Falta de segurança

Carf para atividades devido a ações populares

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5 de fevereiro de 2013, 13h08

Os julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, o Carf, do Ministério da Fazenda estão parados nesta terça-feira (5/2). O órgão, última instância administrativa para disputas com o fisco federal, é alvo de dezenas de ações populares ajuizadas por um ex-procurador federal da Advocacia-Geral da União contra a União e empresas que foram absolvidas no colegiado da Fazenda. Pede-se nas ações, inclusive, a citação pessoal de conselheiros do Carf. 

Nesta terça, os conselheiros se reuniram e decidiram suspender os julgamentos. "Houve a decisão de retirar os processos de pauta por causa da insegurança existente", explica o auditor fiscal e conselheiro do Carf Paulo Jakson. Ele conta que o receio é que, julgando novos casos, os conselheiros deem mais munição para novas ações. "Uma ação judicial é uma ação judicial, e a Procuradoria da Fazenda e a AGU têm que tomar parte", diz.

Jakson diz, no entanto, que a decisão de parar "não é definitiva". Uma reunião marcada para as 15h, com todos os conselheiros do Carf, decidirá ainda nesta terça o que vai ser feito.

Os conselheiros estão evitando falar sobre o assunto com a imprensa. Alguns afirmam, no entanto, que o clima é de tensão. Os julgadores esperavam que a Presidência do órgão tivesse uma postura mais rígida em relação às acusações. Do lado dos tributaristas que julgam no órgão, o receio é que as ações intimidem os conselheiros a votar contra os contribuintes.

A ConJur tentou contato com o presidente do Carf, Otacílio Cartaxo, mas não conseguiu até o fechamento desta reportagem. Também procurou o procurador da Fazenda Nacional Paulo Riscado, que defende o fisco nos processos administrativos, mas não teve retorno das ligações. 

Assédio processual
As ações, que até esta terça contam 59, dizem a mesma coisa: que a União foi omissa em seu papel de arrecadadora, pois empresas que deixaram de cumprir com suas obrigações tributárias foram absolvidas no Carf. 

Como autora das ações figura Fernanda Soratto Uliano Rangel. Como advogado, seu marido, Renato Chagas Rangel — que, segundo conselheiros em Brasília, é o verdadeiro autor e interessado. Ele era procurador da Fazenda Nacional e foi demitido por improbidade administrativa. Ele foi considerado culpado em dois processos por improbidade.

Entre as 59 ações, figuram empresas como Petrobras, Bradesco, Itaú, Light, Gerdau, Usiminas, Positivo Informática, Telemar, Marcopolo e outras dezenas. Em litisconsórcio, sempre a União.

No caso da ação contra a Petrobras, por exemplo, Rangel afirma que a petroleira, por erro interno, recolheu Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) a menos. Detectou a falha e, antes do início do processo fiscal, pagou a diferença atualizada e fez uma denúncia espontânea. Entretanto, a empresa foi autuada por não ter pago juros de mora. Foi absolvida no Carf.

Já outro exemplo, de ação contra a Marcopolo, fabricante de carrocerias para ônibus e caminhões, o ex-procurador afirma que o Carf confirmou a anulação de todos os lançamentos tributários da empresa. Para Rangel, a anulação "merece cuidadosa revisão pelo Poder Judiciário diante dos duvidosos fundamentos do acórdão administrativo em anexo".

No caso das demais empresas, a história é semelhante — ou recolheram a menos, ou deixaram de pagar juros de mora no caso de recolhimento atrasado. Todas foram absolvidas. Por isso, as ações populares, ajuizadas na Justiça Federal do Distrito Federal, acusam a Fazenda Nacional e, consequentemente, o órgão administrativo, de ilegalidade e improbidade administrativa pelas absolvições. E pede a reforma das decisões.

A advogada tributarista Mary Elbe Queiroz, que milita no Carf, diz que a Rangel está cometendo um "assédio processual". "É um abuso do direito de ação e um assédio contra o Carf que pode esvaziar o órgão", diz.

Ela afirma que as ações ajuizadas por Renato Rangel "atingem diretamente a imagem do órgão". Segundo a advogada, os conselheiros pararam porque "estão sem garantias".

Demissão
A primeira demissão de Rangel aconteceu em 2008. Por meio da Portaria 1.270, do dia 5 de setembro daquele ano, o então advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli — hoje ministro do Supremo Tribunal Federal —, demitiu o procurador "por valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, e por improbidade administrativa".

Já a segunda decisão contrária foi em 2010, quando ele já não atuava como procurador. O advogado-geral da União já era Luís Inácio Adams, atual chefe. Na Portaria 67, do dia 12 de janeiro de 2010, Adams determina a demissão de Rangel "pela prática de atos de improbidade administrativa e por valer-se do cargo para lograr proveito pessoal, em detrimento da dignidade da função pública, com a restrição de retorno ao serviço federal".

A condenação administrativa foi devido à "execução e saque de honorários advocatícios de sucumbência em nome próprio, nas causas vencidas pela Fazenda Nacional". Ele tentou reverter a demissão na Justiça, por meio de Mandado de Segurança. Mas o pedido foi negado pelo Superior Tribunal de Justiça.

De acordo com decisão de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura e informações prestadas pela União, Rangel jamais negou ter se apropriado de honorários de sucumbência em causas ganhas pela União. Ele só contestou a proporcionalidade das penas. "A conduta de apropriar-se (apoderar-se) de dinheiro público (patrimônio público), afronta, em princípio, além dos dispositivos acima, a proibição de valer-se do cargo para lograr proveito pessoal, em detrimento da dignidade da função pública, bem como a probidade administrativa", afirmou a relatora.

Ação penal
De acordo com as acusações administrativas que resultaram nas demissões, Renato Rangel e sua mulher, Fernanda Rangel, respondem a ação penal. Ele tentou barrar as investigações no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por meio do Habeas Corpus 0002022-62.2012.404.0000/SC. Também foi negado.

Ele afirmou que não havia motivos para investigação penal, pois as condutas que levaram à sua demissão não constituem ilícito penal, ou seja, "são atípicas". Mas o Ministério Público Federal afirma que Rangel e sua mulher transferiram, para empresas em seus nomes, ações da Carbonífera Treviso, além de imóveis da mesma companhia.

De acordo com o MPF, a empresa, que era sediada em Criciúma (SC) com dívidas de R$ 16,1 milhões em contribuições previdenciárias e dívidas tributárias, mudou sua constituição, sua razão social para Dubaiflex e sua sede para o Rio de Janeiro. Justamente nessa época, Renato Rangel transferiu-se, ainda como procurador da Fazenda Federal, de Criciúma para o Rio de Janeiro, segundo o MPF.

No entendimento do TRF-4, em decisão relatada pelo juiz federal Luiz Carlos Canalli, convocado ao tribunal, não havia motivos para o trancamento da investigação. "O trancamento antecipado de investigação deve ser reservado para hipóteses excepcionais, quando inequívoca a atipicidade, ou extinção da punibilidade. Na dúvida, o feito deve prosseguir. Com efeito, o impetrante pretende deslocar para o Habeas Corpus a discussão que será travada, oportunamente, na via ordinária", afirmou. A ConJur tentou contato com o ex-procurador, mas ele não retornou ao recado deixado na caixa postal de seu celular.

*Notícia atualizada às 17h53 da terça-feira (5/2) para acréscimo de informações.

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