Novos questionamentos

Mais três ações populares são ajuizadas contra o Carf

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21 de agosto de 2013, 15h17

A semana passada repetiu, em menor escala, as primeiras semanas de agosto do ano passado. O ex-procurador da Fazenda Nacional Renato Chagas Rangel ajuizou mais três ações populares questionando o mérito de decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que rejeitaram autuações fiscais a grandes empresas. Com as outras 59 ajuizadas em agosto de 2012, o Carf agora enfrenta 62 ações populares iguais.

O ajuizamento das ações é a repetição de um episódio que preocupou os membros do Carf no início deste ano. O conselho é o órgão colegiado do Ministério da Fazenda destinado a discussões tributárias entre contribuintes e fisco federal. O ex-procurador Rangel, ano passado, ajuizou as quase 60 ações para questionar decisões que entenderam não serem devidos tributos e multas cobrados pela Receita Federal. 

Rangel alegava que, como o Carf é um órgão do Ministério da Fazenda, parte da União, e os conselheiros decidiram pela não existência do crédito tributário, a União foi omissa em seu papel de tributar, prejudicando os cofres públicos. Foi a mesma alegação nas 59 primeiras ações, e é a mesma nas três ajuizadas na semana passada.

Todas as ações que foram analisadas pela Justiça Federal foram negadas sem nem mesmo análise de mérito. As sentenças afirmam que não cabe ação popular para questionar mérito de decisões administrativas. Caberia se fosse alegada alguma ilegalidade dos conselheiros, como suborno ou corrupção, o que não é feito. O Tribunal Regional da 1ª Região já analisou três recursos e manteve os posicionamentos da primeira instância, também sem analisar o mérito da questão.

A Justiça Federal entende que a lei dá ao Carf o poder discricionário para analisar as autuações fiscais e os argumentos dos contribuintes de acordo com seus entendimentos. Se os conselheiros entendem que o tributo não é devido, esse passa a ser o posicionamento administrativo do Ministério da Fazenda. Por meio do Carf, a União, a maior interessada no crédito tributário, diz que aquele tributo não é devido, e não cabe ação judicial para questionar o mérito dessa decisão, nem mesmo ação popular.

Ágio interno
Dos três casos impugnados por Renato Rangel em agosto, dois se referem ao uso de ágio para abatimento de Imposto de Renda e Contribuição Social Sobre Lucro Líquido. O caso mais recente é o do Banco Gmac, uma das empresas financeiras da montadora americana General Motors. A decisão do Carf foi de autorizar o uso do ágio interno em operações de concentração das atividades financeiras da GM em uma empresa separada, a Gmac. 

No Brasil, todas elas ficavam sob o chapéu GMB, ou General Motors Brasil. O negócio foi a transferência das ações das empresas financeiras da GMB para a Gmac. De acordo com as alegações do Banco Gmac ao Carf, a operação foi feita na modalidade arm’s length (compra pelo valor exato de custo, de acordo com o calculado por uma auditoria independente) e custou R$ 957,4 milhões.

As empresas declararam ágio de R$ 560,8 milhões para amortização de R$ 70 milhões em tributos. O fisco pedia justificação negocial para o abatimento tributário. O Carf, no entanto, entendeu que, como não há qualquer vedação legal ao uso do ágio interno, o caso é de elisão fiscal, ou planejamento tributário. Também entendeu que o propósito negocial da operação ficou comprovado pelos fatos apresentados. A autuação fiscal foi cancelada, mas, para Renato Chagas Rangel, a decisão do Carf significou leniência da União em relação ao interesse de arrecadar, prejudicando o erário.

Repetição
Outro dos casos é o do banco Santander, que já havia sido questionado pelo ex-procurador, mas agora volta a ser discutido, também em ação popular. O juiz federal Paulo Ricardo de Souza Cruz, da 5ª Vara Federal de Brasília, negou o pedido, e alegando que não cabe ação popular para questionar o mérito de decisões tributárias.

O caso do Santander envolve a privatização do Banespa, no início dos anos 2000. O banco espanhol pagou R$ 7,5 bilhões pelo estatal paulista, cujo patrimônio líquido, à época, era de R$ 2,11 bilhões. O Santander discutiu uma autuação fiscal que chegava a R$ 4 bilhões referente à compra do Banespa. O valor pago e o patrimônio do Banespa, que comporiam o “preço” da companhia, é o equivalente ao ágio. E o banco espanhol usou essa quantia para abater de seu IRPJ e CSLL dos anos calendário de 2002, 2003 e 2004. Baseou-se na Lei  9.532/1997, que autoriza o uso do ágio para amortização de tributos à razão de 1/60 ao mês. A Receita havia entendido que a amortização feita pelo Santander foi excessiva e autuou o banco.

Em decisão de 2011, o Carf autorizou o uso do ágio pelo Santander. O colegiado entendeu que a conta do banco espanhol levou em conta apenas a rentabilidade futura esperada para o investimento, e não em valores de bens intangíveis como marca ou fundo de comércio.

Caça ao ágio
A questão discutida nas ações populares coincide com a escolha, pela Receita Federal, do uso do ágio interno para pagar menos impostos por empresas que passam por reorganizações como o alvo principal de suas autuações. Segundo dados da própria Receita, as autuações fiscais que questionam aproveitamento de ágio em operações consideradas fantasiosas, ou sem propósito negocial, chegam a R$ 100 bilhões.

Como mostrou reportagem da ConJur de novembro do ano passado, o uso do ágio tem sido visto pelo Carf como uma nova tese tributária. Mas, para o fisco federal, a “nova tese” é dos maiores problemas tributários do país. Fica ao lado das discussões a respeito de lucros de empresas estrangeiras coligadas ou controladas por companhias brasileiras e abatimento de insumos indevidos de PIS e Cofins.

Quem acompanha o andamento das ações populares desde o ano passado estranhou a coincidência. Primeiro pelo fato de Renato Rangel saber justamente quais são os casos que envolvem uso de ágio que são de interesse da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Depois pelo fato de o ex-procurador estar tão atualizado a respeito de decisões importantes do Carf e que tratam justamente dos temas de maior preocupação da Fazenda.

O presidente do Movimento em Defesa da Advocacia (MDA), Marcelo Knopfelmacher, considerou o ajuizamento das novas ações "inaceitável". "É lamentável a retomada desse episódio. Trata-se de uma aventura jurídica, como o Judciário já decidiu algumas vezes, e é inadmissível essa tentativa de desrespeitar as decisões do Carf por via adversa", declarou.

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