Chance perdida

Novo CPC deve adotar processo eletrônico ultrapassado

Autor

8 de agosto de 2013, 18h16

Pela primeira vez na história de nosso país, teremos um Código de Processo Civil a ser promulgado em um regime democrático. Diversas audiências públicas foram realizadas e muitas inovações se apresentam no novo CPC. A comissão de juristas do Senado foi formada e o desenho de um código democrático se concluiu.

Sem dúvida, inovações se apresentam. Um processo constitucional, como se anunciam nos primeiros artigos. Um processo cooperativo, desde muito esperado, primando pela boa-fé. O art. 1º do CPC nos aponta a constitucionalização: “O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.” E sem contar a preocupação das comissões especiais no que tange ao desenvolvimento do novo sistema, com ampla participação popular. Um CPC democrático!

Contudo, em relação à informatização judicial do processo, em quase nada avançou ou inovou o CPC. O texto é referendado, por diversas vezes, quando se trata de processo eletrônico, com a expressão: “nos termos da lei”. Ou seja, além de uma repetição da Lei 11.419/2006, na qual encontramos diversos problemas, o novo CPC remete à ela a solução não trazida no texto legal.

Apesar da primeira reunião da comissão de juristas do Senado ter aprovado que se iria “adequar o Novo Código de Processo Civil à lei referente ao processo eletrônico, compatibilizando a comunicação dos atos processuais com o novel sistema moderno”, o certo é que nada se viu a respeito. Desta primeira reunião vale destacar o debate inicial entre o ministro Luiz Fux e a professora Teresa Arruda Wambier.

O ministro Luiz Fuz afirma que “está bem. Está bem. Mais alguma coisa? Eu estou com a parte geral, mas eu só tenho aqui uma coisa que é da parte geral, não é processo de conhecimento, é parte geral. Seria o seguinte… Dois aspectos. O primeiro deles eu acho mais simples. Eu acho que nós temos que compatibilizar essa parte da comunicação dos atos processuais com o processo eletrônico. Tem que compatibilizar isso.

A professora Teresa Arruda Alvim Wambier diz que “e a gente vai ter que ter um amicus curiae aqui. Na hora de redigir a gente vai ter que ter uns amicus curiaes”. Fux pontua “os eletrônicos”, e a professora destaca que “quer dizer, alguém que entenda de processo eletrônico para dizer: “Não, isso aqui não vai dar certo.”

Sem qualquer dúvida, seria de grande importância que os pesquisadores na área do processo eletrônico fossem ouvidos. Percebe-se, ademais, na primeira reunião da comissão de juristas, que o processo eletrônico trata, apenas, de atos de comunicação. Mas é certo, todavia, que a questão vai mais além. E assim bem destacou Elpído Donizeti, na terceira reunião da Comissão: “o processo eletrônico.

Achei que devesse ser a hora e gastei dias com isso, trazendo da Lei 11.419, embora eu não seja técnico nesse assunto, mas tenho alguma formação, lá vindo da minha faculdade de engenharia elétrica, que estudei um pouco disso, trouxe o processo eletrônico, ali, precariamente, com a exiguidade do tempo, para dentro do Código. Também a Professora Teresa achou por bem decotar, achou que deveria ouvir um técnico. Mas, antes de ouvir um técnico, devemos ouvir os juristas sobre isso.”

A questão, não duvido, é jurídica. Jurídica processual. E não informática!

Debateu-se, ainda, na primeira reunião, o recurso de agravo. E, sem dúvida, seria um ótimo exemplo de formação do agravo por hipertexto, ou, seja, indicando-se os documentos que se encontram nos autos eletrônicos, sem necessidade de formação do instrumento. Até mesmo porque, não há como dizer que o processo eletrônico não seja uma realidade.

Seria, também, premente tratar da questão relativa ao art. 18 da Lei 11.419. Impedir a regulamentação por órgãos do Poder Judiciário. O CPC pode – e entendo que deva – regulamentar a informatização, a fim de impedir, dentre outros problemas, o que resolveu se denominar Torre de Babel informatizada. Cada Tribunal regulamentando a prática do ato processual, chegando ao extremo de, por exemplo, modificar procedimentos e prazos.

Seja no Juizado Especial, seja no rito sumário, o prazo para oferta da contestação é no ato da audiência. Contudo, no processo eletrônico, por disposição de vários tribunais, o prazo é antes da audiência. Modifica-se o procedimento, modifica-se o prazo, e, em suma, viola-se o art. 22, I, da Constituição.

Na Câmara, por outro lado, em 14 de dezembro de 2011, uma audiência pública, especificamente para tratar do processo eletrônico, foi organizada[1]. E, nela, debateram-se diversos pontos, sendo dois de importância, como a publicidade no processo eletrônico e a necessidade de impedir diversos tribunais disciplinando-o.

Problemas relativo aos prazos poderiam ser solucionados. Da análise dos textos produzidos no Senado e na Câmara, observam-se os erros da Lei 11.419. Intimação ficta, desnecessidade de publicação no Diário da Justiça, dentre tantos outros problemas, como o já narrado em relação à audiência. A publicidade excessiva, também é um problema que deveria ser enfrentado. Deve-se destacar que o texto do Senado, neste ponto, é mais coerente com a sistemática que aquele produzido na Câmara.

E chegamos ao ponto do ativismo, criticado neste veículo de comunicação por Nelson Nery Junior[2]. Sim, porque deixar que os juízes regulamentem o que passaram a entender por “uma nova ordem processual”, estamos vivenciando dias em que o art. 191 do atual CPC encontra-se revogado por decisões de alguns tribunais. E o próprio CNJ admite que o artigo está em desuso[3].

Os juízes passam a produzir provas, em violação total ao contraditório, que, por sua vez, é bem desenhado no novo CPC, em seu art. 7º: “É assegurada às partes paridade de tratamento no curso do processo, competindo ao juiz velar pelo efetivo contraditório.” Contudo, com base no “princípio da conexão”, há casos em que se inserem provas nos autos sem que as partes tenha oportunidade de se manifestar sobre as mesmas. E, diante do princípio, que encontra equívoco em sua denominação, o juiz deixa de ser o receptor da prova, para ser produtor da prova.

São distorções pragmáticas que deveriam ser pensadas.

Produção de prova pelo juiz, por exemplo, é algo que possamos conceber como atividade jurisdicional? Admito que não. Ao juiz não compete produzir a prova, sob pena de retirar das partes a paridade de armas no processo.

Certo, contudo, que não pode o CPC ser pragmático a este ponto, mas diante do que se propaga, como se o processo eletrônico modificasse o pensamento jurídico, como se fosse – e parece que está sendo – a panaceia, um modelo processual para os atos eletrônicos mereceria seu capítulo próprio.

O fato de se permitir que órgãos do Judiciário regulamentem a norma não me parece ser o mais grave, ainda que seja! O mais grave é como regulamentam. E, ainda, como “pensam” um novo processo, sendo tudo possível e ao juiz tudo possível. Excesso de poder, além do poder já permitido no CPC.

Lamento, neste momento, o desprezo das pesquisas acadêmicas.

Lamento, ainda, a falta de atenção com a matéria. Lamento, também, que a audiência pública de 14 de dezembro de 2011, na Câmara dos Deputados, para tratar da matéria, tenha sido em vão.

Sem dúvida, são novos tempos. Não duvido que a Internet – e admito isto saudável – tenha produzido uma revolução do pensamento. Que a Internet produz conhecimento, ao mesmo passo em que reduz a busca pelo conhecimento. São fenômenos sociológicos, sim. Manifestações e gritos de liberdade se propagam em nano segundos. Mas até que ponto se pode transpassar esta ideia para o processo?

Vamos admitir, então, que a informatização é apenas uma sucessão de atos processuais meramente eletrônicos? Ou vamos conceber o processo como tal e com novos conceitos?

A inserção da seção relativa aos atos processuais praticados por meios eletrônicos deixa claro que o processo eletrônico não existe. O que se admite é uma sucessão de atos. Então, poderíamos dizer que é um procedimento? Mas também não se modifica a procedimentalidade no processo. Metaprocedimental? Começo a admitir que a tese dos professores Luiz Wambier, Teresa Wambier e José Miguel Garcia Medina, seja a mais coerente no cenário que se desenha no CPC, em relação ao processo eletrônico.

Mas é preciso avançar. E avançar para que não sejamos surpreendidos com decisões que indeferem a inicial porque a mesma possui mais de oito páginas[4]. É preciso avançarmos para não permitir que o juiz produza a prova.

O conteúdo da decisão que limita a inicial nos faz pensar se, realmente, a ideia de um processo dito digital, modifica, tanto, a norma e a garantia constitucional? Sim, porque estamos diante de norma de natureza processual (arts. 282 e 283 do CPC) e somente à União compete legislar sobre norma processual. Mas, mesmo assim, estamos esquecendo que o momento seria o de regulamentar no CPC a informatização judicial.

Outras preocupações me deixam insatisfeitos com o descaso e dou-me a liberdade de não escrever com cientificidade. Sim, porque não estão tratando cientificamente uma ciência processual moderna.

Sem contar, claro, com a preocupação em relação à publicidade excessiva. Mas, admito, são questionamentos que poderão vir à tona em outro momento.

Por enquanto, admito que estas linhas, por si, provoquem uma mudança no pensamento em relação ao novo código. E, por certo, que haja uma limitação quanto ao poder imaginário que se traz com a informatização. Por certo, a ciência processual não se modificou. Não com a informatização. Mas é preciso que o novo CPC se adeque à informatização, para que não fique à mercê de “novos conceitos”.

[1] Estiveram presentes: Claudio S. de Lucena Neto, diretor do Centro de Ciências Jurídicas do Dep. de Direito Privado da Universidade Estadual da Paraíba; membro do Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais e Tecnologias de Informação e Comunicação do CCJ/UEPB; José Carlos de Araújo Almeida Filho, presidente do IBDE – Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico; Mauro Leonardo de Brito Albuquerque Cunha, especialista em Direito das Telecomunicações pela Universidade de Montreal, mestre em Ciência da Informação pela UFBA, conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito e Política da Informática (IBDI); Adriana Simeão, especialista em Tecnologia da Informação, em Controle Externo e Interno da Administração Pública e analista judiciária especializada do Tribunal Regional do Trabalho da 14º Região, e Marcelo Weick, advogado e doutorando em governança eletrônica

[2] http://www.conjur.com.br/2013-ago-04/entrevista-nelson-nery-junior-professor-advogado-parecerista

[3] http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/sistemas/processo-judicial-eletronico-pje/o-sistema

[4] "Vistos. O novo processo digital exige nova conduta dos defensores. A inicial deve limitar-se a descrever os fatos e pedidos, de modo claro e reduzido. Não faz sentido uma inicial com inúmeras páginas, repleta de transcrições de doutrina ou jurisprudência que se encontra na internet, e textos padronizados utilizados em todas as iniciais em causas da espécie, sem contar expressões de lamúria e desespero, que exigem do juiz tempo para localizar as partes importantes e indispensáveis. Não há necessidade de uso de recursos gráficos ou malabarismos para chamar a atenção do julgador. O que se exige é concisão, clareza e objetividade. Do exposto, determino ao defensor que reduza a inicial ao máximo de oito páginas, declinando de modo claro os fatos, o pedido e seu fundamento jurídico. A antecipação de tutela (ou eventual cautelar incidental) deve ser o primeiro pedido."

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!