China brasileira

Setor de frigoríficos contribui para acidentes de trabalho

Autor

  • Fernando Maciel

    é procurador federal em Brasília máster em prevenção de acidentes laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha) especialista em Direito de Estado pela UFRGS e professor de pós-graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário. Autor do livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR).

30 de agosto de 2013, 20h17

No dia 3 de junho, uma tragédia em um matadouro de aves na província de Jilin, no nordeste da China, deixou 119 trabalhadores mortos e muitos feridos e desaparecidos. O resgate das vítimas revelou um quadro precário em termos de condições de saúde e segurança no estabelecimento. Relatos de familiares confirmaram que as portas do matadouro eram mantidas trancadas durante o horário de expediente, fato esse que impossibilitou o resgate de dezenas de trabalhadores, causando a morte de muitos.

Trata-se de uma tragédia chinesa, mas que deve servir para voltarmos os olhos para a nossa própria realidade em termos de saúde e segurança no trabalho. Ao tempo em que nos mostramos solidários com o sofrimento daqueles que estão do outro lado do mundo, devemos também nos preocupar com o Brasil que, segundo estatísticas internacionais, ocupa a quarta colocação mundial em acidentes fatais. São cerca de 80 acidentes de trabalho a cada hora trabalhada em nosso país.

O setor de frigoríficos contribui de forma expressiva para essa realidade. Dados do Ministério da Previdência Social revelam que, nos últimos anos, o número de benefícios por incapacidade (auxílio-doença) tem registrado crescimento nesse setor econômico (12.172 em 2010, 12.446 em 2011 e 12.953 em 2012). Por consequência, a despesa previdenciária também sofreu incremento nesse período (R$ 8,8 bilhões em 2010, R$ 9,7 bilhões em 2011 e R$ 11 bilhões em 2012).

Estudo comparativo da ONG Repórter Brasil corrobora para a realidade do setor de frigoríficos em termos de saúde e segurança no trabalho: esses trabalhadores, em comparação aos demais, têm mais incidência de ocorrências com queimaduras, traumatismos na cabeça, abdômen e braço. Além disso, a cada cem mil trabalhadores, 712 desenvolverão algum tipo de doença mental, número 3,41 vezes maior que de outros segmentos econômicos. Só no segmento de aves e porcos, ainda de acordo com a ONG, o risco de plexos nervosos é 743% maior do que em outros.

O setor esconde também uma chaga brasileira que é a exploração do trabalho escravo e degradante na produção da carne. Um exemplo disso ocorreu recentemente, no mês de abril, quando o Ministério Público Federal processou 26 frigoríficos por desmatamento, exploração do trabalho escravo e violação de direitos indígenas em fazendas irregulares nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia. As ações pedem o ressarcimento de quase R$ 557 milhões por danos ambientais decorrentes da exploração comercial sob condições irregulares.

Objetivando contribuir para a redução desse cenário, o INSS, representado pela Procuradoria-Geral Federal, ajuizou a primeira Ação Regressiva Acidentária Coletiva do Brasil (Ação Ordinária nº 5054054-96.2012.404.7100/RS), para cobrar de um frigorífico do Rio Grande do Sul as despesas que teve ao conceder benefícios de auxílio-doença a 111 empregados da empresa. Entre diversas irregularidades, o frigorífico foi acusado de praticar o chamado “dumping social”, ao reduzir seus encargos financeiros e não seguir as normas de proteção da saúde e segurança dos trabalhadores, contribuindo de forma culposa para os infortúnios laborais. A ação, cuja sentença procedente foi publicada nesta quarta-feira (28/8) pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, denota a assertividade da iniciativa do INSS de cunho punitivo-pedagógico.

Também com o objetivo de contribuir para a melhoria no setor, o Ministério do Trabalho e Emprego editou a Norma Regulamentadora 36 que, entre outros pontos, exige a concessão de pausas durante a jornada de trabalho nos frigoríficos. Enquanto isso, na Câmara dos Deputados, tramita o Projeto de Lei 2.316/2011, que altera o artigo 253 da CLT para justamente limitar o direito de intervalos durante o trabalho em frigoríficos.

Dentro desse cenário de produção versus cidadania, a pergunta que devemos nos fazer é: qual é o país que queremos? Almejamos um desenvolvimento sustentável, com respeito aos direitos humanos e trabalhistas, ou queremos exportar desenfreadamente, explorando trabalhadores em jornadas exaustivas, escravidão, com pressão psicológica, lesões por esforços repetitivos e exposição a temperaturas de trabalho desumanas?

Que sejamos solidários sim com a China, mas também com nosso próprio país. Sejamos competitivos, mas não à custa de um patamar civilizatório inferior que coloca nosso país sim como campeão na produção de carnes no mundo, com cerca de US$ 15,64 bilhões de produtos exportados anualmente, mas também como um dos líderes mundiais de acidentes de trabalho. Não é esse o desenvolvimento que o nosso país precisa.

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    é procurador federal em Brasília, master em prevenção de acidentes laborais pela Universidade de Alcalá (Espanha) e autor do livro Ações Regressivas Acidentárias (editora LTR).

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