Ética e justiça

Nova interpretação cancela súmula 491 do STJ

Autor

  • Arthur Corrêa da Silva Neto

    é Defensor Público do Estado do Pará. É também Pós-Graduado em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (FDDJ). Autor do Livro “Execução Penal - Novos Rumos Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem rev. Ampl. Manaus: Aufiero 2012”.

4 de fevereiro de 2013, 17h15

O princípio da razoável duração do processo em verdade é corolário da cláusula do devido processo legal, assim mesmo antes de ser positivado em nosso ordenamento jurídico por meio da Emenda Constitucional 45/2004, quando se acresceu o inciso LXXVIII, no artigo 5°, do texto constitucional, implicitamente já consistia em mandamento a ser seguido pelas autoridades constituídas brasileiras responsáveis pelo tramite de processos administrativos e judiciais.

Com a positivação, o aludido princípio passa tão somente a ser mais facilmente visualizado, contudo repisa-se já se poderia entender a razoável duração do processo um consectário do devido processo legal, pois um processo devido é aquele que garante a ampla defesa, o contraditório, possui um juiz imparcial, é adequado a proteção do direito material que visa resolver, mas que igualmente possui uma duração razoável.

Já dizia Rui Barbosa “Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta” [1] é dizer a demora na resolução do processo significa a potencialização de um dano.

Vale ressaltar, que não se está apregoando o deszelo ou subversão do procedimento previsto na lei, mas o que se pugna é que este aconteça no seu tempo devido. Todavia se isto não for possível pelo menos que não se transfira as dificuldades que o Estado tem na entrega da prestação jurisdicional para os seus cidadãos que nada contribuíram para a ocorrência.

Nos primórdios o homem se utilizava da autotutela, mas em dado momento da história cria-se uma ficção chamada Estado que passa a chamar para si a resolução das lides, nesse passo igualmente cria-se o processo que se constitui no meio pelo qual o Estado resolve as demandas que lhe são propostas garantindo a igualdade entre os demandantes.

Assim, vê-se, que o processo deve ser a solução, não o obstáculo.

No âmbito do processo penal de conhecimento se construiu o instituto do relaxamento da prisão com a imediata soltura do acusado naquelas situações em que há delonga na conclusão do processo estando o réu preso. Nestes casos entende-se haver constrangimento ilegal por excesso de prazo na formação da culpa, sendo cediço nessas ocorrências que se o acusado não concorreu para tanto, deve-se lhe conceder o direito de responder o processo em liberdade [2].

Na Execução Penal a necessidade de construção de um entendimento similar que permita ao menos que se considere a data-base para nova progressão — aqueles que progridem do regime fechado para o semiaberto — a data em que o apenado faria jus, nos parece ser medida da mais lídima justiça, mesmo porque nesta seara em face de haver diversos órgãos estatais com a incumbência de viabilizar a entrega do direito ao apenado, a questão em tela se dimensiona a alcançar matizes de violação de direitos.

Na seara execucional o Estado-Juiz não é inerte, pelo contrário consoante os termos do artigo 195 da Lei de Execução Penal (LEP), vislumbra-se um dever desta autoridade de implementar o direito do recluso de ofício.

Desse modo, ressoa incongruente aquele mesmo Estado-Juiz que poderia conferir o direito ao preso no tempo devido, manifestar-se, tempos depois aduzindo que como não deu um direito do cidadão que era obrigação sua conceder e que agora por que passou o tempo o cidadão terá que aguardar mais um pouco em situação mais gravosa para só então gozá-lo.

Diga-se de igual modo ao órgão ministerial que no Direito de Execução Penal para além de fiscal da lei, conforme, depreende-se dos artigos 68, II, “a” a “e” combinado com 195 da LEP, tem a função no plano judicial de atuar executando os pedidos.

A Defensoria Pública erigida a Órgão de Execução Penal pela Lei 12.313/2010, com fulcro no artigo 81-A e 81-B, da LEP por excelência tem a incumbência de formulação de pedidos em favor dos apenados, assim se insere também nesse contexto.

Além desses órgãos há outros que podem iniciar o processo judicial na Execução Penal, mas por estes que são as instituições de maior envergadura que atuam nesse setor já se demonstra a dificuldade em se sustentar a tese que considera que a data-base para o novo pleito de progressão de regime — para aqueles que progridem do regime fechado para o semiaberto — seria a data em que se efetivamente concedeu o direito.

Esta segunda corrente entende que é necessário o apenado vivenciar como previsto no artigo 112, da LEP 1/6 — se crime hediondo conforme artigo 2°, parágrafo 2o, da Lei 8.072/90, 2/5 da pena, se o apenado for primário, e de 3/5, se reincidente — no regime intermediário a partir da data da decisão que lhe progrediu independentemente de ser devido a progressão para o regime semiaberto desde data pretérita, mas que não aconteceu porque não houve pedido ou concessão de ofício pelo Juízo da Execução.

Nessa linha de raciocínio, inclusive foi editada a súmula 491 do Superior Tribunal de Justiça, que trata do não cabimento da progressão per saltum.

Não obstante, o entendimento pacificado no STJ a gerar edição de súmula, pela análise dos julgados que fundamentaram o verbete sumular [3], verifica-se que a compreensão sumulada por aquela corte se deu apenas a luz da interpretação do artigo 112 da LEP, quando uma compreensão mais ampla do tema enseja a análise em conjunto com os artigos 66, 68, II, “a” a “e”, 81-A, 81-B, 195 e 196 da LEP.

Nesse passo, mesmo o STJ já tendo emitido súmula tocando ao tema, entende-se que a questão em tela pode ser revisitada sob o prisma da análise sistemática dos dispositivos da Lei de Execução Penal.

Ademais, em face do que previsto no artigo 5°, LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, vislumbra-se igualmente ser o tema da análise do Pretório Excelso que poderá lançar interpretação do dispositivo constitucional mencionado a luz da sua aplicação no Direito de Execução Penal [4].

Portanto, sob todas as óticas não se trata de tema com interpretações fechadas, mas ao contrário sob o olhar que aqui se pontuou pende a temática de análise.

Ponderando pela topografia em que se insere o preceito constitucional supramencionado, pugna-se por uma interpretação em favor do nacional brasileiro que venha a cumprir pena, pois interpretação diversa, ou seja, se utilizando a duração razoável do processo em desfavor do apenado contraria a lógica da interpretação constitucional.

Cabe-nos ainda salientar, que não nos seduz o argumento de que é mister a passagem do apenado pelo regime intermediário em face da lógica do sistema progressivo que foi pensado visando que a pessoa que cometesse um delito pudesse retornar para sociedade após a passagem por estágios anteriores de mais rigor até que se chegasse no aberto e assim voltasse ao convívio em comunidade.

Diz-se isto, pois é cediço a realidade caótica do sistema penitenciário nacional que se sabe não ressocializa ninguém.

Aqueles que não reincidem é por esforço próprio, auto-consciência, haja vista que em todas as unidades da Federação sequer se disponibiliza trabalho ou estudo para quem queira, isso para ficar no mínimo, pois as questões de salubridade, superlotação, nos parece já vem sendo tida como normais.

Ademais, em diversos casos em que se aplica a tese impeditiva de progressão pela data devida ou mesmo o que previsto no verbete sumular, o apenado acaba por auferir o direito de Livramento Condicional primeiro que a progressão, assim alcança a liberdade de qualquer modo sem passar pelo regime intermediária.

Noutro norte, corroborando a compreensão aqui sustentada de não se transferir as mazelas estatais a pessoa do cidadão brasileiro na obra “Execução Penal: Novos Rumos, Novos Paradigmas” escrita em conjunto com José Adaumir Arruda da Silva, assinalei:

importa ainda destacar que o Supremo Tribunal Federal vem fazendo uma leitura da Constituição Federal que efetiva os direitos fundamentais do preso nos limites da condição em que se encontra.

Nesse sentido observa-se a consolidada jurisprudência daquela corte em garantir o direito de audiência do preso mesmo estando este em outro estado da Federação, senão vejamos:

A garantia constitucional da plenitude de defesa: uma das projeções concretizadoras da claúsula do due process of law. caráter global e abrangente da função defensiva: defesa técnica e autodefesa (direito de audiência e direito de presença). pacto internacional sobre direitos civis e políticos/onu (artigo 14, n. 3, “d”) e convenção americana de direitos humanos /oea (artigo 8º, parágrafo 2º, “d” e “f”). dever do estado assegurar, ao réu preso, o exercício dessa prerrogativa essencial, especialmente a de comparecer à audiência de inquirição das testemunhas, ainda mais quando arroladas pelo ministério público. razões de conveniência administrativa ou governamental não podem legitimar o desrespeito nem comprometer a eficacia e a observância dessa franquia constitucional. doutrina. precedentes. medida cautelar. deferida.(Informativo 494/2008, Transcrições. HC 93503 MC/SP. Relator Min. Celso de Mello).

Dessa forma, se é garantido ao preso o direito a ampla defesa em sua plenitude fundamentando-se as decisões da Suprema Corte em que o preso não pode pagar pela ineficiência do Estado, com mais razão não há como se negar aquele o direito a integridade física e a saúde, bens sem os quais os demais não persistem. (Silva, Arthur Corrêa da; Silva, José Adaumir Arruda da. Execução Penal: Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev . Manaus: Aufiero, 2012, p. 124-125).

No contexto consignado acima, a referência era atinente à ponderação do mínimo existencial versus a reserva do possível na análise das questões alusivas a integridade física e da saúde do preso, mas perfeitamente se enquadra a situação sob exame, pois o Estado acaba por transferir suas mazelas à pessoa do preso na medida em que ao não entregar o direito do apenado no tempo devido e após protelar essa entrega com base em fundamento demagógico lhe impede de acessar direitos que lhes é constitucional e legalmente previsto.

Pode-se engendrar este entendimento jurisprudencial como mais um daqueles alocados na seletividade do sistema penal [5], tendo em vista que o apenado mais abastardo nunca encontrará a situação sob análise, porque terá advogado para pedir o seu direito no tempo devido, enquanto que o mais desfavorecido economicamente dependente do sistema, ou seja, do Estado-Poder Judiciário, Estado-Defensoria Pública e Estado-Ministério Público, que não possui membros suficientes a darem vazão a demanda que lhes são colocadas, portanto sempre sentiram o imposto na súmula.

Neste diapasão sob todos os enfoques o entendimento do STJ não encontra amparo no estágio atual do direito, o qual percebesse caminhar ao encontro dos postulados da ética e da justiça.

Assim, consoante às premissas do neoconstitucionalismo [6] sob os influxos de seu marco teórico [7] concernente a nova interpretação constitucional [8], a supracitada súmula 491, do STJ merece ser cancelada, bem assim ser afastado o entendimento contrário ao que converge no sentido de a data-base para a nova progressão para o aberto ser a data devida de progressão do regime fechado para o semiaberto, pois como se demonstrou este raciocínio é o que melhor se coaduna com a interpretação sistemática da Lei de Execução Penal e no mesmo passo é a forma de pensar que confere força normativa a Constituição [9], a qual apregoa terem os processo judiciais duração razoável.

[1] Oração dos Moços, p. 39. Disponível em: <http://www.casaruibarbosa.gov.br/interna.php?ID_S=105> arquivo em pdf. Acesso em 23.01.2013.

[2] Interpretação a contrário senso do julgado: HC 220.218-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 16/2/2012 – Informativo STJ n. 491, referente ao período de 13 a 24 de fevereiro de 2012.

[3] HC 191223 SP 2010/0215946-7; HC 173668 SP 2010/0093168-2; HC 175477 SP 2010/0103645-4, entre outros.

[4] Sobre a aplicação do princípio da razoável duração do processo no âmbito do Direito de Execução Penal conferir: Silva, Arthur Corrêa da; Silva, José Adaumir Arruda da. Execução Penal: Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Manaus: Aufiero, 2012, p. 135-137.

[5] Streck, Lênio Luiz. Como assim "prisão é só para quem precisa"?. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-nov-08/senso-incomum-assim-prisao-quem>.

[6] Sobre o tema, conferir Neoconstitucionalismo – A invasão da Constituição, de Eduardo Ribeiro Moreira, in Coleção prof. Gilmar Mendes, vol. 7, ed. Método.

[7] Barroso, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil), Disponível em: http://www.google.com.br/#hl=pt-BR&tbo=d&sclient=psy-ab&q=luis+roberto+barroso+interpreta%C3%A7%C3%A3o+constitucional&oq=luis+roberto+barroso+interpreta%C3%A7%C3%A3o+constitucional&gs_l=serp.3…928370.933641.1.934645.25.18.0.0.0.8.1317.6375.4-1j3j3j1.8.0…0.0…1c.1.CUC3uweVKso&pbx=1&bav=on.2,or.r_gc.r_pw.r_qf.&fp=d0bc106587d4813a&biw=1280&bih=682. Acesso em 23.01.2013.

[8] Barroso, Luis Roberto. In: Novelino, Marcelo (org). Leituras Complementares de Direito Constitucional: Teoria da Constituição “Novos paradigmas e categorias da interpretação constitucional”. Salvador: JusPODIVM, 2009.

[9] Hesse, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991.

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    é Defensor Público do Estado do Pará. É também Pós-Graduado em Direito Público e Privado pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus (FDDJ). Autor do Livro “Execução Penal - Novos Rumos, Novos Paradigmas. 1ª ed. 2ª tiragem, rev. Ampl. Manaus: Aufiero, 2012”.

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