Falta de argumentos

Mais nove ações populares contra o Carf caem na Justiça

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25 de fevereiro de 2013, 10h32

A falta de interesse processual e de argumentos que justifiquem a lesão ao patrimônio público foram os principais argumentos usados pela Justiça Federal do Distrito Federal nas nove sentenças favoráveis ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) dadas na última semana em ações populares ajuizadas contra decisões favoráveis a contribuintes. Somando todas as decisões, o Carf acumula 12 vitórias. 

Ajuizadas por um ex-procurador da Fazenda Nacional, as 59 ações questionam decisões do Conselho — órgão paritário formado por membros oriundos do fisco federal e da sociedade civil — favoráveis aos contribuintes, alegando que lesam o erário. O ex-procurador também coloca os conselheiros no polo passivo dos processos. O assédio preocupa os tributaristas que julgam no Carf, que já buscaram apoio de entidades da advocacia e suspenderam algumas sessões. 

Alguns deles, acompanhados pelo presidente do Conselho, Otacílio Cartaxo, têm despachado com juízes sobre a situação. A Advocacia-Geral da União assumiu a defesa do órgão e de seus membros em juízo. Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que faz parte da AGU, emitiu pareceres favoráveis às ações.

Na última quarta-feira (20/2), o Instituto dos Advogados de São Paulo e o Movimento de Defesa da Advocacia enviaram ofício ao advogado-geral da União, Luis Inácio Adams, elogiando a iniciativa de defender os conselheiros, e afirmaram que estão acompanhando os casos de perto. 

A decisão do juiz federal Gabriel José Queiroz Neto, titular da 1ª Vara Federal do DF, mostra o entendimento adotado pela Justiça nos casos julgados até o momento: “A inicial deve ser indeferida, uma vez que não há interesse processual e há inépcia; a leitura da inicial não revela qualquer ato lesivo ao patrimônio público, de tal maneira que da narração dos fatos não decorre logicamente o pedido.” Segundo o juiz, a Ação Popular só é admissível quando houver a pretensão de anular ato lesivo ao patrimônio público. 

Cinco sentenças saíram nesta quinta-feira (21/2) envolvendo casos julgados pelo Carf em favor das empresas Flint Group Tintas de Impressão; Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais; Minerações Brasileiras Reunidas; e Banco Santander — todas assinadas pela juíza federal em auxílio na 16ª Vara do DF, Cristiane Pederzolli Rentzsch. Também na quinta, a juíza Lana Lígia Galati julgou caso da Itaú Seguros. 

Quatro sentenças no mesmo sentido foram publicadas na sexta-feira (22/2), sobre julgados em favor da Samraco Minerações e Lloyds TSB Bank PLC, julgadas pelo juiz federal substituto Bruno César Bandeira Apolinário. A Ampla Energia e Serviços teve decisão do Carf analisada pelo juiz federal substituto da 9ª Vara do DF, Alaôr Piacini. Caso da Santa Marta Empreendimentos Imobiliários foi julgado pela juíza Lana Lígia Galati. 

Todas elas afirmam que a autora das ações, Fernanda Soratto Uliano Rangel — mulher do ex-procurador Renato Chagas Rangel, expulso da PGFN acusado de se apropriar de bens de devedores como honorários de sucumbência e condenado em dois processos administrativos —, não alegou fraude de julgamento, corrupção ou concussão dos conselheiros ou eventual desvio de poder praticado por eles. “Não se pode anular um ato administrativo sob o fundamento de que houve erro na aplicação da lei, sob o ponto de vista da autora. À míngua de ilegalidade, não pode o Poder Judiciário anular atos da Administração, sob pena de interferir no ser poder discricionário”, diz uma das sentenças. 

Questionamentos ao Carf
Nas 59 Ações Populares, o ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel questiona o mérito de acórdãos do Carf que afirmam não serem devidos tributos de dezenas de empresas. Rangel afirma que, como as empresas foram “livradas” de pagar impostos, a União foi omissa em seu papel de arrecadar.

O ajuizamento dessas ações causou tumulto no Carf, a última instância administrativa para discussões entre contribuintes e fisco federal. Nas últimas semanas, conselheiros retiraram todos os processos de pauta, com receio de que novas decisões a favor de contribuintes pudessem dar munições a novas ações.

A decisão de parar as atividades veio depois de, em alguns casos, a Fazenda ter se manifestado contra as decisões do Carf. Em pareceres, a Procuradoria da Fazenda Nacional afirmou que, por mais que defenda a legitimidade do Carf, deve defender também o crédito tributário. Atacou, portanto, o mérito das decisões.

Houve uma contradição institucional, conforme apontado por especialistas ouvidos pela ConJur. Eles explicam que, como o Carf é um órgão do Ministério da Fazenda, seus posicionamentos representam o posicionamento do próprio ministério. Em última análise, os dois são a mesma coisa.

Os pareceres da Fazenda foram duramente criticados. Não caberia, portanto, parecer jurídico da PFN contra decisões do Carf. Segundo os especialistas, foi como se a Fazenda tivesse falado contra sua própria decisão. “Parece que a Fazenda quer ganhar todas”, disse à ConJur o professor Paulo de Barros Carvalho.

Para evitar novos conflitos desse tipo, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional preferiu pedir ao advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, que avocasse o processo e decidisse qual órgão da AGU faria a defesa do Carf. A tarefa foi passada à Procuradoria-Geral da União, a PGU.

Segurança ameaçada
Tributaristas tomam as ações como intimidações ao Conselho. "É um abuso do direito de ação e um assédio contra o Carf que pode esvaziar o órgão", diz advogada Mary Elbe Queiroz, que milita no Carf. Ela afirma que as ações "atingem diretamente a imagem do órgão" e que os conselheiros pararam porque "estão sem garantias".

Chamado a dar parecer no caso, o tributarista Ives Gandra da Silva Martins chamou as ações de “absurdas” e “sem a menor condição de prosperar”. Ele conta nunca ter visto episódio semelhante em seus 55 anos de experiência na advocacia e no magistério. "São ações que não têm substância nenhuma, mas que atacam a honorabilidade do Carf e de seus conselheiros. E isso é muito ruim para a própria instituição, já que o órgão é formado por membros da Receita e representantes dos contribuintes", avalia. E mostra preocupação: "Por que um professor, ou advogado de renome, se sujeitaria a trabalhar de graça como conselheiro se está sujeito a uma ação popular que questiona sua higidez, sua idoneidade?"

Paulo de Barros, que também deu parecer nos processos, concorda. Ele afirma que as ações são “completamente sem propósito”. “Entrar com a ação popular é possível, é um direito de todo mundo. Mas a Fazenda subscrever essa atitude é um atentado à segurança jurídica e à estabilidade do governo, além de ir completamente contra o Código Tributário Nacional”, diz.

Na opinião do professor Eurico de Santi, outro que emitirá parecer, o episódio pode ser virtuoso para o Carf, apesar das turbulências. Reforçaria, segundo ele, o papel e a importância institucionais do órgão, que é quem dá a última palavra administrativa sobre a existência ou não de crédito tributário. “É um órgão sério e com a expertise para tratar de crédito tributário.”

Para Luís Eduardo Schoueri, professor da USP, caso as ações tenham sucesso, a segurança jurídica da atuação administrativa desaparecerá. “Como posso pensar que a Fazenda se mostrou contrária a uma decisão do próprio Ministério da Fazenda? A administração pública é uma coisa só”, diz.

O mesmo pensa o também professor da USP Heleno Taveira Torres. Ele afirma que “a ordem jurídica não pode servir de instrumento para interesses de vingança privada”. Para ele, interessa à sociedade e ao próprio governo repudiar essas ações. “Está em jogo a credibilidade do Carf como tribunal administrativo independente.”

Para o advogado Luiz Gustavo Bichara, do Bichara, Barata & Costa Advogados, é preciso avaliar as consequências econômicas de se ter o Carf parado. “Com as sessões do Carf suspensas, centenas de processos deixaram de ser julgados e milhões de reais tiveram sua arrecadação postergada”, diz.

O advogado Gilberto Fraga, vice-presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB do Rio de Janeiro, afirma que o Judiciário não pode se debruçar sobre o tema, sob pena de abrir o precedente de que, a qualquer decisão pró-contribuinte do Carf, caiba uma ação popular. “Imagine como ficaria o Carf se a todo momento em que desse razão ao contribuinte soubesse que seria alvo de ação. Essas ações são uma maneira enviesada de ressuscitar o crédito tributário, quando o STJ já decidiu que a decisão administrativa, quando contra a Fazenda, é definitiva”, afirma.

Caminho certo
Os tributaristas também elogiaram o que vem decidindo a Justiça Federal. Ao comentar uma das primeiras decisões, o advogado Luiz Paulo Romano, do Pinheiro Neto Advogados, afirmou que "o que chama atenção é que poderia ter sido bem rasa, mas acabou aprofundando em temas muito importantes".

Falando sobre a mesma sentença, o tributarista Dalton Miranda, do Trench, Rossi e Watanabe Advogados, diz que "o juiz foi preciso e, com respaldo na legislação e na jurisprudência do STJ, definiu claramente que as decisões proferidas pelo Carf são sim definitivas naquilo que diz respeito à administração fazendária".

O presidente do Movimento de Defesa da Advocacia, Marcelo Knopfelmacher, também elogiou. "A sentença reafirma a autoridade das decisões do Carf. Se as ações populares atacam apenas o mérito das decisões, como de fato ocorreu na hipótese, a sentença está corretíssima e serve de paradigma para os demais casos."

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