Requisito do crime

Só há falsidade ideológica se documento tem valor próprio

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5 de janeiro de 2013, 7h37

A falsidade ideológica somente pode ser alegada em documento que por si só sirva como prova. Caso contrário, trata-se de elemento da instrução criminal que ainda constituirá a prova e, por isso, não pode ser considerado isento ou inidôneo. Com esse entendimento, o ministro Marco Aurélio Bellizze, do Superior Tribunal de Justiça, trancou Ação Penal movida contra advogada acusada de falsidade ideológica. De acordo com os autos, ela apresentou em juízo uma declaração de testemunha escrita à mão.

O caso é o de uma advogada que enfrentou dificuldades para ser recebida por uma juíza federal de São Paulo. Dulcinéia Terêncio, insatisfeita por não poder ir até o gabinete da juíza federal substituta Ivana Braba Pacheco, representou na Corregedoria Regional da Justiça Federal da 3ª Região. O caso foi sumariamente arquivado. Entendeu-se que a juíza não quis ofender a advogada com a recusa.

Dulcinéia, então, apresentou recurso administrativo. No recurso, contou que outro advogado estava no cartório quando ela ouviu da funcionária que estava no balcão que a juíza não a receberia pessoalmente. O advogado entrou no caso como testemunha. Ele assinou o documento de próprio punho — que posteriormente foi alterado.

A juíza Ivana representou contra Dulcinéia no Ministério Público Federal. Alegou falsidade ideológica e uso de documento falso pela advogada. O MPF encaminhou o caso à 9ª Vara Federal Criminal de São Paulo, que determinou a abertura da Ação Penal. Dulcinéia pediu ajuda à Ordem dos Advogados do Brasil, que indicou o advogado Carlos Alberto Pires Mendes, do escritório Maronna, Stein & Mendes Advogados, para o caso.

Casos excepcionais
Já com advogado constituído, Dulcinéia Terêncio apresentou Habeas Corpus ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região, pedindo o trancamento da ação. Disse que sua conduta era atípica e não estava descrita no Código Penal. Ou seja, que não cometera nenhum crime ao apresentar a declaração escrita à mão como testemunho.

O TRF-3 negou o recurso. Disse que a conduta da advogada estava descrita nos artigos 304 e 299 do Código Penal, segundo os quais o crime de falsidade ideológica é omitir ou inserir, “em documento público ou particular”, informações falsas. Também afirmou que “o trancamento da ação penal é medida excepcional” que só pode ser tomada quando comprovado “de plano” a atipicidade da conduta ou “alguma causa extintiva de punibilidade”.

E foi justamente o que foi alegado no Recurso em Habeas Corpus apresentado ao STJ pela defesa da advogada. O argumento foi o de que a conduta de Dulcinéia não pode ser enquadrada no artigo 299 do Código Penal, já que o documento apresentado ainda estava sujeito a verificação posterior.

Documento particular
O ministro Marco Aurélio Bellizze, em decisão monocrática, concordou com o argumento. Salientou que a questão principal, nesse caso, era saber se o testemunho apresentado no recurso administrativo pode ser considerado “documento particular”, nos termos do artigo 299 do Código Penal.

Citou doutrina do juiz Guilherme Souza Nucci, convocado ao Tribunal de Justiça de São Paulo. Para Nucci, documento, para definição de falsidade ideológica, é “uma peça que se tem possibilidade intrínseca (e extrínseca) de produzir prova, sem necessidade de outras verificações”. Da mesma forma, diz o doutrinador, eventual falsidade em petição de advogado não pode ser tipificada como falsidade ideológica.

“Assim, se a declaração não vale por si mesma, sendo necessárias outras diligências para se provar o que consta dela, tem-se que esta não se constitui em documento hábil a viabilizar a configuração do crime de falsidade ideológica. Patente, portanto, o constrangimento ilegal impingido à paciente, razão pela qual deve ser trancada a ação penal”, afirmou o ministro Bellizze, ao trancar a ação penal.

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