Privilégio injustificável

Recusar infringentes não viola duplo grau de jurisdição

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18 de agosto de 2013, 13h36

[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo deste domingo (18/8)]

A admissão de embargos infringentes provoca idas e vindas de decisões judiciais que jamais alcançam seu fim no devido tempo. Muito menos reparam ou igualam.

Eles são recursos oponíveis pela defesa contra decisão não unânime no processo penal. Sua razão de ser é devolver o julgamento a um órgão colegiado mais amplo, do qual participem a integralidade dos membros da corte. Busca-se a prevalência do ou dos votos vencidos, devendo estar presentes não só os julgadores anteriores, mas também os demais integrantes.

Há previsão de seu cabimento no regimento interno do Supremo Tribunal Federal, ao contrário do que estatuiu a lei 8.038/1990, que, ao instituir procedimentos no âmbito das cortes superiores, sabiamente nada dispôs sobre os embargos.

O tal regimento acabou por adentrar em seara nem sequer reportada pela lei. Argumento contrário defende que a lei não obstou o seu emprego, especialmente por se tratar de matéria penal.

A despeito da suposta impropriedade do regimento, os embargos infringentes não possuem qualquer sentido na ação penal originária (foro por prerrogativa). Determinados crimes já são de pronto julgados pela integralidade dos membros das cortes. Não há, pois, razão para nova apreciação a fim de complementar julgamento já inteiramente satisfeito. Por sua natureza, é incabível, salvo melhor juízo. Por outro lado, os infringentes estão longe de se equipararem à apelação.

Diante da extensão e da forma eleita de julgamento, não há que se cogitar que a não admissão dos embargos infringentes violaria o princípio do duplo grau de jurisdição, até porque o debate jurídico se dá exaustivamente perante as instâncias máximas de Justiça.

O dilema existencial da Justiça é, pois, buscar a efetividade da coerção baseada na ética e no respeito ao conteúdo dos direitos, dos deveres e das garantias individuais. Visa, pois, reparar (equilibrar) o que foi e é considerado injusto.

Por si só, a prerrogativa de foro constitui instituto discutível numa real democracia. Alimenta a sensação de impunidade e descrença no direito e corrói valores universais. Para alguns, ela se justifica em razão dos cargos tutelados. Porém, privilégios só se justificam se o fim for o de igualar — previsão em sentido oposto tem efeito devastador.

A falta de vocação dos tribunais para lidar com o instituto faz deste um quase não-julgamento. Eis que historicamente tem acarretado uma "imunidade branca" ("normatização fictícia"), consagrando nichos sociais que se mantêm à margem da lei comum. Esse tipo de "técnica" provoca erosão da harmonia legislativa e pode acarretar a falência de uma democracia já doente.

A admissão dos embargos infringentes contra a sua evidente natureza faz desse recurso um benefício insustentável. Um mecanismo discriminatório, que fomenta um curioso microssistema jurídico-penal.

Constitui mais um desequilíbrio sistêmico na Justiça. Um injustificável privilégio sobre outro privilégio injustificável. 

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