Sanha de prisão

Apostamos nossas fichas na guerra contra a clandestinidade

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30 de dezembro de 2013, 13h53

Caros colegas da comunidade jurídica, a coisa vai mal pro nosso lado. Não sei ao certo se é porque somos muitos, e, portanto, desorganizados, ou se somos sádicos mesmo. No momento, isso não importa.

Indispensável é discutirmos para onde vamos. Dados do 7º Anuário da Segurança Pública apontam que fechamos a conta em 2012 com 515 mil presos, aproximadamente 215 mil a mais do que a lotação dos presídios. São Paulo é dono de 37% dessa fatia macabra.

Digo que fechamos a conta, pois são em nossas mãos que correm os processos, habeas corpus — cambaleante após um duro golpe desferido pelo "novo" entendimento do Supremo —, as apelações… Nosso jargão virou tão comum que o advogado com uma semana de experiência sabe que vai ouvir sobre o valor da palavra do policial, da confissão na polícia, que "o silêncio não prejudica, mas também não beneficia", entre outros. Nada muda; tudo engessado.

Se algo muda, muda para pior. Foi da mente do ministro Peluso que saiu a PEC Peluso, a qual busca impor um ritmo célere ao processo, mas que, pelo menos no processo criminal, pode e terá consequências nefastas, inclusive, por ter sido emendada — para pior. Pularemos dos 515 de 2012 para o infinito.

Curiosamente (ou não), em contrapartida ao fundamentalismo carcerário, durante o Estado de Direito, massacres históricos têm passado em branco no país. No Carandiru, só o peão do xadrez foi preso, enquanto o resto do tabuleiro sequer foi julgado — meu pai costumava dizer quando fazia o júri que a impunidade não era, necessariamente, absolver, mas não julgar. Mais recente, vimos a escabrosa desocupação de Pinheirinho para uma massa falida — decisão chancelada pelo Judiciário, Ministério Público e OAB.

Preocupante a caminhada. Se hoje o número de presos é muito maior, por outro lado não vemos nenhuma evolução na aplicação da prisão como medida excepcional. Pelo contrário, ainda achamos a prisão a melhor das nossas soluções, mesmo que a história canse de nos mostrar o erro. Somos tão adeptos da prisão que nossa maior autoridade — o presidente do Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição — fez o possível e o impossível para acelerar o cárcere de um processo do qual pendia recurso, a tal ponto que o juiz da execução foi trocado.

Em nossa defesa, nosso país aposta desde sempre na repressão como solução dos nossos problemas. Não sei ao certo quem levou ao quê: se fomos nós, sempre respondendo com a prisão (a saída mais fácil), que não damos a menor chance ao debate de legalização, ou se vamos na onda do governo. Ficamos de "mãos atadas" (entre aspas mesmo, pois lavamos as mãos). Aborto? Crime. Drogas? Muito crime. Quantos dos presos são pequenos traficantes, que deram azar de nascer no país errado? Apostamos nossas fichas na guerra interminável contra a clandestinidade, sempre com o pensamento que criminalizar é preciso. Hiperlotamos a troco de nada.

A truculência, o ódio estratificado, o escândalo das prisões brasileiras, tudo justificado por nós, operadores do direito, na aplicação das leis. Questiono, senhoras e senhores, quando nossa sanha de prisão estará satisfeita? 580 mil? 700 mil? 1 milhão? Até sermos o país que mais prende? Até que não exista bandidos na rua? Esse é o nosso nível de pensamento?

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