Hipótese excepcional

Auxílio-moradia não é verba indenizatória

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6 de dezembro de 2013, 13h06

Dispõe de forma bem direta o artigo 39, parágrafo 4º, da nossa Carta Magna:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes.

[…]

§ 4º O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

O dispositivo acima foi muito claro: exclusivamente por subsídio!

Devem receber por subsídios, dentre outros, os magistrados, membros do Ministério Público, da Advocacia Pública e da Defensoria Pública.

Pois bem, a Constituição, quando previu essa forma de remunerar determinados agente públicos (por subsídio), objetivou que ele auferisse uma excelente remuneração (a melhor, a maior de todas), para que não lhe fosse necessário conceder qualquer tipo de penduricalho.

Mas isso infelizmente não acontece hoje.

Realmente, os agentes públicos referidos acima possuem, em regra, uma remuneração considerável, mas não se pode dizer que ela está muito distante da de outros servidores, sem status constitucional.

Então, percebe-se que está tudo errado!

O Brasil precisa urgentemente de uma reforma geral na política remuneratória dos seus servidores (em sentido amplo)!

É preciso estabelecer um equilíbrio! É preciso criar parâmetros!

Na esfera federal, as distorções existem, mas na estadual a coisa é assustadora!

Não se está se referindo apenas à magistratura!

No Estado do Ceará, já se viu servidor ocupante do cargo de assistente social percebendo remuneração maior do que a de um juiz de direito.

Para se constatar isso, basta verificar o Diário Oficial do Estado do Ceará, Série 3, Ano V, nº 048, de 12 de março de 2013[1].

Mesmo com todo respeito aos assistentes sociais, pergunto: isso está certo? Tenho certeza de que não!

É muito triste ver essas distorções!

E devem existir muitas outras por aí!

E por falar em distorções, não se pode deixar de citar o decantado caso dos juízes cariocas.

O presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desembargador Manoel Alberto Rebelo dos Santos, defendeu, com a maior tranquilidade que a falta de juízes no Estado explica o pagamento de salários de até R$ 150 mil, acima da remuneração de R$ 24.117,62. É que, segundo ele, os magistrados estão acumulando trabalho e por essa razão recebem verbas extras.

Para se ter ideia, no mês de dezembro de 2010, um desembargador recebeu a “bagatela” de R$ 511.739,23.

É que, além do subsídio, magistrados possuem direito a inúmeros benefícios, entre eles, o auxílio-creche, auxílio-saúde, auxílio-locomoção, ajuda de custo, ajuda de custo para transporte e mudança, auxílio-refeição, auxílio-alimentação etc.

Um juiz receber R$ 150.000 por mês? Um desembargador perceber mais de R$500.000,00? Isso pode ser considerado moral? Afirmar que se trata de verbas indenizatórias por serviços extras? Ora, nem se seu cônjuge morresse por culpa de alguém o magistrado receberia uma indenização por danos morais em cifras tão altas assim!

Esse Brasil realmente não é um país sério!

E o pior é que os legitimados para combater isso ficam inertes (até porque muitos deles são beneficiários dessas imoralidades)!

E por falar em imoralidade, o que se dizer em relação à concessão de auxílio-moradia?

Pois bem, ao contrário do que muitos pensam, referida parcela não pode ser considerado verba indenizatória, para fins de cumulação com subsídio e de não-submissão ao teto remuneratório. O mesmo raciocínio serve para o auxílio-alimentação, dentre outros benefícios.

Para esclarecer isso, basta valer-se de uma singela e conhecida norma constitucional, qual seja, o artigo 7º, inciso IV:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

[…]

IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

Assim, de acordo com a Constituição de 1988, o salário mínimo deve suprir todas as necessidades básicas (alimentação, moradia, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social) do trabalhador e sua família. Repita-se: o salário mínimo, que hoje alcança o valor de R$678,00!

Então se indaga: e a remuneração de um servidor (que em regra é bem superior a um salário mínimo) não é suficiente para custear tudo aquilo que está previsto no dispositivo acima? Ela não serve exatamente para isso?

Todo trabalhador, seja ele juiz, gari, procurador, tem direito à moradia, que deve ser custeada com sua remuneração, seu salário, seu subsídio!

Não custa aqui citar o caso em que Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa de Pernambuco derrubou emenda incorporada ao Projeto de Lei Complementar 820/2008, que instituía auxílio-moradia para o magistrados daquele Estado.

“A justificativa dos parlamentares para rejeitar a proposição foi a de que um magistrado que mora e trabalha no Recife não precisa ganhar um adicional no salário”.[2]

Portanto, afirmar que se trata de uma verba indenizatória não faz qualquer sentido! Aonde vamos chegar? Estão nitidamente distorcendo as coisas!

Pagar auxílio-moradia para quem está trabalhando no local onde está lotado, onde exerce regularmente suas funções? Isso é bizarro!

Ora, tal verba, nesse contexto, inegavelmente tem natureza remuneratória!

Diferente é a situação de um magistrado que é designado, de forma temporária, para exercer suas funções fora do local de lotação, como os convocados para auxiliar os Ministros do Supremo Tribunal Federal! Ora, o juiz, nesse caso, sai do conforto de sua casa, para ir morar em Brasília, e lá exercer, temporariamente, outras funções. Nada mais razoável do que lhe pagar uma indenização, por conta desse deslocamento, dessa mudança de lotação precária (aqui sim a verba reveste-se de natureza indenizatória).

Se essa moda pegar, vai ser criado auxílio para tudo. E criatividade não falta. Ano passado foi noticiada a criação de auxílio-livro no âmbito do Tribunal de Justiça de Goiás[3] e do Paraná[4].

Até se entende a insatisfação dos magistrados federais, por não receber o auxílio-moradia.

Por conta de alguns arranjos imorais, muitos os juízes de direito, em sua grande maioria, realmente estão percebendo remunerações bem superiores aos colegas da esfera federal, situação esta, de fato, injusta.

Enfatize-se: não se deve tentar “corrigir uma distorção salarial distorcendo o sentido da lei, criando um puxadinho para acomodar angústias” (ministra Eliana Calmon).

E se tenha certeza de que a Proposta de Súmula Vinculante 71[5], de autoria do ministro Gilmar Mendes, teve o intuito de por cobro a essas imoralidades, pelo menos no âmbito do Poder Judiciário.

Mas infelizmente ela não “anda”. Está parada na Procuradoria-Geral da República há mais de um ano!

E é preciso mais!

Assim, reitera-se que o Brasil precisa urgentemente de uma reforma drástica na política remuneratória dos seus agentes públicos.

Que tal começar pela extirpação do auxílio-moradia em todas as esferas, em todos os Poderes, por não ter ele natureza indenizatória (salvo em hipóteses excepcionais, como a citada acima)? Mas quem terá coragem de fazer isso? Certamente ninguém.


[1] http://www.yasni.info/ext.php?url=http%3A%2F%2Fwww.jusbrasil.com.br%2Fdiarios%2F51884572%2Fdoece-caderno-3-12-03-2013-pg-145&name=Francisca+Dagmar&showads=1&lc=pt-pt&lg=pt&rg=br&rip=br

[2] Notícia disponível através do seguinte link:

http://www1.amppe.com.br/cms/opencms/amppe/servicos/clipagem/2008/nov/clipagem_2463.html

[3] http://rota-juridica.jusbrasil.com.br/noticias/100227836/juizes-receberao-auxilio-moradia-e-auxilio-livro

[4] http://www.gazetadopovo.com.br/vidapublica/conteudo.phtml?id=1258244

[5] Proposta de Verbete: É inconstitucional a outorga a magistrado de vantagem não prevista na Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

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