Retrospectiva 2013

Ano foi de poucos avanços no âmbito do Direito Eleitoral

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31 de dezembro de 2013, 8h35

Spacca
“Consulte não a seus medos, mas a suas esperanças e sonhos. Pense não sobre suas frustrações, mas sobre seu potencial não usado. Preocupe-se não com o que você tentou e falhou, mas com aquilo que ainda é possível a você fazer.” — Papa João XXIII

Em junho, milhões de brasileiros foram para as ruas. Imagens de multidões vibrantes em diversas cidades do Brasil foram mostradas. Uma foto de cidadãos sobre a laje do Congresso Nacional é especialmente marcante desse momento cívico catártico. Cartazes criativos foram elementos irreverentes das jornadas. “Black blocks” serão lembrados com tristeza. Mas quando procuramos identificar o efeito de tanta gente nas ruas, ou nós inventamos uma versão romântica dos fatos, ou veremos, com dolorosa sensação, que foram alcançados resultados limitados, tais como a redução, em vinte centavos, da tarifa de ônibus em São Paulo…

O âmbito jurídico-eleitoral é exemplar desse fracasso. De início, a Presidência da República, reagindo às ruas, cogitou realizar a reforma política por meio de uma constituinte “limitada”, “exclusiva”, mas a ideia foi considerada juridicamente inviável. Para superar esse impasse técnico, a Ordem dos Advogados do Brasil sugeriu um plebiscito para discutir as teses inertes no Parlamento diretamente com a sociedade. No entanto, para além da questionável viabilidade jurídica da proposta, a Justiça Eleitoral esclareceu que essa consulta popular não teria como ser feita antes de outubro e em condições de seus resultados valerem para as eleições de 2014, além de haver dificuldades em fazer perguntas múltiplas, de respostas complexas. Ademais, o Congresso Nacional não chegou a um consenso sobre os quesitos a serem feitos. A reforma política — seja lá o que se entenda por ela — não ocorreu.

Apesar disso, o voto secreto dos parlamentares nas deliberações de veto presidencial e julgamento de pares foi extinto — Emenda Constitucional 76. Fora essa inovação, que não tem índole eleitoral, nada mais relevante entrou na Constituição Federal sobre tema político em 2013.

Houve algumas intervenções normativas dignas de nota. Primeiro, adveio uma modificação legislativa voltada a dificultar que novos partidos fossem criados, a Lei 12.875/2013. Com isso, ao arrebatarem deputados federais para as suas fileiras, os partidos novos não mais levarão para si o direito de acesso aos recursos financeiros do fundo partidário (que é calculado sobre os votos dados a esses parlamentares quando foram eleitos por outras agremiações, no pleito antecedente ao da criação de novas siglas).

Essa lei também mudou o critério de cálculo do tempo destinado à propaganda eleitoral. Dois terços dele serão divididos pelo número de deputados federais do partido ou coligação. O tempo remanescente será partilhado à razão de um terço igualitariamente, entre todas as siglas, e dois terços levando em consideração os votos recebidos pelo partido ou conjunto de partidos coligados na última eleição para a Câmara dos Deputados.

A Lei 12.875/2013 ajuda a colocar certa ordem na bagunça que havia desde que se determinou, por obra jurisprudencial, que quem mudasse de partido perdesse o mandato, salvo, dentre outras hipóteses, se fundasse uma nova agremiação. A exceção passou a ser caminho legítimo para um contorno à proibição, mas acabou por estimular novos partidos sem consistência programática. Doravante, partidos novos terão de ser construídos desde a base, não aproveitando votos dados a outras legendas para justificar receitas do Fundo Partidário.

Essa ideia, contudo, tinha uma origem menos abstrata: ela impedia que a ex-senadora Marina Silva fundasse o partido dela e levasse para essa agremiação nomes relevantes, montando uma estrutura capaz de competir com boas chances nas eleições gerais de 2014. Por isso, parlamentares simpáticos a essa liderança buscaram no Supremo Tribunal Federal impedir, pela via mandamental preventiva, a tramitação do projeto de lei (MS 32.033). Conseguiram uma liminar para tanto, mas a medida foi derrubada no Plenário da Suprema Corte. Enquanto a decisão vigorou, no entanto, duas coisas aconteceram: um interessante debate jurídico constitucional sobre a possibilidade de o Judiciário intervir no processo legislativo em tramitação; e novos partidos foram criados. O debate foi encerrado com o STF entendendo que a intervenção judicial na atividade congressual legiferante só deveria ocorrer em casos extremos e dois novos partidos foram criados em tempo de participar das eleições do ano seguinte: o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) e o Solidariedade (SDD). Ambos conseguiram nascer antes da publicação da lei, e, com isso, estão a salvo de sua incidência.

Houve um problema com a coleta de assinaturas de apoio ao partido de Marina Silva, que não alcançaram o número suficiente de apoios. Por isso, a Rede Sustentabilidade não preencheu um dos requisitos legais e não pôde ser criada, sendo seu registro indeferido pelo Tribunal Superior Eleitoral (RPP 59.454). Em vista disso, a ex-senadora filiou-se ao Partido Socialista Brasileiro, poucos dias depois do julgamento do TSE.

As discussões de mudança legislativa não ficaram restritas a esse tópico e culminaram com a “minirreforma eleitoral” (Lei 12.891/13). Essa minirreforma: 1) modificou a responsabilidade quanto a multas decorrentes do processo eleitoral, extinguindo a solidariedade entre partidos e candidatos diversos daqueles que praticaram a infração, ainda que coligados; 2) mudou as hipóteses de cabimento do recurso contra a expedição de diploma, limitando-o aos debates sobre inelegibilidades e falta de condições de elegibilidade; 3) afirmou a autonomia dos partidos, candidatos e coligações para fixar o cronograma de suas respectivas campanhas; 4) fixou o foro do Distrito Federal para as demandas que envolvam os órgãos partidários nacionais; 5) explicitou a filiação a um partido novo como causa automática de desfiliação e afastou a possibilidade de dupla filiação nula, privilegiando a mais recente; 6) esclareceu que na análise de prestações de contas, a Justiça Eleitoral não pode invadir o mérito das despesas partidárias; 7) apontou que os partidos não estão sujeitos ao regime da Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública; 8) autorizou as fundações partidárias a transferir as suas sobras anuais de recursos para outras atividades partidárias; 9) permitiu que as inserções de propaganda eleitoral por rádio pudessem ser encaminhadas por via eletrônica e não apenas por entrega na emissora; 10) vedou que inserções repetidas pudessem ser apresentadas no mesmo bloco comercial, salvo impossibilidade prática; 11) mudou o período de convenções para 12 a 30 de junho e obrigou a publicação da ata de convenção em 24 horas após a sua realização; 12) permitiu o parcelamento das multas eleitorais em até 60 vezes e limitou as parcelas a 10% da renda do parcelante; 13) dispensou os partidos, candidatos e coligações de apresentarem à Justiça Eleitoral documentos que já são do conhecimento desta; 14) proibiu a substituição de candidatos a menos de 20 dias das eleições, salvo em caso de falecimento; 15) esclareceu que o direito de fazer campanha alcança o candidato com registro ainda não apreciado; 16) obrigou os bancos a especificarem nos extratos das contas correntes de campanha o CPF ou o CNPJ do doador; 17) obrigou a emissão de recibos eleitorais para as doações estimáveis em dinheiro, mas excluiu dessa necessidade as decorrentes de cessão de bens móveis de valor inferior a R$ 4.000,00 e as que decorrerem de despesas em comum dos comitês de campanha, relacionadas a propaganda e sedes; 18) limitou o material impresso de propaganda a adesivos de 50 x 40 cm; 19) fixou o teto de despesas de campanha com alimentação de colaboradores em 10% e com locação de automóveis em 20% dos gastos; 20) ordenou a apresentação por partidos, candidatos e coligações de relatório com indicação de nomes de doadores e valores de doação em 8 de agosto e 8 de setembro do ano eleitoral; 21) autorizou a devolução de sobras de campanhas aos diretórios dos partidos; 22) obrigou as prestações de contas a apresentarem as notas fiscais das pesquisas contratadas; 23) vedou a realização de enquetes no período eleitoral; 24) diminuiu as situações de propaganda eleitoral antecipada e ampliou a possibilidade de cobertura das campanhas eleitorais, referindo as redes sociais como espaços de sua realização, autorizando que opiniões políticas fossem apresentadas nelas; 25) proibiu a divulgação de prévias eleitorais ao vivo pelos meios de comunicação, inclusive a internet; 26) considerou propaganda irregular a convocação de rede de rádio e televisão para finalidades consideradas eleitorais; 27) permitiu expressamente a colocação de mesas móveis em vias públicas para servirem de base à distribuição de materiais de campanha; 28) proibiu adesivos em veículos maiores de 50 x 40cm, salvo os do para-brisa traseiro, que podem ser do tamanho deste; 29) permitiu a prorrogação do comício de campanha até as 2 horas da manhã do dia seguinte ao de seu início; 30) proibiu outdoors eletrônicos; 31) autorizou carros de som e “mini-trios” nas campanhas; 32) permitiu que as mídias de propaganda fossem apresentadas nas emissoras seis horas antes da exibição, em caso de programas eleitorais, e 12 horas antes, nos casos de inserções; 33) liberou a propaganda cruzada nos programas eleitorais, autorizando a menção do nome e do número do candidato a outro cargo; 34) passou para o final do programa diário o período de punição geradora de perda do tempo de rádio e televisão; 35) autorizou a Justiça Eleitoral a ordenar a retirada de propaganda ofensiva ou irregular dos meios de comunicação, inclusive da internet; 36) criminalizou a contratação de pessoas para promover ofensas na internet; 37) determinou que, caso as decisões eleitorais em pedidos de direito de resposta não fossem proferidas em 72 horas, a Justiça Eleitoral alocasse juiz auxiliar para tanto; 38) limitou a dois fiscais o acompanhamento dos trabalhos de votação por partido ou coligação; 39) fixou um teto numérico para a contratação de cabos eleitorais, variável conforme a circunscrição da eleição.

É, como se nota, uma lei de filigranas, sem intervenções substanciais na ordem jurídica. Algumas regras, como a proibição de mudanças de candidaturas em cima da hora e a que resolve o problema da dupla filiação são boas medidas. Muito pouco, porém. A maior parte das alterações ou seria dispensável, ou decorreria de simples bom senso, cabendo nas instruções da Justiça Eleitoral.

A Justiça Eleitoral, por sinal, trabalhou bastante, julgando milhares de causas das eleições municipais de 2012, definindo, em especial, precedentes de interpretação sobre as situações da Lei da Ficha Limpa. Quase todas as pautas de julgamento do TSE e dos TREs foram tomadas por esse assunto em 2013.

De relevante fora desse tema, o TSE editou a Resolução 95.457, por meio da qual alterou o número de deputados federais por Estado, e, por tabela, o de deputados estaduais e distritais. Mas o Congresso Nacional suspendeu a eficácia de dito ato por extrapolar as competências judiciais (DL 424/13).

Além disso, em um julgamento importante, o TSE mudou seu entendimento quanto ao cabimento do recurso contra a expedição de diplomas, limitando-o aos casos de inelegibilidade, determinando que fossem processados como ações de impugnação de mandato eletivo os que versassem hipótese diversa (RCED 884/PI).

No STF, nada de muito relevante foi decidido na área político-eleitoral. Além do MS 32.033, já mencionado, a Suprema Corte iniciou o julgamento da ADI 4.650, que pretende a declaração de inconstitucionalidade de disposições que permitem a doação por pessoas jurídicas a partidos e candidatos. Quatro votos foram colhidos até o final do ano e todos eles apontaram que essa legislação era inconstitucional.

Além desse julgamento, merece menção o acórdão por meio do qual o STF manteve a declaração de inconstitucionalidade das regras que determinaram a lavratura de voto por meio impresso, mesmo na urna eletrônica, mácula que já havia sido reconhecida em caráter liminar (ADI 4.543).

O Supremo também reconheceu que o Ministério Público pode recorrer das decisões eleitorais em sede de registro de candidaturas, mesmo nos processos em que atue como fiscal da lei. Essa deliberação, porém, por razões de segurança jurídica, teve seus efeitos modulados, indicados como aplicáveis aos pleitos futuros, preservando-se as decisões proferidas no sentido oposto, que é chancelado pelo TSE (ARE 728188). O STF também deixou assentado que o Ministério Público tem legitimidade para apresentar representação por propaganda irregular (ADI 4617).

Esse foi o 2013 do Direito Eleitoral. Um exercício que pode ter seus resultados avaliados em vinte centavos. Mas que precede a um ano de eleições, no qual todas as esperanças são renovadas.

*Texto alterado às 12h33 do dia 3 de janeiro de 2014 para correção de informações.

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