Descentralização do TRT

"Descentralização vai facilitar o acesso à Justiça"

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17 de fevereiro de 2013, 9h50

Spacca
Descentralizar a Justiça do Trabalho na cidade de São Paulo com a criação de fóruns regionais. Esta é a proposta da desembargadora Maria Doralice Novaes, que assumiu a presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em setembro de 2012. Para colocar o projeto em prática a desembargadora já está conversando com a prefeitura de São Paulo e com a seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil. O objetivo é instalar as 64 varas que serão criadas já nos fóruns regionais. O primeiro deles deve ser instalado na Zona Leste, que concentra 25% das demandas da Justiça trabalhista da capital.

“O Fórum Ruy Barbosa está saturado”, afirma Maria Doralice. No prédio, inaugurado em 2004, funcionam as 90 Varas do Trabalho da cidade. Segundo a desembargadora, circulam por ali de 15 a 20 mil pessoas por dia. “Com a instalação dessas varas  descentralizadas conseguiremos resolver o problema de espaço, além de facilitar o acesso da população ao Judiciário”, explica.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região abrange, além da capital, 41 municípios da grande São Paulo e da baixada Santista. Apesar de ser o tribunal que acumula o maior número de casos em todo o Brasil, 648 mil, o TRT-2 possui um bom desempenho. De acordo com dados da pesquisa Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, o TRT-2 é o que mais teve processos baixados no mesmo período (633 mil). Mesmo com o esforço dos magistrados, o estoque dos processos pendentes de julgamento registra aumento desde 2009.

Segundo a desembargadora, um dos problemas enfrentados na 2ª Região é a falta de magistrados. “Hoje sobram 212 vagas que não conseguimos preencher, embora façamos concursos públicos ininterruptamente”, diz. Para tentar resolver este problema, a desembargadora quer diminuir a burocracia nos concursos, tornando-os mais rápidos, mas sem diminuir a qualidade. Além disso ela conta que há uma discussão no Colégio de Presidentes e Corregedores de Tribunais Regionais do Trabalho (Coleprecor) para realização de um concurso nacional para ingresso na magistratura.

Ela gostaria de ser lembrada, ao terminar sua gestão em 2014, como a presidente que tirou os servidores e magistrados de sua zona de conforto, modernizando o tribunal. Para enfrentar o desafio da presidência, fez cursos de capacitação em gestão e liderança. “A pessoa que quer administrar o tribunal tem que se capacitar antes. Tudo é diferente de tudo que você já fez durante toda a sua vida”.

Maria Doralice Novaes nasceu em São Paulo e se formou, em 1971, no curso de direito das Faculdades Metropolitanas Unidas. Em 1981 ingressou na magistratura  e, desde 1995 é desembargadora do TRT paulista. Foi desembargadora convocada no Tribunal Superior do Trabalho por duas ocasiões: em 2004-2007 e em 2010-2011. 

Leia a entrevista que a presidente concedeu ao ConJur:

ConJur — Como está a situação da Justiça do Trabalho em São Paulo?
Maria Doralice — As 90 varas da Justiça do Trabalho instaladas na cidade de São Paulo funcionam em um único prédio, no Fórum Ruy Barbosa, que está com suas instalações saturadas. Não cabe mais nada. Estima-se que entre 15 e 20 mil pessoas circulam lá diariamente. Além destas, serão criadas mais 64 varas e precisamos instalá-las. A única solução que nós temos é a descentralização. Não há condições de administrar um tribunal todo centralizado. Embora seja novo, o Fórum Ruy Barbosa está esgotado em termos de espaço. Se você pensar em 20 mil pessoas circulando, é o tamanho de uma pequena cidade. Com a instalação dessas varas  descentralizadas conseguimos resolver o problema de espaço, além de facilitar o acesso da população ao Judiciário.

ConJur — E como seria esse projeto de descentralização?
Maria Doralice — A Justiça precisa chegar um pouco mais aonde o povo está. Como São Paulo é muito grande, podemos aproveitar a divisão geográfica utilizada pela prefeitura (Norte, Sul, Leste, Oeste e Centro) e fazer também fóruns regionais. Com isso, instalaremos estas novas varas onde houver maior concentração de demanda. Fizemos um levantamentos e 25% das demandas de São Paulo estão na região Leste, onde está a maior parte das empresas. De acordo com a CLT a ação tem que ser proposta no fórum do local da prestação do serviço, onde a empresa está instalada. As outras demandas, 20% estão na região Sul, 10% na região Norte, 10% na região Oeste e o remanescente na região central, em que fica o Fórum Ruy Barbosa.

ConJur — Então a Zona Leste seria a primeira?
Maria Doralice — Sim. Primeiro pela grande quantidade de demandas. Segundo porque o acesso ao meio de transporte é mais facilitado. Temos linhas de metrô, que unem São Paulo e que vão até o fim da Zona Leste, o que facilita o acesso das pessoas. Se levarmos essas varas para cada região iremos facilitar oajuzamento de ações pelos trabalhadores. Outro ponto que me levou a propor a descentralização é o processo judicial eletrônico (PJe-JT).

ConJur — Por que?
Maria Doralice — O Pje-JT está sendo implantado em São Paulo e em todo o Brasil. Se levarmos um fórum regional para a Zona Leste, eu consigo implantar lá as varas eletrônicas, sem interferir no Fórum Ruy Barbosa. Na capital há uma grande dificuldade de implantar o Pje-JT porque temos 90 varas com um legado de papel de 60 anos. Não será fácil eliminar esse papel de um dia para o outro.

ConJur — Então o fórum regional já seria eletrônico?
Maria Doralice — Sim. Funcionaria só com PJe-JT. Isso facilitaria também para os advogados que não precisariam se deslocar até o fórum para resolver seus problemas. Uma das grandes preocupações da gente também é não atrapalhar a advocacia, que é nossa companheira de trabalho. Segundo levantamento que fizemos, a maioria dos advogados que militam com frequência na Justiça do Trabalho ficam localizados na região central e na Zona Leste.

ConJur — E como seria a divisão e instalação nas demais regiões?
Maria Doralice — A Zona Oeste e a Central permaneceriam no Ruy Barbosa, pois são os que têm maior quantidade de processos juntos e o fórum já possui 90 varas. Depois seria instalado um na Zona Sul, talvez ano que vem. Por ser distante e faltar transporte coletivo, o ideal seria aguardar a conclusão da obra do metrô para instalar este fórum. E por último na Zona Norte, que possui menos demandas.

ConJur — A instalação de fóruns regionais irá criar uma nova demanda para o transporte público, que também está saturado. Este planejamento está sendo feito junto com  a prefeitura?
Maria Doralice — Sem dúvida. Estamos conversando com a prefeitura essa questão de qual seria o melhor local para instalação. A prefeitura tem projetos de desenvolvimento da Zona Leste e da Zona Sul, onde pretende implantar um centro industrial e um centro comercial. Isso também deve ser levado em consideração, pois a tendência é aumentar a demanda nestas regiões.

ConJur — E quanto ao número de servidores? O TRT possui servidores suficientes para dar conta desta demanda?
Maria Doralice — Na medida em que as novas varas forem instaladas será preciso ampliar o quadro de servidores. Estamos terminando agora um concurso e já temos a previsão para abrir um novo. O que falta é magistrado, há uma deficiência imensa. Temos um quadro de juízes que deveria ser em torno de 630, mas hoje sobram 212 vagas que não conseguimos preencher, embora façamos concursos públicos ininterruptamente.

ConJur — E por que essas vagas não são preenchidas?
Maria Doralice — Esse é um problema crucial. Os concursos públicos aprovam um número pequeno de magistrados. Embora se inscrevam 9 mil candidatos em cada concurso, são aprovados, em média, 30 magistrados. Além disso há um grande número de magistrados que passam no concurso e acaba se removendo para outras regiões. Em regra a gente consegue contratar e suprir a demanda nos concursos para servidores, no concurso para magistrado não.

ConJur — Para preencher as 212 vagas é preciso mais dois concursos por ano.
Maria Doralice — Isso. Este ano faremos dois concursos. Mas como são cinco etapas, é sempre difícil fazer o concurso. Vamos agilizar a próxima seleção fazendo a segunda e a terceira etapa no mesmo fim de semana. Assim a duração é encurtada e consigo fazer os dois neste ano para ter magistrados para instalar as novas varas.

ConJur — A instalação dessas varas então depende desse concurso?
Maria Doralice — Depende. Para cumprir a meta do Conselho Nacional de Justiça, de manter dois juízes por vara, eu precisaria do quadro completo. Atualmente já é preciso indeferir férias devido a imprevistos, pois não tenho magistrado para substituir. Na cidade de São Paulo há dois magistrados nas 54 primeiras varas, que são as mais antigas. As demais há um juiz para cada três varas.

ConJur — O magistrado tem, por lei, direito a 60 dias de férias por ano. Mesmo existindo esse excesso de demanda e falta de juízes, a senhora acha esse tempo razoável?
Maria Doralice — Há uma polêmica a respeito dessa questão, mas entendo absolutamente necessário. O magistrado trabalha com o estresse no limite máximo, que é o estresse das partes. Ele nunca trabalha em condições de tranquilidade, está sempre trabalhando com um litígio. Então, o material de trabalho do magistrado é o estresse, por isso precisa de dois meses de férias, não diretos, para se recuperar.

ConJur — A falta de magistrado é a principal dificuldade para baixar o número de processos acumulados?
Maria Doralice — Indiscutivelmente. No ano passado recebemos cerca de 600 mil processos na primeira instância, enquanto foram solucionados 320 mil, portanto restou um saldo grande. Enquanto isso, a segunda instância, que tem o quadro completo de magistrados, diminuiu o estoque. O TRT recebeu 90 mil processos e julgou 130 mil. É certo que quando estivermos com o quadro completo na primeira instância o estoque vai ter a mesma proporção.

ConJur — A senhora acha realmente possível trabalhar algum dia com esse quadro completo, dado esse histórico de dificuldade de aprovação?
Maria Doralice — É o meu sonho de consumo e pretendo fazer isso. Para isso quero facilitar a burocracia do concurso, reduzir os prazos, reduzir o período de recursos. Há também uma proposta do Colégio de Presidentes e Corregedores de Tribunais Regionais do Trabalho [Coleprecor] para realização de concursos nacionais. Isso deve resolver.

ConJur — Como seria este concurso nacional?
Maria Doralice — Essa é uma solução interessante. A ideia é fazer um concurso nacional, com inscrição única, no qual os candidatos escolhem o regional que querem trabalhar. Os aprovados ficam numa espécie de banco de magistrados e são solicitados conforme a disponibilidade de vagas.

ConJur — E a senhora crê que essa solução vai adiante?
Maria Doralice — Sim, porque concurso público é um problema de todos. Há tribunais que não conseguem fazer concurso, porque de acordo com as normas do CNJ, os concursos são regionais. Porém, os magistrados podem pedir remoção de um lugar para outro. Quando, por exemplo, Paraná – é um exemplo típico — abre concurso de remoção, o Brasil todo vai para o Paraná e se removem os dez e ele não abre concurso. São Paulo que é o grande produtor de magistrados. Se a pessoa que fizer o concurso nacional falar “eu escolhi São Paulo”, ela vem para ficar e não para conseguir acesso a outro tribunal.

ConJur — Houve em 2012 uma denúncia de que os juízes trabalhistas não compareciam aos fóruns às sextas-feiras. Isso ainda acontece?
Maria Doralice — Muitos juízes levam trabalho para casa. Muitos colegas ficam em casa na sexta-feira, no sábado, no domingo fazendo as sentenças das audiências que ele fez de segunda a quinta. Nossos índices de produtividade comprovam que, por mais que ele não esteja fisicamente no fórum, ele está em casa julgando. Se não fosse assim não atingiríamos os índices de sentença que a gente tem. Somos o maior produtor de sentença do país.

ConJur — É bom que o juiz leve trabalho para casa?
Maria Doralice — É terrível, mas se ele não dá conta no fórum não há outra solução. Eu sou juíza há 32 anos, já fui juíza de primeira instância, já fui substituta. Era inevitável trabalhar domingo, fim de semana e à noite. É uma coisa absurda. O juiz faz uma média de 10 audiências por dia, ouvindo as partes e em média três testemunhas de cada parte. Após ouvir, colher as provas, encerra o processo para julgar. Então começa outra audiência. Com todo esse tempo gasto em audiências, que horas que ele vai julgar esses processos que encerrou? É em casa à noite, sábado, sexta, domingo.

ConJur — As metas do Conselho Nacional de Justiça podem ser cumpridas ou isso coloca uma espada na cabeça do juiz que se sente pressionado?
Maria Doralice — Se sente pressionado. As metas são importantes como um caminho a seguir. Me parece que as fixadas pelo CNJ não levam em conta as características de cada região, as dificuldades de cada processo. Não é a mesma coisa você fixar metas para o Tribunal de Justiça e para a Justiça do Trabalho. Na Justiça do Trabalho nunca há um tema único. São pelo menos dez temas para serem decididos em cada processo: porque foi mandado embora, justa causa ou não justa causa, teve acidente de trabalho ou não teve, tem dano moral, não tem, tem hora extra, não tem, tem adicional de salubridade, periculosidade… Então, não dá para fixar as mesmas metas por processo. Talvez fosse um pouco mais justo fixar meta por matéria. Mas por processo não justo.

ConJur — A busca em atingir estas metas acaba diminuindo a qualidade do julgamento?
Maria Doralice — Interfere na qualidade seguramente. É uma coisa ou outra. Não dá para as duas coisas correrem juntas, exceto se tivesse um número de processos inferior. Mas não é o que ocorre em São Paulo. A quantidade de processos sempre é muito grande.

ConJur — E a legislação trabalhista é um problema nisso? A legislação precisa ser revista?
Maria Doralice — Precisa ser revista na medida em que a humanidade está se desenvolvendo, mas não creio que seja isso que atrapalha o andamento da justiça. Tem excesso de recursos, nossa deficiência estrutural, a certeza de que a justiça é lenta. Isso é um fator importantíssimo, pois a empresa acaba empurrando a dívida. No TRT-SP o número de recursos começou a cair após o tempo de julgamento diminuir. Em menos de um mês nós estamos julgando os processos que entram. Com isso as empresas pararam de recorrer pois sabem não poderão empurrar por muito tempo.

ConJur — A senhora defende algum tipo de ajuste na legislação trabalhista?
Maria Doralice — Ajuste sempre precisa ser feito, mas não tem nenhum ponto específico. Os ajustes devem ser feitos pelas categorias que estão interessadas. Cada categoria tem que mostrar para o legislador quais são as suas necessidades.

ConJur — E para acelerar os processos, o que poderia ser feito?
Maria Doralice — O processo eletrônico é uma das coisas que vai acelerar bastante, reduzindo em até 60% o tempo de um processo. A conciliação também auxilia. É preciso promover todas as modalidades de solução de conflito extrajudicial. A população tem hoje pensa mais em vamos buscar nossos direitos do que vamos conciliar. Além disso é necessário suprir nossas deficiências, dar condições de trabalho, ter o número de magistrados suficiente.

ConJur — Há um projeto de conciliação na fase de execução? Como funciona?
Maria Doralice — É uma proposta do Tribunal Superior do Trabalho, que uma vez por ano pega todos os processos conciliáveis em execução. A fase de execução é o grande gargalo da Justiça. O juiz dá a sentença, reconhece o direito, mas nem sempre consegue entregar o dinheiro correspondente a esse direito.

ConJur — Isso é uma falha na legislação?
Maria Doralice — Em alguns casos. Quando pensamos em empresas, pensamos nas grandes e bem estruturadas. Mas a maioria são pequenas e há uma rotatividade muito grande de empresas. Há muitos casos que o empregado tem o direito reconhecido e a empresa já não existe mais. Então começa o processo em execução que fica infindável. Essa ideia de propor uma conciliação na fase de execução é muito boa, porque mostra para o empregado o que efetivamente é possível.

ConJur — Nessa busca pelo pagamento entra a penhora. Há diversos casos em que pessoas que não são sócias das empresas acabam tendo seus bens penhorados injustamente. Qual é o limite da penhora?
Maria Doralice — Na verdade o limite da penhora varia conforme o caso. Muitas vezes acontecem essas injustiças porque há pessoas que tem 0,1% do patrimônio, só para constar, do capital social da empresa e acaba tendo o seu patrimônio penhorado. Nesses casos nós temos resolver as injustiças uma a uma, mas é o caminho que o magistrado tem para encontrar o patrimônio. No caso de penhora injusta a pessoa deve fazer sua defesa individual e mostrar a injustiça. Por exemplo, a esposa de um sócio, com patrimônio em conjunto, de alguma forma participou do patrimônio trazido pela empresa. Caso ela tenha seus bens penhorados, ela tem que se defender. Dizer que não tem participação e demonstrar isso para ser liberada. Mas a gente parte da premissa daquilo que é usual que é a esposa participar também dos lucros que eventualmente a empresa trouxe.

ConJur — E tem um juiz que decide por usar o Código de Processo Civil para fixar prazo para execução. A senhora é favorável a isso?
Maria Doralice — Não. Existem boas teses jurídicas a esse respeito, mas entendo que o Código de Processo Civil não tem aplicabilidade porque a CLT não é omissa. E de acordo com as regras da CLT a gente só vai buscar no CPC quando há omissão. Como não omissão então não teria aplicabilidade.

ConJur — A Certidão Negativa de Débitos trabalhistas mudou o modo como acontece a execução. Antes a justiça ia atrás da empresa para pagar a dívida, agora ela que busca a justiça. Há outras inovações que auxiliam nessa busca pelos devedores?
Maria Doralice — A Certidão Negativa conseguiu atingir exatamente nosso grande problema que é encontrar o devedor. Para isso nós temos convênio com diversos órgãos como Detran, Receita Federal, Banco Central que nos ajudam a localizar o devedor e o patrimônio dele. 

ConJur — O processo eletrônico tem encontrado resistência por parte da advocacia, inclusive apontando falhas no sistema. Há muitos problemas?
Maria Doralice — Estamos em um processo de evolução e de desenvolvimento do sistema. As falhas existem e imediatamente são corrigidas. Isso faz parte do processo, porque não é possível em um software prever as nossas dificuldades. O processo judicial está sendo desenvolvido por módulos e os primeiros já estão quase perfeitos. O terceiro módulo, que é mais rescente é o que os advogados reclamam um pouco mais. Este módulo apresenta bastante inconsistência, mas os problemas estão sendo rapidamente corrigidos. 

ConJur — O processo eletrônico é um caminho irreversível? Há prazos para a instalação completa no estado?
Maria Doralice — Não. No estado temos 10% das nossas varas implantadas, todas com um número pequeno de processos. E nenhuma destas é na capital. O impacto de processos ainda não é grande. Até o final desse ano, com as metas do CNJ, teremos aproximadamente uns 260 mil processos no novo sistema.

ConJur — A capital deve ser a última a ter o processo eletrônico 100% instalado?
Maria Doralice — Sem dúvida. A instalação dos fóruns regionais irá enxugar o número de processos no fórum central. Somente após reduzir em pelo menos 50% a quantidade de processos é que será possível transformar os processos em fase de execução do fórum central em processos eletrônicos. O processo 100% eletrônico na capital deve demorar uns dois anos.

ConJur — A CLT deveria aceitar o negociado entre o trabalhador e o patrão?
Maria Doralice — O negociado tem que ser aceito, o que não pode existir é flexibilização do mínimo. Tudo pode ser negociado, desde que ele não viole os princípios básicos e o mínimo que está na Constituição. Senão não teria sentido termos uma legislação trabalhista se tudo partisse para o negociado.

 ConJur — No caso da terceirização. Falta uma legislação específica?
Maria Doralice — A terceirização precisa ser mais discutida, primeiro você inventa e depois se discute a legislação sobre. Falta legislação para as coisas que estão sendo inventadas agora, como por exemplo conceituar o trabalho de telemarketing. Mas não pode haver os abusos, como as empresas que pegam a atividade essencial e terceirizam. Todas as atividades que não sejam essencial podem e devem ser terceirizadas. Em um tribunal, por exemplo, seria absurdo fazer um concurso público para segurança ou limpeza. 

ConJur — A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho tem sido seguida nas instâncias inferiores?
Maria Doralice — Não inteiramente. Exceto as súmulas vinculantes, a jurisprudência é uma diretriz que o magistrado pode ou não seguir. Não há a necessidade de seguir, porque inclusive estaria violando o princípio do livre convencimento. Cada um pode ter o seu livre convencimento.

ConJur — Mas isso não dificulta a vida do advogado?
Maria Doralice — O advogado tem essa dificuldade nos tribunais regionais, nós temos essa deficiência. A uniformização de jurisprudência é necessária, não para engessar o magistrado, mas para sinalizar para a parte qual é a diretriz a ser seguida. Para suprir essa deficiência criamos uma comissão para definir a jurisprudência no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. A comissão irá formular os temas que serão debatidos em um primeiro momento somente com os presidentes de turma. Em seguida, os presidentes debaterão o tema com suas turmas. Após o assunto ser amadurecido será levado ao pleno, composto por 94 magistrados, que irão apenas votar o que já foi discutido.

ConJur — A senhora assumiu há pouco tempo a presidência do TRT. Qual legado pretende deixar?
Maria Doralice — Eu quero ser lembrada por uma pessoa que tentou modernizar a Justiça. O servidor público, o magistrado, tem algumas características interessantes. A primeira é não gostar de sair da zona de conforto, porque já conhece aquilo. Eu devo retirar as pessoas dessa zona, mesmo que seja só para repensar aquilo que está sendo feito. Antes de assumir a presidência do tribunal eu realizei cursos para me preparar para o desafio e pretendo trazer para o tribunal uma gestão um pouco mais profissional, mais atual.

ConJur — E a senhora prevê algum tipo de resistência justamente por mexer nessa zona de conforto?
Maria Doralice — Pelo contrário, os servidores são muito abertos pois querem mudar o estigma de que o servidor é aquele que bate carimbo. Ninguém gosta de um título desse e nem mesmo os magistrados. Tem os mais antigos que são mais resistentes, mas os mais novos são muito abertos as inovações. Quanto a descentralização as pessoas se assustam em um primeiro momento pelo medo do desconhecido. Mas como nada tudo pode ser alterado, então coloco assim o projeto. Se não der certo, a gente volta. Não quero voltar, mas quando falamos isso as pessoas ficam com mais segurança.

ConJur — Os tribunais são, em geral, geridos por pessoas que não tem o perfil de gestor, nem capacitação para isso.
Maria Doralice — Falta a pessoa se capacitar. A pessoa que quer administrar o tribunal tem que se capacitar antes, fazer curso de gestão, de liderança, para poder mudar o foco. No meu caso, fiquei durante 31 anos julgando processos, reclamação trabalhista. De repente vou administrar um tribunal como esse. Tudo é diferente de tudo que você já fez durante toda a sua vida. Por isso fui me qualificar para exercer esse cargo. Todo mundo tem que se capacitar sempre. A todo tempo temos que delegar porque não é possível você trabalhar sozinho. O grande líder é aquele que não executa nada, que só pensa e consegue delegar. É preciso aprender a cobrar, aprender a ensinar as pessoas a executarem aquilo que está sendo pensado. O presidente do tribunal está sendo pago para pensar soluções e não executar soluções, por isso precisa se preparar.

ConJur — Somente os presidentes precisam se capacitar como gestor?
Maria Doralice — Cada um é um pouco de gestor, na sua própria vara, no seu próprio setor, no seu próprio departamento. Então, o tribunal também precisa capacitar essas pessoas. É necessário pensar diferente. O serviço público tem uma tendência de fazer mais do mesmo. Não necessariamente o problema está na falta de servidor ou de máquina. As vezes é preciso repensar a forma com que aquele trabalho está sendo feito, porque não está dando certo.

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