Deputado e condenado

Manutenção de mandato causa mal-estar, mas é legal

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29 de agosto de 2013, 21h44

A decisão da Câmara dos Deputados de manter o mandato do deputado Natan Donadon, condenado pelo Supremo Tribunal Federal pelos crimes de peculato e formação de quadrilha, causa perplexidade, mas está amparada na legalidade. A avaliação é da maioria dos constitucionalistas ouvidos pela revista Consultor Jurídico.

Donadon foi eleito deputado federal pelo PMDB de Rondônia, mas, com a condenação, foi expulso do partido. Em 2010, o Supremo o condendou a 13 anos e quatro meses de prisão em regime fechado. Hoje, com o trânsito em julgado da decisão, ele cumpre pena na prisão da Papuda, no Distrito Federal, onde está desde junho deste ano. Com a condenação veio a discussão sobre se ele deveria ou não perder o mandato de deputado.

A questão está posta no artigo 55 da Constituição Federal e seus incisos e parágrafos. O artigo trata dos casos em que o parlamentar perde o mandato, e o inciso VI fala da condenação criminal como um deles. Só que o parágrafo 2º diz que, no caso do inciso VI, cabe ao Senado ou à Câmara decidir, por voto secreto e maioria absoluta, sobre a cassação.

No julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o Supremo decidiu pela perda dos mandatos dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), Pedro Henry (PP-MT), José Genoíno (PT-SP) e Valdemar Costa Neto (PT-SP). Por maioria, os ministros entenderam que o inciso IV do artigo 55 ensejaria a cassação. O dispositivo diz que perderá o mandato o deputado ou senador que tiver seus direitos políticos suspensos. E o artigo 15 da Constituição afirma que a condenação criminal acarreta a suspensão dos direitos políticos.

Mas, quando condenou o senador Ivo Cassol (PP-RO), novamente por maioria, o Supremo entendeu que a decisão da perda do mandato caberia ao Senado. A decisão foi de que se aplica a esses casos o parágrafo 2º do artigo 55, e o Senado ainda não se decidiu. O problema do caso de Donadon foi que, depois de condenado, a Câmara o manteve como deputado.

Texto claro
Só que, para os especialistas ouvidos pela ConJur, não há nada de atípico na situação de Natan Donadon. “Por mais absurdo que possa parecer, a interpretação mais harmoniosa com o texto constitucional é a de que a perda de mandato depende da votação da Câmara”, sintetiza Eduardo Nobre, sócio do Leite, Tosto e Barros Advogados.

O mesmo entendimento tem Carlos Ari Sundfeld, professor de Direito Administrativo da FGV: “A Constituição não quis dar à Justiça o poder de tirar o mandato do deputado”. Ele explica que, quando a regra foi feita, logo após a ditadura militar, buscou-se evitar condenações por processos políticos. “A Constituição não confiou inteiramente na Justiça e quis dar à Câmara a última palavra.”

O professor também criticou o posicionamento do STF na AP 470. “O que o Supremo fez no mensalão foi ‘forçar a barra’ para responder a uma opinião pública insatisfeita com o sistema em geral”, afirma. “Essa interpretação não faz o menor sentido. Se existe uma regra expressa para o caso dos deputados, então a perda não é automática. Fazer interpretação para eliminar norma é um abuso.”

Sundfeld defende que, se o Supremo está incomodado com as regras atuais, deveria propor uma Emenda Constitucional para alterá-las, já que tem poder para isso. “Por que os ministros não se reúnem, propõem uma emenda, fazem um discurso à nação e um ato político que encurrale o Congresso?”, indaga.

No acórdão do mensalão, o procurador federal Eduardo Fortunato Bim é citado para justificar a prerrogativa do Legilsativo para decidir sobre perda de mandato de parlamentar condenado criminalmente.

"Com a previsão constitucional, a perda não é automática, dependendo da avaliação da casa parlamentar em um juízo político (processo de cassação) para averiguar eventuais danos à imagem da instituição”, diz a citação. O trecho, que está na página 1465 do acórdão, faz parte do artigo A cassação de mandato por quebra de decoro parlamentar: sindicabilidade jurisdicional e tipicidade, publicado na edição 169 (jan/mar de 2006) da Revista de Informação Legislativa.

Falta de clareza
O constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins diz que a Constituição não é clara quanto ao ponto em questão. “A interpretação poderia ser de um lado ou de outro”, afirma. Apesar disso, ele acredita que a decisão da Câmara está respaldada pelo posicionamento recente do STF, que deixou claro, nos casos de Cassol e Donadon, que o Legislativo é quem deve decidir. Mas defende que nesses casos a perda de mandato deveria ser automática: “Um mandato que não pode ser exercido é como se não existisse”.

Já o criminalista Daniel Gerber avalia que os crimes decorrentes da função deveriam implicar a perda de cargo. “Se o crime decorre da má utilização do cargo, o cargo deve ser cassado”. Assim, ele defende que a perda de mandato deveria ter sido decidida pelo STF.

Sundfeld avalia que a decisão da Câmara é uma resposta ao sistema atual e que os agentes públicos estão acossados na Justiça por uma infinidade de processos. “Há muitas oportunidades para mover ações contra pessoas que exercem funções públicas — e, em muitas situações, com toda a razão. Mas também existe o uso político: o Ministério Público movendo ações meio vagas e juízes que julgam com sentimento político. Os políticos acham que o sistema está mal montado e que estão sendo perseguidos.”

*Texto alterado às 15h51 do dia 30 de agosto de 2013 para acréscimo de informações.

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