Lei anticorrupção

Cultura de cumprimento deveria excluir responsabilidade

Autores

  • Heloisa Estellita

    é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico e da Empresa na mesma instituição.

  • Frederico Bastos

    é sócio das práticas tributária e de planejamento sucessório do escritório BVZ Advogados.

29 de agosto de 2013, 13h44

Artigo produzido no âmbito das pesquisas desenvolvidas no NEF/Direito GV. As opiniões emitidas são de responsabilidade exclusiva de seus autores.

Recentemente, o Brasil aprovou mais um instrumento para o combate à corrupção. A Lei 12.846/2013, também conhecida como Lei Anticorrupção, supre uma lacuna que existia no ordenamento jurídico brasileiro, que não previa imputação de responsabilidade por atos de corrupção às pessoas jurídicas. A responsabilização por tais atos recaía apenas sobre os agentes públicos flagrados em casos de corrupção ou sobre a pessoa física do funcionário ou representante da empresa que praticou o ato corruptor. Não havia punições para as pessoas jurídicas, que agora poderão pagar multas de 0,1% a 20% do faturamento bruto anual ou, não sendo possível aferir esse montante, quantias entre R$ 6 mil e R$ 60 milhões. Além das multas, a lei também prevê possibilidade de reparação total do dano, suspensão ou interdição parcial das atividades da companhia, proibição de receber recursos públicos pelo período de um a cinco anos, proibição de participação em licitações e até mesmo a dissolução compulsória da empresa, ainda que os atos lesivos tenham ocorrido no exterior. As sanções aplicadas à pessoa jurídica não impedem a imposição de sanções às pessoas físicas envolvidas.

A responsabilização administrativa e civil das pessoas jurídicas criada pela nova lei é severa e objetiva, bastando a comprovação do fato, do resultado e do nexo causal, independentemente de dolo ou culpa, para que as empresas sofram significativas sanções. A responsabilidade objetiva facilita o âmbito de prova, que se vê reduzido à comprovação dos atos ilícitos descritos no artigo 5º da lei, em benefício da pessoa jurídica, para que esta seja responsabilizada.

Como ferramenta que estimula a transparência na administração pública e como instrumento de incentivo para que as empresas invistam em programas internos de treinamento e controle, o diploma legal é bem-vindo. Ética, transparência, compliance e governança corporativa passam a ser elementos economicamente importantes no ambiente empresarial, principalmente devido aos impactos financeiros que as sanções podem ter para as empresas.

É de lamentar, porém, que a implantação de mecanismos de cumprimento dentro da empresa possa resultar em mera atenuação da sanção, mesmo nas hipóteses de celebração de acordo de leniência. Segundo o artigo 7o, inciso VIII, para fins de atenuação da responsabilidade administrativa, serão levadas em consideração “a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica”. Os parâmetros de avaliação desses mecanismos e procedimentos de controle ainda serão estabelecidos por regulamento do Poder Executivo federal.

Ao mesmo tempo em que a legislação pode vir a incentivar valores positivos como os acima mencionados, também poderá desencadear uma postura de fiscalização e controle exagerada e sempre sujeita à insuficiência, uma vez que não se admite o afastamento completo da responsabilidade sob nenhuma hipótese, ainda que comprovado que todos os esforços e recursos disponíveis foram empregados no sentido da prevenção contra a prática de atos ilícitos contra a administração pública.

Acreditamos que a lei poderia ter avançado ainda mais se tivesse adotado uma concepção de culpabilidade da empresa como a do “defeito de organização”, o que já ocorre em alguns países, nos quais a sanção só pode ser aplicada à pessoa jurídica quando ficar demonstrado que ela não adotou um modelo de organização para a prevenção contra a prática de atos ilícitos, resultando a responsabilidade, pois, de orientações indevidas, falta de mecanismos de controle ou operações inadequadas. A afirmação dessa culpabilidade somente se justificaria quando restasse demonstrada a falta de vigilância, controle ou orientação dos empregados da empresa.

A par da adoção da responsabilidade objetiva, não admitida em matéria penal, outro aspecto da nova lei digno de nota é a adoção de um conceito de atos de corrupção significativamente mais amplo do que o adotado pelo Código Penal.

O novo diploma impõe aos empresários um regime constante de vigilância institucional, adicionando riscos e custos à atividade empresarial, que serão compartilhados pelos acionistas das empresas abertas, o que certamente trará impactos especialmente para as empresas que contratem com o poder público.

A responsabilização instituída pela lei pode permitir aproximação entre o poder público e privado, pois, para que não haja corrupção e, portanto, imposição de sanções, a criação de um ambiente de maior transparência e accountability é fundamental. E é justamente por isso que a responsabilização das pessoas jurídicas por atos de corrupção é desejável e necessária. Lamenta-se, porém, que a premiação para as empresas que estabeleçam mecanismos efetivos de cumprimento seja tão tímida e desestimulante.

Finalmente, importante ter em mente que os atos de corrupção não são, em geral, unilaterais, do que decorre que os mesmos valores da vigilância e controle exigidos das pessoas jurídicas sejam também exigidos das instituições do poder público, valorizando a governança e a transparência tanto na gestão pública, quanto na privada.

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