Pelo bate-boca

Precisamos ver interações entre magistrados sem ilusões

Autor

21 de agosto de 2013, 14h54

*Texto publicado originalmente na Folha de S.Paulo do dia 21 de agosto de 2013.

Analistas, colunistas e editorialistas foram mais ou menos unânimes em condenar o bate-boca entre os ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski. Um dos argumentos mais usados é o de que desavenças explícitas reduzem a confiança da população no Judiciário, o que é ruim para o país.

Tenho uma visão um pouco diferente. É claro que um pouco mais de urbanidade no Pretório Excelso não faria mal a ninguém, mas acho bom que as pessoas tenham a oportunidade de ver a Justiça um pouco mais como ela de fato é, e não como os manuais gostam de descrevê-la.

Se há um paradigma que ruiu nos últimos 30 anos, com descobertas no campo da teoria da decisão e da neurociência, é o de que agentes racionais são capazes de fazer escolhas com base apenas em dados objetivos, cálculo e reflexão. E é nessa noção que o direito ainda se funda.

Daí não decorre, evidentemente, que leis, provas e uma hermenêutica racional não tenham nenhuma importância. Elas têm, mas não devemos cair na ilusão iluminista de que outros fatores, alguns deles pouco abonadores, como ideologia, inimizades e até os níveis de glicemia não influam — e, por vezes, decisivamente.

Meu exemplo favorito é o estudo israelense que mostrou que juízes que decidem sobre o livramento condicional de prisioneiros tendiam a julgar a favor do requerente só no início dos trabalhos ou após o lanche, quando estavam descansados e alimentados. Na hora da fome, o número de pedidos aprovados caía a zero.

Seria precipitado afirmar que a Justiça não difere de um sorteio, mas, mesmo que suas decisões fossem inteiramente aleatórias, já serviriam ao propósito de disciplinar a resolução de conflitos. De todo modo, até para que possamos cobrar modificações que reduzam o grau de subjetividade a que o sistema está sujeito, precisamos olhar para as interações entre magistrados como elas realmente são, sem disfarces nem ilusões.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!