Legislação dura

Crime não pode compensar, diz presidente da OAB

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10 de agosto de 2013, 19h03

Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado Coêlho tornou-se, desde o início das manifestações populares Brasil afora, um dos grandes defensores de uma reforma política. Após indicar falhas na tentativa de plebiscito sobre o assunto levantada pelo governo federal, Coêlho adotou nova bandeira. O segundo presidente mais novo da história da OAB trabalha pela aprovação (pelo Congresso) de um projeto que puna com mais rigor o caixa dois eleitoral e que vede a doação de empresas.

Crítico da dependência que o atual sistema gera entre candidato e financiador, ele propõe também o voto em dois turnos no Legislativo, incluindo o voto em lista aberta. Marcus Vinícius defende a modernização dos cursos de Direito, para acabar com o alto índice de reprovação no Exame de Ordem. 

Após a dura resposta à piada feita pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, sobre o fato dos advogados acordarem tarde, Marcus Vinícius pede que o presidente do STF explique o que está fazendo pelo Judiciário. Em entrevista à revista Veja, o presidente da OAB explica ainda os pontos que o fazem defender a conciliação, mediação e arbitragem como soluções para o futuro do Judiciário.

Leia os principais trechos da entrevista concedida à revista Veja:

A OAB lançou uma campanha de coleta de assinaturas para um projeto de reforma política. Como é essa proposta?
Marcus Vinícius – As manifestações da população nas ruas mostraram que há uma crise muito profunda no modelo de representatividade. A origem desse mal está no sistema eleitoral, que estimula o caixa dois, que faz com que o candidato, salvo honrosas exceções, tenha uma relação imprópria com empresas. Isso gera um parlamentar eleito com vícios de origem. Na maioria das vezes, ele presta contas ao financiador, e não ao eleitor. 

Mas quais são as medidas práticas para resolver o problema?
Marcus Vinícius – O financiamento de campanha por empresas deve ser proibido. Apenas as pessoas físicas poderão fazer doações a candidatos, com um limite máximo de 700 reais, para evitar que o desnível econômico influencie o resultado da eleição. Além disso, o valor de gastos com a campanha será fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Com a fixação pelo tribunal, as campanhas ficarão mais baratas. É preciso ainda tornar crime a prática de caixa dois eleitoral. Nosso projeto prevê até oito anos de prisão para quem fizer caixa dois, a cassação imediata de quem receber dinheiro por fora e a proibição de contratação pelo serviço público de empresas que praticaram esse crime. O sistema legal deve passar sempre a mensagem clara de que não compensa praticar o crime.

Como fiscalizar isso?
Marcus Vinícius – O principal meio é a prestação de contas on-line. Diariamente, as receitas e despesas serão colocadas no site do TSE. E é preciso contar com o papel fiscalizador da sociedade. Essa revolta é uma mostra de que o cidadão quer participar. A sociedade não deve criminalizar a democracia nem a atividade política, mas reafirmá-las e aperfeiçoá-las constantemente.

Como fica a eleição para o Legislativo nesse projeto?
Marcus Vinícius – Para baratear as eleições e aumentar a fidelidade partidária, a Ordem propõe um sistema de votação em dois turnos para o Legislativo. No primeiro turno, o eleitor votaria na lista partidária, em cima de projetos e idéias. Isso evitaria o efeito Tiririca, de votar em um e eleger outros cinco que ele nem conhecia. A lista deixará de ser oculta, como é agora, e será transparente.

O controle ético disso é que um candidato sem conceito é eleito hoje porque tem o eleitorado cativo e não contamina a lista de seu partido. Se esse candidato vai para uma lista partidária aberta, o eleitor vai evitá-lo, prejudicando o partido. 

O grande pecado da lista fechada pura é que o eleitor não escolhe quem quer eleger, mas só chancela decisões partidárias. Por isso propomos o segundo turno, no qual o eleitor votará nominalmente. No primeiro turno, definem-se quantas vagas cada partido terá. E, no segundo, quais serão os nomes eleitos. 

As manifestações de junho mostraram o descontentamento do cidadão com o serviço público. O que fazer para tornar o governo mais eficiente?
Marcus Vinícius – Os cartazes dos manifestantes traduziram as reivindicações: mais saúde, mais educação, melhores serviços e menos corrupção. A OAB entrou na Justiça para que o Congresso legisle sobre a criação de um código de defesa dos usuários de serviços públicos, que está prevista há quinze anos. 

Hoje um cidadão vai ao hospital, não é atendido e não tem a quem reclamar. Com o código, o Procon passará a receber queixas contra os serviços públicos. E o governante que não oferecer um bom serviço nem respeitar o cidadão deverá ser punido.

O último exame da OAB teve 72% dos candidatos reprovados. Isso não é a falência do ensino de Direito no Brasil?
Marcus Vinícius – Em vinte anos, o Brasil saiu de cerca de 200 faculdades de Direito para 1,3 mil. A qualidade, por óbvio, não acompanhou a quantidade. A grade curricular dos cursos é ultrapassada, não se fala sobre mediação e arbitragem, sobre o Processo Judicial Eletrônico. 

Não é possível continuar com um curso de Direito que só estimula a litigiosidade. O ensino ainda é feito por professores que se baseiam em doutrina, não há estudos de casos. É preciso estudar os casos e ter um aprendizado prático; por isso o estágio deve ser ampliado de seis meses para um ano e ser efetivamente prestado. 

Para melhorar todo esse quadro, é necessário remunerar melhor os professores. Estamos vivendo uma rodaviva em que a faculdade finge que paga o professor, o professor finge que dá aula e o aluno finge que aprende.

O mercado está saturado. O que fazer com tanto advogado?
Marcus Vinícius – No último Exame da Ordem foram aprovadas 32,9 mil pessoas. O índice de reprovação ainda é alto, mas temos 60 mil aprovados a cada ano. Esse é o número total de advogados existentes hoje na França. Já temos 800 mil advogados no Brasil, e ainda entra no mercado de trabalho uma França por ano. É preciso coibir a abertura de cursos e fechar aqueles que não têm qualidade.

Casos de grande repercussão, como o julgamento do mensalão e as operações da Polícia Federal, mostram advogados recebendo milhões de reais. A profissão é bem remunerada?
Marcus Vinícius – Há uma pequena ilha de grandes escritórios e advogados famosos que passa a falsa impressão de uma profissão glamourosa. Mas a realidade é dura. Há advogados ganhando 20 reais para fazer uma audiência. A grande maioria dos meus colegas busca a sobrevivência. Essa massificação e proletarização da carreira precisam ser enfrentadas.

Como dar celeridade à Justiça?
Marcus Vinícius – Em primeiro lugar, é preciso uma mudança cultural, encerrando a era do litígio e fazendo aposta na conciliação, mediação e arbitragem. O advogado precisa entender que o processo moroso não faz bem a ninguém. Não faz bem à sociedade porque justiça tardia é injustiça. Não faz bem ao Judiciário porque perde credibilidade. Não faz bem ao advogado, que se desvaloriza e demora a receber.

O juiz e o promotor também não podem encarar as modernizações do sistema judiciário com a mesma cabeça cartorial predominante no século XIX. Temos de atualizar o modo de pensar das pessoas. Pouco adiantam mudanças legislativas se os intérpretes da lei não se adequarem. É preciso que o sistema tenha menos burocracia e formalismos e mais celeridade.

Por fim, é preciso uma mudança estrutural. Temos na presidência dos tribunais gestões que não se comunicam com as anteriores nem com as seguintes. Não há no Judiciário transparência dos gastos, planejamento, administração dos processos de acordo com temas.

A OAB reclamou da declaração de Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, de que os advogados acordam tarde. Depois, pediu explicações sobre a compra de um apartamento por ele em Miami e recorreu do veto dele à criação de quatro tribunais federais. Os advogados o consideram um adversário?
Marcus Vinícius – A OAB aprovou uma dura nota pedindo mais respeito do presidente do STF. Essa declaração sobre os advogados mostrou um total desconhecimento da profissão. A Ordem deve sempre ter atuação dura quando se sentir incomodada. Mas deve ter a atitude madura de não transformar casos episódicos em uma generalização que diminua a importância do STF. 

Considero uma perda de energia muito grande as instituições ficarem discutindo declarações impensadas e fora da realidade. A Ordem faz um apelo a todos os presidentes de poderes para que cuidem do que interessa. O que o presidente do STF está fazendo concretamente para planejar e dar transparência ao Judiciário?

Como o senhor responderia a essa sua própria indagação?
Marcus Vinícius – Essa pergunta deve ser feita ao presidente do STF. Qual o legado para o Judiciário brasileiro que ele está deixando? 

O senhor defende a redução da maioridade penal?
Marcus Vinícius – A Constituição fixa a maioridade penal em 18 anos. Para nós da Ordem, isso é uma cláusula pétrea, que não pode ser modificada. Além disso, há dados que mostram que essa medida seria inócua. Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça mostra que 47% dos internos em centros de reabilitação têm de 16 a 17 anos e 42%, de 14 a 15 anos. Portanto, apenas baixar a idade penal para 16 anos não resolverá completamente o problema.

Como, então, inibir a participação de menores nos crimes?
Marcus Vinícius – Melhorando as condições de vida dos adolescentes, principalmente os mais pobres. Se eles não têm escola, não têm educação profissionalizante, não têm esporte, não são acolhidos pelo estado, podem ser atraídos para o tráfico. O segundo ponto é ter um sistema de internação que ressocialize. Esse mesmo estudo do CNJ mostra que 70% dos internos foram vítimas de violência, 40% foram violentados sexualmente. E quase a metade reincide e em crimes mais graves. 

O terceiro ponto é o sistema legal, que deve passar uma mensagem que desencoraje a prática de crimes. Os crimes com armas de fogo e a reincidência devem ter punições mais sérias. O Estatuto da Criança e do Adolescente deve ser repensado para que a punição máxima prevista suba de três para seis anos e para que o infrator não saia em liberdade aos 21 anos, mas somente depois de cumprir integralmente a medida judicial.

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