Os livros da vida do ministro Luis Felipe Salomão
30 de abril de 2013, 13h13
A descoberta do prazer da leitura, na adolescência, me levou direto aos clássicos. Nesse primeiro momento, ela esteve ligada à descoberta de uma perspectiva maior da vida, quando comecei a sentir a necessidade de ver o mundo além da família e dos vizinhos, bem além do muro do cotidiano, e percebi que ele tinha extensão, era mais amplo e muito mais dinâmico. Os livros eram o caminho natural para saciar essa curiosidade, até porque, em casa, meu pai era um leitor recorrente. Lembro que, no começo, pegava livros emprestados da biblioteca dele. Depois, passei a adquirir aquelas edições de bolso da Ediouro, até, mais tarde, ter condições de comprar obras mais completas.
Livros de geração
Assim que ingressei na faculdade, uma obra marcante foi o livro de contos A justiça dos homens, de Anatole France. No início do curso de Direito, entrei em contato com livros que marcaram a minha geração, como As veias abertas da América Latina, de Eduardo Galeano, Os donos do poder, de Raimundo Faoro, e Coronelismo, enxada e voto, de Vitor Nunes Leal, ministro do Supremo Tribunal Federal cassado pela ditadura militar.
Outros livros importantes na minha formação foram aqueles que tratam da Filosofia do Direito. A introdução ao estudo do Direito, de Miguel Reale, eu considero fenomenal porque nele o autor esboça a Teoria Tridimensional do Direito, hoje reconhecida no mundo todo: “Direito é fato, norma e valor”. A obra Introdução sobre os sistemas de Direito, de Michael Meale, também é um clássico francês que trata sobre os principais sistemas jurídicos do mundo. Mais recentemente, li Justiça para Ouriços, de Ronald Dworkin, que adquiri em Portugal.
Vale, aqui, um parêntese: a leitura não me revelou, particularmente, a vocação profissional, porque na verdade eu sempre me inclinei para a área jurídica. Desde pequeno queria ser juiz. Sempre tive essa inclinação, o que é curioso, porque meu pai é advogado há cerca de 60 anos, e tinha tudo para seguir sua trilha na advocacia liberal. Porém, foi grande a influência de meu irmão Paulo Cesar Salomão, falecido prematuramente — os escolhidos pelos deuses morrem jovens —, um grande magistrado.
Esses títulos todos foram o estopim de uma visão mais generosa e humana, abrindo-me a porta para uma mudança de comportamento, assegurando-me a passagem da adolescência para a vida adulta, servindo-me como uma ponte segura para a ampliação da minha “visão de mundo”. Foi o conjunto dessas obras, portanto, que me permitiu aprofundar um pouco mais: depois desses livros introdutórios, mais os de cabeceira da faculdade, o gosto pela leitura se consolidou.
Biografias e HistóriaAs biografias encheriam uma estante à parte, com destaque para Chatô, o rei do Brasil e Olga, de Fernando Morais, O anjo pornográfico, de Ruy Castro, e Getúlio, de Juremir Machado da Silva. Sem falar na fenomenal série As ilusões armadas, do Elio Gaspari, sobre a ditadura militar.
Ainda durante o tempo da faculdade, veio o mergulho na literatura de Gabriel García Márquez, de quem li a obra completa. Acredito que o autor de O amor nos tempos do cólera consegue, em seus romances, novelas e contos, traduzir o sentimento sul-americano, com uma sabedoria particular para revelar a alma que une a todos nós, independentemente da língua. A Casa dos Espíritos, de Isabel Allende, é um “livraço”, muito próximo do realismo fantástico de García Márquez. Aqui no Brasil, eu gosto muito da obra de Rubem Fonseca. Além dos contos e de Bufo & Spallanzani, destaco Agosto, para mim o melhor dele. A mistura de história e ficção, com a descrição do Rio de Janeiro durante a passagem da década de ouro (anos 1950), é realmente marcante.
Voltei a ler recentemente Ana Maria Machado. Gostei bastante de Infâmia — o romance cria um suspense, desenvolvendo tramas paralelas, tendo como pano de fundo a injustiça e a propalação da notícia indevida, por meio de distorções e calúnias.No terreno da História, li e recomendo a coleção francesa História da vida privada e os livros-reportagem de Laurentino Gomes 1808 e 1822. O romance histórico Boca do inferno, da escritora Ana Miranda, foi uma leitura inesquecível, assim como os personagens reais, Padre Antonio Vieira e o poeta Gregório de Mattos, na Salvador do século XVII, então capital do Brasil. Dela também gostei muito de O retrato do Rei.
Voltando à literatura estrangeira, não poderia deixar de mencionar Os enamoramentos, do espanhol Javier Marías. Nesse romance, o autor estabelece um debate sobre moral e ética tendo como pano de fundo uma história de amor.
Costumo reler, com frequência, os livros que gostei e os que precisam de certa meditação. Minha última releitura foi o romance Silêncio em outubro, do dinamarquês Jens Christian Grondhal. Espetacular.
Ponto de equilíbrio
Atualmente, tenho três livros na mesa de cabeceira: Os pilares da Terra, de Ken Follet, indicação do vice-presidente da República Michel Temer, que, além de grande constitucionalista, é um leitor voraz; 1565 — enquanto o Brasil nascia, do jornalista Pedro Dória; e Civilização, de Niall Ferguson — este último explica como a civilização ocidental conseguiu prevalecer sobre a Oriental com o passar dos séculos, a despeito de a princípio ter sido bem inferior.
Costumo fuçar o site Estante virtual — http://www.estantevirtual.com.br —, que reúne sebos do Brasil inteiro. Através dele, não só compro muitos livros, como também descubro novos autores. Uma descoberta recente foi o peruano Santiago Roncagliolo, autor dos romances Abril vermelho e A quarta espada, que abordam a história do grupo guerrilheiro Sendero Luminoso e de seu líder, hoje preso, Abimael Guzmán.
Creio que os livros são muito importantes para quem julga, pois formam a cultura humanística, fundamental para qualquer julgador. Porém, cada aspecto da leitura tem uma tarefa: a função do livro técnico é insubstituível.
Sem dúvida, é importantíssimo que o juiz não dedique seu tempo de leitura apenas aos livros técnicos/jurídicos, que ele não fique só na dogmática. Aqueles que atuam no mundo jurídico buscam entender um pouco como a “alma” humana funciona, e para isso é essencial a Literatura, a História e a Psicanálise. É isso que vai moldando a base cultural a partir da qual o juiz decidirá sobre as grandes questões.
No entanto, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio: a base cultural sem a doutrina é nada, assim como a parte técnica sem o lado humano também não é nada. Afinal, esses elementos devem se conjugar.
Quando entro numa livraria, uma das coisas que mais gosto de fazer é passear, perder umas duas horas lá dentro, vendo os lançamentos, as novas edições. Mas quando saio, me ocorre um sentimento de grande frustração, pois percebo que a gente não vai conseguir ler tudo o que quer, não haverá tempo numa vida para saciar tanta curiosidade, de vencer a leitura de assuntos tão interessantes que surgem a cada minuto. Meu sonho de consumo talvez fosse parar tudo para poder apenas ficar lendo e estudando, acumulando mais conhecimento…
A geração mais jovem tem muitas virtudes, mas o hábito da leitura foi se perdendo com o tempo, por conta da vida moderna e suas tecnologias. Mas eu ainda acho que aqueles que conseguem manter esse hábito têm uma vantagem enorme sobre os demais.
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