Livro Aberto

Os livros da vida do criminalista Rodrigo de Oliveira Ribeiro

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28 de dezembro de 2013, 8h30

*Depoimento concedido a Marcelo Pinto

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Foram muitos os livros que marcaram minha trajetória pessoal e profissional. Cada livro lido é como se fosse um novo programa instalado em seu disco rígido, fornecendo novas ferramentas para decifrar o mundo e vê-lo sob os mais diversos matizes. É difícil enumerar os livros mais importantes. Um advogado precisa ler livros de diversas áreas do conhecimento porque o Direito é uma ciência com uma gama muito ampla de interdisciplinaridade.

Desde criança vivi cercado de livros e já cedo gostava de escrever histórias, sonetos e versos. Mais adiante, entrei em contato com autores como Jean-Paul Sartre e a trilogia Caminhos da Liberdade; e Albert Camus, de O Estrangeiro. O atualíssimo 1984, de George Orwell, também foi um livro marcante. Neste período li O Processo de Franz Kafka, vindo posteriormente a ler diversos outros livros e contos do escritor tcheco. Li obras sobre sociedades utópicas, como a descrita em A Utopia, de Thomas Morus; A Cidade do Sol, de Tommaso Campanella; e A República, de Platão, na qual definia o que era ser justo: cumprir sua função social. Curioso que nos primeiros paradigmas de perfeição persistam graves problemas como a escravidão e a pena de morte (o que nos leva a concluir que precisamos de uma nova utopia). Deleitei-me também com as aventuras do Cavaleiro da Triste Figura, Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, leitura quase que obrigatória a qualquer causídico. 

Também me marcou muito o livro do matemático Malba Tahan, O homem que calculava, pelas diversas situações interessantes pelas quais demonstra como até na matemática nem sempre as respostas são exatas — como quando se depara com um condenado à prisão perpétua que teve, posteriormente, sua pena reduzida à metade, precisando assim calcular a metade do tempo do resto de sua vida.

Estudando a língua inglesa entrei em contato com o trabalho de William Shakespeare. Minha professora sempre dizia que todo advogado que se preze precisa conhecer bem Shakespeare. Estava certa. O bardo inglês trabalha as emoções humanas em seus extremos, com peças curtas e intensidade sem par. Destaco, entre as mais conhecidas, A Tempestade

Biografias
No terreno das biografias, me impressionou muito a escrita por Fernando Moraes, Chatô ― O Rei do Brasil. Conhecemos um dos mais talentosos e polêmicos empreendedores da história do país, o advogado, jornalista e homem político Assis Chateaubriand, criador do império dos Diários Associados cuja história se confunde com a própria história do Brasil. Logo após ler este livro, li Manufacturing Consent, de Noam Chomsky e Edward Herman, que disseca o que denomina de política econômica da mídia de massa.

A Autobiografia de Benjamin Franklin é uma das obras mais interessantes, porque conta a história do jornalista, cientista, diplomata, político, inventor, líder da Revolução Americana, abolicionista, e pioneiro em mais uma miríade de empreendimentos, a maioria de caráter público. Não comete o erro de somente contar os pontos altos de sua vida, mas também situações difíceis, em prosa simples e agradável. Atualmente, quando sobra algum tempo extra no recesso forense, traduzo alguns de seus escritos ainda não vertidos para a língua portuguesa.

Neste livro conheci a importância da obra de Plutarco. Dizia Franklin: "foram as obras sobre as Vidas de Plutarco que li mais abundantemente e ainda hoje penso que o tempo despendido com esta leitura foi de grande vantagem para mim". Referia-se às Vidas Paralelas, diversos pares de biografias de personalidades da Roma e Grécia Antigas, escritas por Plutarco. O historiador e filósofo escolhia uma personalidade romana e outra grega, e com um texto sucinto contava as duas biografias, comparando-as (sem o ritmo lento e datado de uma biografia científica, mas observando características mais pessoais dos biografados, de forma romanceada). Essa literatura foi também muito importante para minha formação. A última parelha de biografias que li foi a Alcibíades e Coriolano, editada pelo Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra. Um grego, outro romano, ambos foram soldados, generais, conduziram de forma exitosa suas pátrias, e ambos se puseram no campo adversário. É muito interessante a história de ambos, as semelhanças e diferenças e a análise final que Plutarco faz sobre as biografias.

Ainda no terreno das biografias, a de Sobral Pinto ― A consciência do Brasil, escrita por John Foster Dulles, talvez seja o mais completo trabalho escrito sobre Sobral Pinto. Traz um retrato amplo não só da carreira brilhante que trilhou, mas de sua vida pessoal, sua família, seus amigos, analisando como fonte, principalmente, as inúmeras cartas escritas e recebidas por Sobral. Nela se cruza a biografia de meu avô, Pedro de Oliveira Ribeiro Sobrinho, que fora chefe de polícia da Guanabara, um grande amigo de Sobral Pinto, junto com Alceu de Amoroso Lima e Jackson de Figueiredo. 

Meus interesses se estendem, também, a psicologia e psicanálise. Destaco, entre as obras que li, A interpretação dos Sonhos, de Sigmund Freud, Resposta a Jó, de Carl Jung, e Nas espumas do Tempo, de Jorge Luiz Veschi

“Jurista antropofágico”
No âmbito do Direito, inúmeras obras me influenciaram. Mas citarei apenas dois autores. A Beca Surrada, de Alfredo Tranjan, traz suas histórias no Tribunal do Júri, e da advocacia criminal, mostrando um advogado extremamente talentoso, criativo e humano. O livro tem uma segunda parte dedicada a grandes figuras da acusação e da defesa no Júri. Em Quem são os criminosos?, de Augusto Thompson, o jurista antropofágico trabalha o conceito de crime e criminoso, à luz de outros conceitos como a cifra negra e a seletividade do sistema penal, apontando a inconsistência da criminologia tradicional. Para mim é um clássico que deveria ser lido por todos os estudantes de Direito. Tive a sorte de poder assistir as aulas de Thompson, que dizia: “treinar homens para a vida livre, submetendo-os a condições de cativeiro, afigura-se tão absurdo como alguém se preparar para uma corrida, ficando na cama por semanas”, observando que a adaptação à prisão pode implicar a desadaptação à vida livre. Mais tarde li outras obras suas, destacando-se, entre elas, A questão penitenciária, que se tornou um clássico sobre o tema, e A meada, sua última obra, na qual analisou os autos da inconfidência mineira, demonstrando que no estudo de documentos históricos de natureza judicial, o crivo experimentado de um criminalista vê coisas que passam despercebidas aos olhos de historiadores, alheios à selva de carimbos e códigos mudos inscritos nas páginas do processo do mártir da inconfidência, Tiradentes. 

O livro que mais me influenciou nos últimos anos chama-se A Semente da Vitória, de Nuno Cobra, que foi preparador físico de Ayrton Senna, e de inúmeros grandes atletas e executivos atletas. Na advocacia, uma profissão exaustiva e que muitas vezes nos leva ao sedentarismo, este livro me estimulou a sempre reservar um espaço em minha agenda para mim, o que, paradoxalmente, eleva nossa produtividade. 

Gosto também de romances. A montanha mágica, de Thomas Mann, com a história do anti-herói Hans Castorp, e O Físico, de Noah Gordon, estão entre os que mais gostei.

Sociologia da punição
Nos últimos tempos li Cypherpunks, de Julian Assange, imprescindível para entender o atual dilema dos Estados Unidos e a espionagem. Agora estou lendo Punishment and Modern Society, de David Garland, um estudo sociológico da punição. O autor analisa conjuntamente diversas visões fragmentárias a respeito do fenômeno da relação coercitiva entre o Estado e o ofensor, e suas diversas representações ― como o processo legal, uma expressão do poder, um instrumento de dominação de classes, uma expressão do sentimento coletivo, uma ação moral, seus aspectos rituais ― tratando o fenômeno como uma instituição social complexa, como a família, a lei, a educação, o governo, o mercado, as forças militares e a religião.

Paralelamente, também estou lendo, com muito gosto, O Tempo e o Vento, de Érico Verissimo.

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