. Nestes casos, a “contribuição pecuniária” pode ser aceita pela empresa com o único objetivo de ficar livre do ônus do processo, mas sem a confissão de culpa.

Assim, o pagamento da “contribuição pecuniária” não implica em que a parte que o faz reconheça sua participação em ato ilícito. Com efeito, a assinatura de um TCC sem reconhecimento de culpa não gera para terceiros — que se sintam prejudicados por conduta reputada ilícita — quaisquer direitos em face da empresa que o assina, mas apenas encerra um processo administrativo que, sem sua assinatura, poderia seguir por longo período e consumir recursos ainda maiores, além de afetar a imagem da empresa implicada.

Veja-se que, neste caso, do ponto de vista fiscal, o próprio fisco (e, em última análise, a comunidade de contribuintes) é beneficiado, já que com o pagamento dessa “contribuição pecuniária”, a empresa pode até mesmo evitar dispêndios mais substanciais com sua defesa em procedimento administrativo, dispêndios estes que, como regra, caracterizariam despesas dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, já que nada se mostra mais necessário (e, infelizmente, cada vez mais usual) que o legítimo exercício do direito constitucional à plena defesa, a ser exercido por aqueles implicados em processos administrativos ou judiciais. Evita-se, assim, não apenas o seguimento de um processo administrativo, mas também despesas maiores que, ao final, poderiam diminuir o resultado tributável da empresa.

Aliás, isso vale para toda a despesa incorrida com a defesa, que no mais das vezes se mostra bem sucedida. Com efeito, existem diversos casos em que o Cade arquiva o processo, seja por falta de provas, seja pela descaracterização da conduta como infração, seja pela ocorrência da prescrição, seja por outros motivos. E não se pode negar, como visto acima, que a despesa incorrida com a defesa é necessária para a atividade da empresa, em virtude de formulação de acusação que mais tarde acaba por ser provada indevida.

Ora, como se sabe, é da própria natureza da atividade empresarial a necessidade de se defender a imagem da empresa e os atos praticados (nos limites da lei) por seus administradores. E aí se inclui a necessidade, incontestável, de toda empresa buscar defender-se de acusações (em boa parte dos casos, sem fundamento) a que suas atividades se encontrem sujeitas, já que, num Estado Democrático de Direito, há que se preservar a pluralidade de opiniões e a possibilidade de interpretações divergentes. E, num Estado Democrático como o nosso, nada mais usual que o surgimento de controvérsias que, a bem da preservação desse Estado, devem ser claramente dirimidas pelo poder público, com total respeito ao contraditório e ao direito à ampla defesa.

Assim, vê-se que mesmo naqueles casos nos quais ao final do processo a empresa — não tendo aderido a um TCC — venha a ser condenada, tolher o direito à dedução das despesas com que esta se tiver havido em sua defesa (cuja necessidade para preservação da empresa e usualidade, num Estado Democrático de Direito, caracterizado pela liberdade de expressão, são incontestáveis) configuraria claro cerceamento de seu direito de defesa, em patente (e lamentável) desrespeito ao que dispõe o artigo 5º, inciso LV da CF/1988.

Neste sentido, inspira cuidados a interpretação dada pela Receita Federal na Solução de Consulta 260, bem como o uso que se poderia tentar fazer desse entendimento, o qual deve ser encarado com sérias restrições, com o objeto de se proteger as garantias constitucionais e preservar o Estado Democrático de Direito instituído pelo texto constitucional.

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