Honra atingida

Imunidade de advogado não lhe permite desabonar parte

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28 de agosto de 2013, 15h43

A imunidade profissional do advogado não é absoluta. Se ele cometer excessos que ultrapassem o objeto do mandato, poderá ser responsabilizado, conforme autoriza a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. O entendimento levou a 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a negar Apelação de dois advogados que denegriram a honra de uma mãe no processo em que ela litigava com seu cliente. No primeiro grau, a sentença arbitrou em R$ 8 mil a indenização por dano moral, valor mantido pelo colegiado.

Em processo questionando indenização pelo falecimento de um dos filhos, a mãe foi mencionada pelos advogados com quem usava os filhos para ganhar dinheiro. Eles usaram informações de outro processo para fazer a afirmação. 

Os desembargadores derrubaram o argumento dos advogados de que não foi produzida prova de agir doloso — com específico fim de denegrir a imagem da autora. Segundo o colegiado, para fins de apuração da responsabilidade civil, basta a constatação do agir culposo. Ou seja, é suficiente que a conduta tenha concorrido para a causação do dano — o que se mostrou inegável.

O relator da Apelação, desembargador Eugênio Facchini Neto, afirmou que o fato de os profissionais não serem os autores das informações desabonatórias — que tomadas emprestadas de outro processo — não os exime de culpa. Afinal, as observações davam conta de que ela se utiliza dos filhos com intuito pecuniário, justo na ação que discute indenização por falecimento de um destes.

‘‘Não se trata, com a vênia dos apelantes, de conclusão razoável ou afirmação inofensiva aos brios de uma mãe, cujo instinto maternal, a despeito de todas as complicações ou perturbações a que esteve sujeito, deve ser respeitado’’, encerrou o desembargador-relator. O acórdão foi lavrado na sessão do dia 14 de agosto.

O caso
A autora contou, em juízo, ter litigado contra o homem que atropelou e matou o seu filho, exigindo-lhe reparação por danos morais e materiais. No curso do processo, disse que os advogados do réu, no afã de afastar a culpa deste, extrapolaram os limites do mandato, expondo fatos de sua intimidade que em nada acrescentaram ao objeto da lide.

A estratégia era demonstrar um ‘‘padrão de comportamento’’ que a desautorizaria a propor ações de ressarcimento por dano moral de qualquer cunho, já que não possuiria uma postura moralmente adequada. Segundo a peça, a autora ‘‘jamais levou em conta questões éticas e morais, na medida em que as mesmas pudessem interferir em projetos seus para, através de ligações pretensamente amorosas e afetivas, criar e manter relações com pessoas abastadas e, no geral, idosas’’.

As observações que se seguem a este trecho criticam a autora por ter mantido concubinato com rico fazendeiro octagenário, que acabou reconhecendo em testamento um filho que não era seu. Esse filho foi justamente a vítima fatal do atropelamento.

De acordo com o mesmo documento, o fato de ela se negar a fazer o exame de paternidade do filho — que, segundo os advogados, provavelmente daria negativo dada a idade do concubino — ‘‘insere-se num padrão de comportamento que mostra claramente o modo desonesto e inidôneo com que conduz sua vida’’. Em face do ocorrido, pediu em juízo o pagamento de indenização por danos morais.

Citados judicialmente, os advogados apresentaram defesa, quase na mesma linha de argumentos: de que não teria havido excessos de linguagem na defesa daquele processo, nem dolo ou culpa em ofender a honra da autora. Ou seja, a atuação estaria dentro dos limites do mandato conferido à defesa.

A sentença
O juiz Bruno Jacoby de Lamare, da Vara da Comarca de Encruzilhada do Sul, lembrou, inicialmente, que qualquer ilação sobre a postura moral da autora sobre fatos anteriores ao acidente, mostra-se completamente dissociada da lide originária. A não ser que tais fatos sirvam ao propósito, por exemplo, de demonstrar o desapego ao filho — o que minimizaria o abalo decorrente de sua morte. Entretanto, esse não foi o caso dos autos.

Lamare disse que não lhe cabe discorrer sobre a veracidade das alegações feitas pela defesa naquele processo, já que não têm pertinência para esclarecer aquela nem esta demanda. A seu ver, não existe respaldo jurídico para a ideia de que apenas pessoas ilibadas sejam detentoras de idoneidade suficiente para propor ações de ressarcimento por dano moral.

‘‘Neste contexto, não há dúvidas de que as acusações acima transcritas — dissociadas da lide então discutida — foram intencionalmente proferidas para denegrir a honra subjetiva, quiçá até objetiva, da autora’’, se convenceu o juiz, arbitrando a reparação em R$ 8 mil.

Clique aqui para ler a sentença e aqui para ler o acórdão.

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