Rol da ANS

Plano deve custear qualquer tratamento essencial

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11 de fevereiro de 2013, 6h44

Plano de saúde não pode se negar a pagar por medicamentos, esteja ele ou não previsto no rol de remédios obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Com esse entendimento, o juiz Daniel Ovalle da Silva Souza, da 8ª Vara Cível do Fórum Central de São Paulo, determinou que a Golden Cross reembolsasse uma paciente e pagasse todas as despesas futuras, sem limite, com o uso do medicamento Lucentis, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

A paciente foi diagnosticada com doença conhecida como Degeneração Macular Relacionada à Idade (DMRI) que, se não tratada, pode levar à cegueira. Para barrar o avanço da doença, o médico da paciente indicou tratamento com aplicações de medicamento de alto custo (Lucentis), normalmente utilizado em tratamento oncológico.

O plano de saúde da paciente, no entanto, negou-se a autorizar e cobrir as despesas com o argumento de que o tratamento indicado não está previsto no rol de procedimentos obrigatórios da ANS, o que fez com que ela ingressasse com ação judicial.

Na ação, o advogado da paciente, Luciano Correia Bueno Brandão, defendeu que "o rol da ANS é meramente exemplificativo, sendo que cabe ao médico determinar qual o melhor tratamento indicado ao paciente no caso concreto, não podendo haver interferência do plano".

A argumentação foi aceita pelo juiz, que determinou que o plano de saúde forneça o medicamento prescrito, pois não se trata de mera medicação de uso domiciliar.

"Em sede de direitos do consumidor e de contratos de adesão, a interpretação das cláusulas deve ser feita de modo mais favorável ao consumidor, sem prejuízo, ainda, do uso do princípio da razoabilidade. Assim, havendo previsão no contrato de que serão prestados aos usuários do plano serviços médicos, auxiliares e hospitalares, além de tratamentos na medida em que sejam necessários para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica (artigo 12, inciso II, alínea d, da Lei nº 9.656/98), temos que a utilização do medicamento Lucentis não pode ser obstada", disse o juiz em sua decisão. 

O juiz explica que a limitação contratual e legal visa impedir que o segurado, por conta de enfermidades outras, solicite exames ou tratamentos desnecessários, experimentais ou de efetividade duvidosa, o que certamente acarretaria sério desequilíbrio econômico-financeiro na gestão do contrato.

Leia a sentença:

Processo: 0147213-84.2012.8.26.0100 (583.00.2012.147213)

Relatório
Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos materiais, com pleito de tutela antecipada, promovida por ELIANE MONTEIRO DE BARROS GRANDIS em face de GOLDEN CROSS ASSISTÊNCIA INTERNACIONAL DE SAÚDE, alegando a autora, em síntese, que é segurada da requerida e, ao necessitar se submeter a tratamento para “degeneração miópica”, com injeção intra-vítrea do medicamento “Lucentis”, teve o custeio negado pela ré, sob a alegação de que não há cobertura para o procedimento. Requereu, então, a condenação da ré ao custeio das despesas médico-hospitalares incorridas durante o tratamento, além de indenização pelas já despendidas.

Com a inicial (fls. 02/14), os documentos de fls. 15/35. A tutela antecipada foi parcialmente deferida (fl. 37). Regularmente citada, a requerida apresentou contestação, sustentando a improcedência do pedido, por não contar o procedimento médico pleiteado com cobertura contratual (fls. 49/61). Houve réplica (fls. 81/87).

É o relatório.

Fundamento e decido.

Fundamentação. O feito comporta julgamento antecipado, eis que versa sobre matéria fática em relação a qual não se faz necessária a produção de outras provas além da documental já acostada aos autos, na forma do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil. O pedido é procedente.

Importante observar, de início, e como pressuposto decisório, que, in casu, está-se diante de uma situação fática peculiar, relativa ao diagnóstico de “degeneração miópica com membrana neovascular sub retiniana secundária em olho direito” (fl. 26), em que se mostra essencial à cura da autora a realização do tratamento indicado por seu médico, consistente em aplicações do medicamento “Lucentis”.

O contrato celebrado entre as partes não contempla o custeio de “tratamentos experimentais” e “medicamentos não reconhecidos pelo órgão federal competente” (Cláusula 11.1, fl. 21), e nisso estaria a requerida amparando sua recusa.

Assim, num exame primário e estrito, não faria jus a autora à sua obtenção, deixando-se claro, desde já, que não há nulidade ou abusividade alguma na previsão abstrata de limitar aos segurados alguns procedimentos médicos ou laboratoriais mais complexos, uma vez que o seguro-saúde é pacto aleatório, oneroso e bilateral, de modo que eventual estipulação de cobertura livre, se o caso, não pode ser desacompanhada de cálculo atuarial correspondente, com evidente majoração no valor mensal do prêmio pago.

Todavia, em sede de direitos do consumidor e de contratos de adesão, a interpretação das cláusulas deve ser feita de modo mais favorável ao consumidor, sem prejuízo, ainda, do uso do princípio da razoabilidade. Assim, havendo previsão no contrato de que serão prestados aos usuários do plano serviços médicos, auxiliares e hospitalares, além de tratamentos na medida em que sejam necessários para o controle da evolução da doença e elucidação diagnóstica (artigo 12, inciso II, alínea d, da Lei nº 9.656/98), temos que a utilização do medicamento “Lucentis” não pode ser obstada.

Há previsão de cobertura no contrato para “clínica e cirurgia oftalmológica” (cláusula 5.1, fl. 19), e, no caso em análise, o medicamento é necessidade direta e imediatamente decorrente do diagnóstico da patologia, afigurando-se como instrumento essencial para o tratamento e cura do mal, sendo inviável do ponto de vista clínico e, também, jurídico, a fragmentação dos atos como independentes e não interligados, para, então, amparar a recusa na cobertura. Não se está a pedir o medicamento como simples rotina.

Há um vínculo direto de sua necessidade com o procedimento e seu sucesso e eficácia, com reflexo imediato na preservação da visão da requerente, que, sem o uso do “Lucentis”, certamente não remanesceria. Portanto, trata-se de instrumento imprescindível na tentativa de cura da autora, de modo que negar a sua aplicação implica, por via oblíqua, na negativa de cobertura ao tratamento da patologia oftalmológica que lhe acomete, o que não se pode, em hipótese alguma, admitir, sob pena, ainda, de violação aos princípios da dignidade humana, da proteção à integridade física e à vida.

A limitação contratual e legal visa impedir que o segurado, por conta de enfermidades outras, solicite exames ou tratamentos desnecessários, experimentais ou de efetividade duvidosa, o que certamente acarretaria sério desequilíbrio econômico-financeiro na gestão do contrato.

Aqui, diferentemente, depara-se com o direito da contratante de obter eficaz e menos dolorosa forma de tratamento à patologia que lhe acomete, com o retorno, na medida do possível, à vida e às suas atividades rotineiras, não podendo a ré se recusar à cobertura, sob a escusa de interpretação literal e descontextualizada do contrato. De mais a mais, não é lícito à administradora do plano de saúde estabelecer a modalidade a ser empregada na cura do mal que acomete a autora, o que se constitui em prerrogativa do médico, não tendo havido a produção de qualquer elemento de prova da suposta natureza experimental do tratamento.

Nesse sentido, confira-se:

“PLANO DE SAÚDE – Necessidade de realização de procedimento em radioterapia pela técnica conformacional – Alegação da seguradora de ausência de previsão de cobertura – Descabimento – Existência de previsão de cobertura de radioterapia no plano contratado – Recusa da requerida que não se mostra razoável – Indicação do tipo de tratamento que compete ao médico e não a seguradora (…)” (TJSP – 1ª Câmara de Direito Privado – Apelação Cível nº 3990864200 – Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy – j. 13/09/2007).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. PLANO DE SAÚDE. DIAGNÓSTICO DE "DEGENERAÇÃO MACULAR". NEGATIVA DE TRATAMENTO POR AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL E POR NÃO CONSTAR NO ROL DE PROCEDIMENTOS DE SAÚDE LISTADOS PELA ANS. COBERTURA OFTALMOLÓGICA. DISPOSIÇÃO GENÉRICA. APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ARTIGO 54, PARÁGRAFO QUARTO, DA LEI Nº 8.078/1990. INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR. CONSONÂNCIA COM O ARTIGO 47 DO CODECON. PROCEDIMENTOS ESTABELECIDOS PELA ANS EM PATAMAR MÍNIMO A SER CUMPRIDO. INTERPRETAÇÃO E EXECUÇÃO SEGUNDO OS DITAMES DA BOA-FÉ. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Havendo disposição genérica no contrato para a cobertura oftalmológica, entende-se que o procedimento requerido consiste em um desdobramento do tratamento principal, qual seja, o oftalmológico, que se encontra expressamente autorizado no contrato. Dessa forma, entender que a espécie está contida no gênero, além de interpretação lógica da questão controvertida, é imperativo a ser adotado em virtude da proteção ao consumidor. O rol de procedimentos listados pela ANS não estabelece um ápice para os procedimentos na área de saúde, mas, sim, um patamar mínimo, de sorte que, na ausência de cláusula de exclusão expressa, forçoso reconhecer a obrigatoriedade da contratada em custear o tratamento de que necessita o beneficiário do plano de saúde. (TJSC – 3ª Câmara de Direito Civil – Apelação nº 2009.066.699-1 – Rel. Des. Fernando Carioni – j. 02/02/2010)

Dispositivo.

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, confirmando a antecipação de tutela anteriormente concedida, para o fim de condenar a ré a reembolsar a autora de todas as despesas incorridas relativamente à aplicação do medicamento “Lucentis”, num total de R$ 4.695,00, a serem corrigidos monetariamente desde o ajuizamento e com juros de mora de 1% ao mês desde a citação. Condeno a requerida ainda e custear todas as despesas futuras advindas do uso do medicamento “Lucentis”, enquanto for prescrito por seu médico, sem limite, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00.

Em razão da sucumbência, condeno a requerida ao pagamento das custas e honorários advocatícios, que arbitro em R$ 2.000,00, nos termos do artigo 20, §4º, do Código de Processo Civil.

Publique-se, registre-se e intimem-se.
São Paulo, 08 de agosto de 2012.
DANIEL OVALLE DA SILVA SOUZA
Juiz de Direito
As custas de preparo importam em R$ 303,73 e o porte de remessa em R$ 25,00

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