União por interesse

Casamento não tem prazo de validade

Autor

  • Jones Figueirêdo Alves

    é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

1 de agosto de 2013, 7h00

Por pressuposto, o casamento (como instituição ou contrato oneroso) não tem vício redibitório (artigo 441, Código Civil), não tem defeitos ocultos, que o tornem inadequado à vida coexistencial do casal. A utilidade do casamento, ou seja, a aptidão ao uso a que se destina o casamento é o amor que unifica o casal no seu projeto de vida. Bem é dizer, então, que o interesse do casamento é a realização comum.

Consabido que o casal é o começo da história humana (Gêneses, 1, 26, 28, 31) e que o princípio da mútua pertença implica na sua razão de existência, tenha-se a tudo isso paradigmático o vínculo que une homem e mulher com o termo amor (Matheus 19, 4s). Na visão paulina, o de “quererem-se entre si, como parte um do outro”. Quem ama sua mulher ama a si mesmo (Efésios 5, 28).

É neste espaço relacional que o casal se reconhece como entidade, a construir a família a partir da eficácia da união. Em menos palavras, na complementaridade um do outro. O casamento perfeito simbolizado na Estrela de David, que é formada por duas estrelas, entrelaçadas entre si mas guardando suas próprias individualidades.

Um Casal Entidade, como símbolo ou protótipo de união idealizada de comunhão de vida, o de vida a sempre.

A relação do casal a ser estabelecida deve ter o ânimo de definitividade. Não deverá ser precária ou provisória. Como o interesse do casamento é o amor que determina a união, desse modo, o par sobreviverá uno, a cada dia novo. E com este Casal Entidade, a própria união (lato sensu) por ele formada. Afinal, somente assim, dignos do Amor do outro, o celebrarão vida a sempre, para que a felicidade os consagrem permanentes perante a vida e o próprio Amor que os unem.

O casal, portanto, é o duo paritário, em amor, direitos e deveres. Afinal, o êxito do casal impõe e compromete o homem e a mulher à conjugação de uma ordem dialogada e permanente de vida a dois. Assim, Deus viu tudo quanto havia feito e achou que estava muito bom (Gênesis 1,31).

Pois bem.

E quando o defeito oculto é imperceptível à diligência ordinária do contraente, induzido a erro por pressupor que o interesse do outro ao casamento seria o do amor e não motivado por interesse financeiro? A constatação superveniente de tal fato produz efeitos jurídicos? Claro que sim. O casamento contraído sob a égide do mero interesse patrimonial caracteriza erro essencial de pessoa, suscetível, portanto, de ser anulado (artigo 1.557 do Cóigo Civil).

O caso da novela Amor à Vida, onde o vilão Thales (Ricardo Tozzi) diz amar a orfã milionária Nicole (Marina Ruy Barbosa) que, em estado terminal de um câncer raro, admite com ele casar-se, de imediato, repete como obra de arte os fatos da vida.

Na vida real, Volmir (35), agricultor de Planalto (RS), “humilde e ingênuo”, em expectativa de receber vultosa Indenização, conheceu Odete (45) em encontro promovido pelo pai dela. Óbvio, daí, que ao encontro premeditado, seguiu-se imediato namoro e união livre, com diretivas de casamento que, também por óbvio, realizou-se rapidamente; certo também que a tanto, celebrou-se, logo ao primeiro mes de namoro, pacto nupcial onde o regime patrimonial eleito foi o da comunhão universal de bens.

Sucedeu, porém, que, um mês depois, Volmir não recebeu o pagamento da esperada indenização e Odete, por óbvio frustrada, abandonou a casa.

Acórdão da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul constitui, agora, o capítulo final da novela real. É o do Processo nº 70052968930/2013, datado de 2 de maio passado, com provimento ao recurso de apelação onde Volmir pretendeu a anulação de seu casamento, indicando que foi induzido a erro a contrair núpcias com Odete, com ele casada por mero interesse econômico.

A decisão do relator, desembargador Luiz Felipe Brasil Santos, acompanhada à unanimidade de seus pares, é paradigmática, a dizer suficientemente evidenciado que “o casamento foi realizado a partir de premissa do amor desinteressado que se gfragilizou rapidamente, e se revelou como puro interesse patrimonial, o que configura erro essencial quanto à pessoa da apelada.” Vale a pena transcrição do acórdão:

“Apelação Cível. Anulação de casamento. Alegação de erro essencial. Sentenhça reformada pela especificidade do caso. Doutrina. Precedentes jurisprudenciais. – O apelante, pessoa de pouca instrução, se viu rapidamente envolvido e, concomitantemente ao momento que conheceu a recorrida, já firmou pacto antenupcial de comunhão universal de bens e, em 30 dias, se casaram. Os fatos que dão causa ao pedido (ingenuidade do varão, ignorância acerca das consequencias da escolha do regime de comunhão universal de bens e alegação de que a mulher pretendia, apenas, aquinhoar seu patrimonio), no caso dos autos, são suficientes para caracterizar hipótese de erro essencial (artigo 1.557 do CCB – erro quanto à honra e boa fama)”.

Efetivamente, este casal é um casal sazonal, onde as esperanças transmudam-se em ilusões, em prazos curtos. Como disse Sinead O´Connor (cantora irlandesa): “Desculpe por não ser uma mulher mais normal” – dirigindo-se ao marido Barry Herridge, no momento da separação de ambos. Um casamento de apenas dezoito dias, embora não tenha sido contraído por razões econômicas.

Mas não é só. A decisão gaúcha faz demonstrar também factível a possibilidade material de vício de consentimento em estipulações do pacto antenupcial de bens. Isto porque, como contrato de definição do regime patrimonial, é anulável o negócio jurídico quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial (artigo 138, Código Civil); constituindo o erro sustancial o erro de fato por recair sobre circunstancia de fato, ou mais precisamente, “sobre as qualidades essenciais da pessoa ou da coisa”.

Como visto, os Thales e Odetes, vilões de novela e da vida, por certo, não ficam incólumes, ao fim e ao cabo dos casamentos de interesses.

Afinal, o casamento, “antes obrigatório, agora uma opção cultural” (Andrew Cherlin, 2008), será sempre uma instituição fundada pela idéia de infinitude dos casais que a formam; não tem prazo de validade. Por inequívoco, a fenomenologia do casal, em todos os tempos, indica que o único interesse do casamento deverá ser, sempre, o da celebração da vida feita a dois, unidos por amor.

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    é desembargador decano do Tribunal de Justiça de Pernambuco, diretor nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e coordenador da Comissão de Magistratura de Família. Autor de obras jurídicas de direito civil e processo civil. Integra a Academia Pernambucana de Letras Jurídicas (APLJ).

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