Valor jurídico

O silêncio como manifestação de vontade

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6 de fevereiro de 2013, 16h19

Quem cala consente. Ou não seria bem assim? Há quem pense — e não são poucos — que o dito popular é aplicável em quaisquer situações pessoais do dia a dia, de forma a ser o silêncio de alguém tão comprometedor quanto um consentimento expresso. Talvez, o entendimento absoluto nesse sentido seja o suficiente para gerar efeitos em uma reunião comum de amigos ou familiares… mas não para o Direito!

Para o Direito privado, notadamente na seara dos negócios jurídicos, tanto o “sim” quanto a assinatura são considerados como manifestações expressas de anuência aos termos de um pacto, seja este definitivo ou não, fortificando os vínculos da relação jurídica entre as partes. Contudo, o silêncio de uma delas recebe tratamento diferenciado, devendo ser avaliado com extrema cautela antes de se afirmar sua juridicidade. Pelo fato de não se tratar de manifestação expressa de vontade, seus efeitos jurídicos estão restritos à obediência de costumes e circunstâncias inerentes ao caso concreto, bem como à lei em si considerada.

Por si só, o silêncio não passa de silêncio. É imprescindível, para que ele possua caráter de afirmação, anuência, pois, conforme ensinamento de Miguel Maria Serpa Lopes, “não se trata aqui do silêncio passivo, revérbero de sono, da morte ou da inexistência, mas sim do silêncio ativo”. Não se diga, entretanto, que o silêncio se confunde com uma declaração tácita, que corresponde à prática de atos outros que tenham o condão de confirmar a vontade do agente, enquanto o silêncio em si é uma situação de inércia de alguém.

O Código Civil faz menção expressa à questão em estudo, dispondo em seu artigo 111 que “o silêncio importa anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.

Tome-se como exemplo uma proposta para a celebração de determinado contrato que não receba resposta alguma do proposto. A anuência só se configurará se: (1) a lei não exigir, para a espécie contratual em questão, declaração expressa de vontade em concordância com os termos do negócio; e se (2) pelos usos e costumes inerentes ao lugar em que o pacto é feito, o silêncio for entendido como ato de concordância.

Quando não há veto da lei quanto à natureza da manifestação volitiva, o silêncio poderá gerar efeitos jurídicos, se existir autorização dos usos e circunstâncias do lugar em que é celebrado um negócio jurídico.

Às vezes, contudo, a própria lei estipula quando o silêncio é juridicamente válido, dispensando os subsídios oferecidos pelo direito costumeiro. É o caso do contrato de doação, sobre o qual dispõe o artigo 539 do Código Civil, no sentido de que “o doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo”. Neste caso, verifica-se também, além do mandamento legal expresso, a influência do tempo na questão, uma vez que se o donatário não se manifestar dentro do prazo estipulado pelo doador, ainda que no fundo não aceite o bem doado, concluir-se-á pela sua anuência.

A atribuição de valor jurídico ao silêncio em toda e qualquer hipótese geraria uma instabilidade no tocante à segurança jurídica na realização de um determinado negócio, de forma que “uma parte poderia aproveitar-se de outra, se tal fosse válido, pelo fato de o declaratório ser tímido” (Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil, p. 418). Ou seja, a admissão sem freios do silêncio como manifestação de vontade pode abrir margem a manobras maliciosas por uma das partes de um negócio jurídico.

Em síntese do exposto, o silêncio em regra é nada e não produz efeitos na ordem jurídica, mas em certas circunstâncias deve ser interpretado como anuência à uma declaração de vontade. Seja por questões impostas pelo costume local ou por prescrição da lei, o silêncio pode assumir papel de essencial relevância ao nascimento de um negócio jurídico.

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