Correspondente bancário

Lei de segurança para banco não se aplica a Banco Postal

Autor

  • Gustavo Esperança Vieira

    é advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos Gerente Corporativo na área de Contencioso Cível/GCCI da ECT Professor Universitário (UDF) Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (Univem).

1 de agosto de 2013, 6h26

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é empresa pública criada pelo Decreto-Lei 509/69, com capital constituído integralmente pela União Federal (artigo 6º), gozando de privilégios equivalentes aos da Fazenda Pública (artigo 12º).

As agências de Correios compreendem unidades da rede de atendimento ao público da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, de prestação de serviço postal (Lei 6.538/78), mantido pela União, conforme o inciso X do artigo 21 da Constituição Federal.

Os Correios também fazem atendimento bancário, por meio de uma parceria com o Banco do Brasil. A premissa básica da parceria consiste na inclusão bancária de milhões de brasileiros (artigo 193, da Constituição — no que pertine ao bem estar da sociedade, principalmente, carente) e não na obtenção de lucro em decorrência do exercício de atividade bancária.

Os Correios, não obstante efetue operações bancárias básicas, em virtude do programa denominado “Banco Postal”, tem por objetivo precípuo a prestação do serviço postal.

O atendimento bancário básico que é prestado, por meio de suas Agências de Correios, que também são serviço público, foi criado com a finalidade de proporcionar à população maior acesso aos serviços bancários, diferentemente de entidades bancárias, onde a finalidade é sempre o lucro.

Cabe destacar que os Correios não estão autorizados a realizar todas as operações bancárias, mas apenas as mais singelas, e sempre em nome do banco contratante, serviço esse que abrange tão-só a recepção e encaminhamento de abertura de contas, recebimento de pagamentos, recepção e encaminhamento de pedidos de empréstimos e de financiamentos e execução de cobrança de títulos.

Destaque-se, ainda, que os clientes continuam pertencendo à instituição financeira e o correspondente, no caso a Empresa Brasileir de Correios e Telégrafos, não negocia créditos, não aplica os recursos que capta, não empresta dinheiro, não guarda valores. Apenas funciona como um canal de distribuição, executando atividades meramente auxiliares e secundárias. Repise-se que as Agências de Correios passaram a agregar pequenas funções bancárias, pois os respectivos serviços bancários são apenas periféricos.

Para melhor compreensão da matéria, segue um breve relato do histórico dessa prestação de serviços:

O Banco Central, por meio da Resolução 2.707/2000, e como parte do Programa Nacional de Desburocratização, facultou aos bancos múltiplos com carteira comercial, aos bancos comerciais e à Caixa Econômica Federal a contratação de empresas para o desempenho das funções de correspondentes bancários.

Assim, tendo por fundamento referida resolução, o Ministério das Comunicações, através da Portaria 588, de 04 de outubro de 2000, instituiu o Serviço Financeiro Postal Especial, denominado “Banco Postal”, autorizando a utilização de rede de atendimento dos Correios para prestação de serviços bancários básicos, como correspondente bancário.

Por oportuno, ressalta-se que a citada resolução do Banco Central foi revogada, vigorando atualmente a Resolução 3.110/2003, que alterou e consolidou as normas que dispõem sobre a contratação de correspondentes no país.

Da leitura dos dispositivos da referida Resolução, verifica-se que os correspondentes bancários não estão autorizados a exercer atividades privativas de uma instituição financeira, mas apenas serviços básicos.

Partindo dessa idéia, não parece razoável que o exercício de atividades básicas por parte dos Correios tenha o condão de torná-la instituição financeira e, em consequência, possibilitar a exigência de segurança indispensável a agências bancárias.

É incontroverso que a atividade precípua e preponderante exercida pelos Correios é o serviço postal, nos termos do artigo 7º da Lei 6.538/78.

Outrossim, de acordo com a Lei 4.595/64 em seu artigo 17, são consideradas instituição financeira “as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros”.

Por seu turno, os Correios, na condição de correspondente bancário, não exerce as atividades privativas de uma instituição financeira, mas apenas serviços básicos, nos termos do citado artigo 1º da resolução Banco Central 3.110/2003.

Ressalta-se, ainda, que o Banco Central, no intuito de evitar um possível enquadramento dos correspondentes bancários como instituição financeira, expressamente vedou o exercício, por parte daqueles, das atividades privativas da segunda. É o que se extrai do artigo 5º da Resolução 3.110/2003, in verbis:

“Art. 5º As empresas contratadas para a prestação de serviços de correspondente, nos termos desta resolução estão sujeitas às penalidades previstas no art. 44, § 7º, da Lei 4.595, de 1964, caso venham a praticar, por sua própria conta e ordem, operações privativas das instituições referidas no art. 1º.”

Tanto o TRF da 1ª Região quanto o TRF da 4ª Região já decidiram que a Lei 7.102/83 não se aplica às agências dos Correios, conforme se extrai dos seguintes julgados (AC 2001.41.000011601. TRF 1ª Região. Rel. Desembargador Federal João Batista Moreira. Órgão Julgador: Quinta Turma, Fonte: e-DJF1 data: 17/12/2009 P:276; TRF – 1ª Região, AG 200601000321672, Rel. Desembargadora Federal Maria Isabel Gallotti Rodrigues, DJ: 03/09/2007 P. 184; TRF da 4a Região, AI n.º 2001.04.01.071030-2/RS, Des. Fed. Valdemar Capeletti, julg. 29.11.01).

Destarte, tratando-se a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos de Correspondente Bancário, consoante o disposto em toda normatização que cria e disciplina o Serviço Financeiro denominado Banco Postal, não há que se falar na aplicação das disposições da Lei 7.102/83.

Nesse diapasão, é de se ver que não há amparo jurídico para as pretensões de imputar aos Correios, na atividade de correspondente bancário, o regramento legal relativo às instituições financeiras, por falta de substrato legal que assim o preveja.

Os Correios como correspondente bancário e a sua finalidade social — não há base legal para obrigar os Correios a se adequar às normas de segurança dispostas na Lei 7.102/83.

As agências dos Correios efetivamente nunca foram instituições financeiras e não passaram a ser em decorrência da edição da Portaria 588/2000/MC. A atividade precípua dos Correios é a prestação de serviços postais.

O que o Banco Central fez ao criar a figura do correspondente bancário (Resolução 2.707/2002) foi promover a realização de parcerias, ou seja, facultando aos bancos múltiplos, comerciais e caixas econômicas a contratação de empresas para desempenho das funções de correspondente bancário, permitindo-se a oferta de produtos e serviços bancários através de segmentos não financeiros.

Por se tratar de programa prestado por estabelecimentos não financeiros, os correspondentes não foram autorizados a realizar todas as operações bancárias, mas apenas as mais singelas, motivo pelo qual não podem ser considerados como instituições financeiras.

O Ministério das Comunicações criou o Banco Postal (atualmente correspondente bancário do Banco do Brasil), utilizando-se da estrutura já existente dos Correios para fazer chegar serviços bancários básicos a centenas de cidades que até então não dispunham de agências bancárias e até mesmo de simples postos de atendimento.

O Banco Postal caracteriza-se pela utilização da rede de atendimento dos Correios, para a prestação de serviços bancários básicos, em todo o território nacional. Os Correios atuam como correspondente da instituição financeira contratante.

O Banco Postal é um serviço de grande alcance social. No Brasil, até março de 2002, nada menos que 1.750 municípios não dispunham de agências bancárias. Com o Banco Postal, 1.675 desses municípios já foram atendidos.

A revista IstoÉ Independente (edição 1.783, datada de 03.12.2003) publicou artigo intitulado “O Carteiro e o Banqueiro” destacando o lado social do Banco Postal. Frise-se, portanto, que a premissa básica de tal parceria, consiste na inclusão bancária de milhões de brasileiros.

Sob esta ótica, os Correios não é uma instituição financeira, portanto, ela não deve ser obrigada a arcar com os altos custos de implementação de segurança em todas as suas agências, nos mesmos moldes das instituições bancárias.

Não há base legal para compelir uma empresa pública, que, como consignado, não é (e nem atua precipuamente como) instituição financeira, a dotar suas agências das normas de segurança dispostas na Lei 7.102/83.

Noutro aspecto, também não se pode olvidar que a Constituição Federal, em seu artigo 144 caracteriza a segurança pública como “dever do estado”.

O próprio Banco Central do Brasil já afirmou que a Lei 7.102/83 não alcança as empresas contratadas pelas instituições financeiras, por uma única razão: os bancos postais e as agências lotéricas conveniadas não são instituições financeiras.

É oportuno registrar que não se está pregando aqui que os usuários de serviço não tenham direito à segurança. Longe disso. Tampouco há dúvida quanto à importância de se adotar medidas de segurança desde que específicas aos correspondentes bancários.

O que importa é estabelecer obrigações com a devida correspondência legal (princípio da legalidade).

Assim, o Poder Executivo deverá estabelecer os requisitos próprios de segurança para os correspondentes bancários considerando a reduzida circulação financeira destes (Banco Postal e Casas Lotéricas[1]).

Para os correspondentes bancários é inviável a contratação de dois vigilantes por estabelecimento, conforme previsto no “caput” do artigo 2º da Lei 7.102/83 e a instalação de portas giratórias, em particular diante da realidade destes estabelecimentos, em regra de pequeno porte, de rentabilidade baixa e sem possibilidade de buscarem outras fontes alternativas para aumento do faturamento mensal, haja vista que atuam por contrato e segundo as tarifas pré-fixadas.

Desta forma, não pode o Poder Judiciário impor aos Correios, obrigação de fazer não prevista em lei, pois nos termos do inciso II, do artigo 5º da Lei Maior, “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. A Lei 7.102/83 é aplicável tão somente às instituições financeiras, o que não é o caso dos Correios.

Por outro lado, a Administração Pública encontra-se obrigada à observância dos princípios constitucionais previstos no caput do artigo 37 da Carta Magna.

Diante disso, manifesta, é a contrariedade ao dispositivo do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, porquanto qualquer obrigação imposta aos Correios se apresenta como ordem sem o devido respaldo legal, já que não há regra que obrigue os Correios a fazer, ou seja, a revestir as suas Agências de vigilância intensiva e integral e de mecanismos e sistemas anti-roubos de última geração, próprios de instituições financeiras.

Celso Antônio Bandeira de Mello[2], afirma que o referido princípio é ínsito ao Estado Democrático de Direito: "Expressa-se, assim, sucintamente, que nele rege, com indiscutido império, o princípio da legalidade em sua inteireza, isto é, no rigor de seus fundamentos e de todas as suas implicações".

Luis Roberto Barroso[3], quanto a tais postulados, aduz que: "O Estado de Direito, desde suas origens históricas, evolve associado ao princípio da legalidade, ao primado da lei, idealmente concebida como ‘expressão da vontade geral institucionalizada`.

Há de se verificar que qualquer determinação judicial contra os Correios não se apóia em nenhuma regra jurídica que discrimine quais medidas de segurança são equilibradamente indispensáveis e factíveis (haja vista a realidade social e econômica do país) no ambiente das Agências Públicas dos Correios.

É, pois, evidente que o Poder Judiciário não pode contrariar o contido no artigo 37, caput, da Constituição Federal, considerando que nos moldes da organização estatal brasileira, a Empresa Brasileira de Correios e Télgrafos trata-se de empresa pública, integrante da Administração indireta da União, prestadora de serviço público postal, e está submetida integralmente à norma do artigo 37, caput, da Constituição Federal, o qual ordena a observância, dentre outros, do princípio administrativo da legalidade, que conduz o ente público a só agir consoante os parâmetros legais.

Ademais, a afronta ao princípio da Legalidade atinge o próprio Estado Democrático de Direito.

Certo é que o inc. XXXV, do art. 5º da Lei Maior, dispõe ainda que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Assim, considere-se que caso haja decisão judicial obrigando os Correios a adotar as medidas de segurança previstas na Lei 7.102/83 perpetrar-se-á inconstitucionalidade, uma vez que a administração pública só pode se obrigar nos exatos termos da lei.

Ora, não pode o Poder Judiciário impor blindagem a toda a sociedade, quando o sistema de segurança pública que deve ser prestado pelo Estado encontra-se falho.

Ademais, vale ressaltar que os Correios não está sendo omisso quanto à manutenção de aparato de segurança nas suas agências para proteção de seus empregados, clientes e bens públicos, tendo em vista que está instalando: sistema de alarme monitorado; sistema de imagem (CFTV) que possibilita a identificação dos assaltantes; cofre com fechadura eletrônica de retardo, etc.

Desta forma, qualquer decisão judicial que obrigue os Correios a adotar as medidas de segurança previstas na Lei 7.102/83 criará precedente de em breve obrigar-se ônibus, farmácias, supermercados e todos os demais setores da sociedade a utilizarem portas giratórias com detector de metais, contratarem dois vigilantes com porte de arma, porque o Estado está falido em relação à Segurança Pública (artigo 144 da CF).

Além de todos estes aspectos, não se pode desconsiderar que, a vingar a tese da aplicabilidade da Lei 7.102/83 aos correspondentes bancários (contratação de dois vigilantes armados; instalação de portas giratórias), há sério risco de inviabilizar-se a atividade nas pequenas/médias comunidades, onde inexistem agências bancárias e a carência de recursos da população inviabiliza o acesso aos grandes centros (artigo 170, VII e 193, ambos, da CF).

Ora, a autorização conferida aos bancos para que contratassem correspondentes bancários — empresas para a prestação de alguns dos serviços inerentes às instituições bancárias — tiveram por finalidade precípua justamente facilitar o acesso da população, especialmente a de baixa renda, aos produtos e serviços do sistema financeiro nacional, nas localidades que não disponham de agências bancárias instaladas.

Essa é a essência da Resolução 2.707/2000 (alterada pela Resolução 4.035/2011) do Banco Central do Brasil, que autoriza a contratação de correspondentes nacionais e traça as limitações operacionais das atividades por eles prestadas.

Com efeito, notável a importância do serviço para os pequenos municípios, já que impulsiona a economia local, contribuindo para a criação de pequenos empreendimentos, novos empregos e para a integração de pessoas que nunca tiveram acesso a qualquer atividade bancária.


[1] Vide interessante julgado do STJ: REsp. 1.317.472-RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 05.3.2013.

[2] Celso Antonio Bandeira de Mello Revista de Direito Público 96, página 42.

[3] Luis Roberto Barroso, Princípio da Legalidade, Delegações Legislativas, Poder Regulamentar, Repartição Constitucional das Competências Legislativas, artigo extraído do site Infojus, www.infojus.com.br

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    é advogado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, Gerente Corporativo na área de Contencioso Cível/GCCI da ECT, Professor Universitário (UDF), Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE) e Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (Univem).

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