Norma objetiva

Patrocínio infiel só cabe se advogado for constituído

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9 de agosto de 2013, 14h20

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu, de ofício, trancar ação penal contra o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil da subseção em Altamira (PA), Otacílio Lino Júnior, por considerar que não houve atipicidade de sua conduta. O advogado era acusado de patrocínio infiel após recomendar a dois corréus em um processo que ficassem em silêncio, beneficiando outros réus da ação — que eram seus clientes. Em seu voto, o ministro relator Marco Aurélio explicou que em nenhum momento o advogado foi credenciado pelos dois réus, portanto não seria possível concluir pelo patrocínio infiel.

De acordo com a denúncia feita pelo Ministério Público Federal, Lino Junior teria atuado como advogado de defesa de três dos cinco acusados em um crime ambiental. Segundo os autos, o advogado teria orientado os dois réus não defendidos por ele de modo a favorecer os outros três. Além da denúncia de patrocínio infiel (artigo 355 do Código Penal), Lino Junior foi acusado de corrupção de testemunha ou perito (artigo 343 do CP).

Seguindo o voto do relator, a Turma julgou extinta a ordem de Habeas Corpus por inadequação processual e, de ofício, decidiu pelo trancamento da ação penal. Em 2011, o ministro Marco Aurélio já havia concedido liminar para suspender a ação penal até que o mérito do pedido fosse analisado.

A denúncia foi aceita em primeiro grau. Em recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, o advogado Alberto Zacharias Toron, que promoveu a defesa de Lino Júnior em nome do Conselho Federal da OAB, alegou que o advogado nunca defendeu aqueles que, segundo o juiz de primeira instância, teriam sido prejudicados — o que é imprescindível para tipificação do crime. Toron também argumentou que mesmo que Lino Júnior fosse advogados dos réus, ele teria somente orientado os réus a permanecerem em silêncio, o que lhes era de direito e, em muito casos, constitui estratégia de defesa. Por maioria, o TRF-1 trancou a ação penal quanto ao crime de corrupção de testemunha, mas não a ação quanto a acusação de patrocínio infiel.

Contra a decisão, foi impetrado novo Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, que por maioria manteve a ação penal. A 5ª Turma do STJ concluiu que o trancamento da ação penal mostra-se excepcional, somente sendo admissível quando patente no processo, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, hipóteses não evidenciadas.

No Supremo Tribunal Federal, o advogado Toron apresentou novo Habeas Corpus, reforçando sua argumentação.

Em seu voto, o ministro Marco Aurélio conta que as explicações dadas pelo juiz de primeiro grau revelam a insubsistência da peça acusatória. De acordo com as informações solicitadas pelo STF, em nenhum momento algum o advogado foi credenciado pelos acusados em relação aos quais se diz que teria faltado com a dedicação própria. Para Marco Aurélio, artigo 355 do Código Penal é objetivo, afirmando que incide na prática criminosa quem trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado.

“Não se pode, na espécie, conforme as informações prestadas, ante a ausência de instrumento de mandato constituindo o paciente representante técnico dos réus Romildo Faustino Veloso e Antônio Carlos Bezerra Araújo ou de ata da qual conste esse mesmo credenciamento, artigo 266 do Código de Processo Penal, como concluir quer pelo patrocínio infiel, quer pelo patrocínio simultâneo ou tergiversação, previstos no artigo 355 do Código Penal”, conclui.

Ao acompanhar o voto do relator, o ministro Luiz Fux destacou que, como bem destacado da tribuna pelo advogado Alberto Toron, o patrocínio infiel demanda necessariamente, como elemento do tipo, que o advogado traga um prejuízo para o cliente. Fux foi além e afirmou que este é um caso típico de crime impossível porque há uma infeficácia do meio.

”O advogado dizer para o réu que ele pode ficar em silêncio é algo — digamos assim — óbvio, porque ele tem o direito ao silêncio. E o direito de não falar a verdade é um consectário do direito ao silêncio; e réu não comete crime de falso testemunho. Então, que prejuízo poderia trazer o advogado ao réu de cometer uma conduta que é absolutamente atípica? Então, é exatamente porque a conduta é atípica. Nos casos de conduta atípica, flagrantemente atípica, entendo que seja possível nós, que não temos o hábito, trancarmos a ação penal”, concluiu Fux.

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