Crescimento desproporcional

'Congestionamento exige criação de novos tribunais'

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28 de abril de 2013, 8h12

Spacca
Caricatura Nino Toldo - 21/05/2012 [Spacca]A ampliação do segundo grau de jurisdição da Justiça Federal é uma necessidade já há bastante tempo. Segundo números da Associação dos Juízes Federais do Brasil, nas Justiças do Trabalho e estadual, há 5,5 juízes para cada desembargador. Porém, na Justiça Federal, esse número sobe para nove juízes por desembargador, o que torna o segundo grau um funil de processos. Por isso, embora as opiniões sobre a necessidade de novos tribunais regionais federais sejam divergentes, para o presidente da Ajufe e mais novo desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Nino Oliveira Toldo, a necessidade é imediata. “Os desembargadores na Justiça Federal têm muito mais volume de trabalho, o que leva a um congestionamento da segunda instância”, disse em entrevista concedida à ConJur

A criação de novos tribunais recebeu críticas do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, durante encontro, no dia 8 de abril, com representantes da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e da própria Ajufe. O motivo da reunião era iniciar um diálogo com o STF, além de discutir a valorização do Judiciário. Porém, a conversa não aconteceu. Joaquim Barbosa definiu como pauta única do encontro —acompanhado pela imprensa, a convite — atribuir às associações a "aprovação sorrateira" da Proposta de Emenda Constitucional 544, que criou quatro novos TRFs e já tramitava desde 2002, com texto aprovado inclusive pelo Conselho Nacional de Justiça.

À ConJur, Toldo contou que, antes da reunião, tinha a expectativa de que fosse possível um diálogo "franco, direto e leal" com o presidente do STF e do CNJ, mas depois do encontro, ficou convencido de que não haverá interlocução. "O ministro Joaquim Barbosa é uma pessoa refratária ao diálogo com as associações de classe e isso ficou demonstrado na reunião."

Como presidente de uma das principais associações de juízes do país, Toldo é defensor dos interesses da carreira. Segundo ele, o direito dos magistrados a férias de 60 dias — um dos calcanhares de aquiles da imagem dos juízes perante a sociedade — fazem parte de um “pacote de atratividade” necessário para que o candidato à magistratura seja convencido de que vale a pena ser juiz. “A magistratura vem perdendo essa atratividade. Hoje, infelizmente, ela é uma das carreiras menos lucrativas.”

Na entrevista, Toldo conta que o desânimo na carreira é grande. Nos últimos cinco anos, quase 150 magistrados deixaram o cargo. O motivo principal: a perda de sentido e o sentimento de desvalor da profissão. 

Antes de se tornar desembargador federal no último dia 15 de abril, Nino Toldo foi titular da 10ª Vara Federal Criminal da São Paulo. É formado em Direito pela USP, doutor em Direito Econômico e Financeiro pela mesma universidade e mestre em Direito pela Faculdade de Direito e Serviço Social da Unesp. É o segundo juiz federal mais antigo em atividade na 3ª Região, atrás apenas de Odilon de Oliveira, juiz em Mato Grosso do Sul. Em março do ano passado, foi eleito presidente da Ajufe com 48% dos votos válidos, contra dois adversários, entre eles o candidato da situação, Roberto Veloso. O eleitorado preferiu o discurso contra a greve dos juízes federais como forma de reivindicação de reajustes, agitada pelo então presidente da associação, Gabriel Wedy. Para Toldo, o radicalismo acabou por colocar a opinião pública contra a carreira.

Leia a entrevista:

ConJur — Como está a interlocução entre a Ajufe e o Supremo depois da saída do ministro Ayres Britto da Presidência da corte? 
Nino Toldo —
A interlocução hoje com o presidente do STF está difícil, praticamente não existe. O ministro Ayres Britto, até pela sua natureza, é uma pessoa muito afável e de fácil contato, uma pessoa excelente. Quando ele indicou três juízes ligados ao movimento associativo para serem seus auxiliares, ficou demonstrada a possibilidade de diálogo e o fácil acesso dos juízes ao STF e ao Conselho Nacional de Justiça. O ministro Joaquim Barbosa, porém, é uma pessoa refratária ao diálogo com as associações de classe e isso ficou demonstrado na reunião do dia 8 de abril, com os presidentes da Ajufe, da Anamatra e da AMB. Quero deixar claro que o fato de ele não ter mantido aqueles três juízes como seus auxiliares na presidência do CNJ não tem nenhuma relação com a nossa posição. Ele tem o direito de indicar quem desejar para ser seu auxiliar. E isso a Ajufe respeita, sempre respeitou e sempre vai respeitar.

ConJur — Criou-se uma indisposição?
Nino Toldo —
De forma alguma. A disposição ao diálogo é necessária. E eu disse ao ministro Joaquim Barbosa, antes de ele tomar posse na Presidência do STF, que eu esperava que nós pudéssemos ter um diálogo franco, direto e leal. E eu não mudei em relação a isso. Eu realmente acredito no diálogo institucional. No entanto, as posturas do ministro e, principalmente, o seu comportamento na reunião com os presidentes das associações, mostram que não teremos esse diálogo que eu desejava.

ConJur — As associações agora têm uma barreira para falar com o Supremo?
Nino Toldo — Está faltando diálogo. É imprescindível ouvir as associações de classe para que haja melhora no Judiciário. As associações fazem parte do Judiciário. A Ajufe tem, como qualquer entidade de classe, a defesa de interesses corporativos. Mas a Ajufe tem também esse papel fundamental de contribuir para a melhoria do Judiciário. E o presidente do STF e do Conselho Nacional de Justiça tem o dever de dialogar com as associações que representam um número muito grande de magistrados, quase a sua totalidade. Eu não vou aceitar nenhuma diminuição, nada que implique a desvalorização da magistratura federal. Para que a gente possa avançar no sentido de melhorar o Judiciário brasileiro, que precisa melhorar, é preciso também conhecê-lo e respeitá-lo.

ConJur — A magistratura se sente atacada?
Nino Toldo — Tem havido algumas afirmações pesadas, e isso não é de agora. Porque partem, muitas vezes, de algumas situações específicas que são levadas a um plano genérico. Isso não contribui para a melhoria do Judiciário. O ministro Joaquim Barbosa falou em "conluio com advogados", e o que é conluio? Basta olhar o dicionário. É a união de duas pessoas para prejudicar, para fazer algo ruim. Se existe juiz que se una a advogados para praticar atos ilícitos, ou atos anti-éticos, que se apure, que se indique, que se dê ampla defesa e contraditório. E, se for o caso, que se puna. Nenhum juiz deste país vai ser contra isso. A Ajufe não é contra isso. O que não aceitamos e não vamos aceitar são as generalizações.

ConJur — Quais os limites no contato entre juízes e advogados?
Nino Toldo —
Eu tenho 21 anos de magistratura federal e não tenho nenhum problema em receber advogado. É uma prerrogativa do advogado e é um dever do magistrado recebê-los. E não há nenhum problema em ter amizade com advogado. Um verdadeiro amigo sabe qual é o seu limite. O que nós precisamos é ter bom senso. Tomar cuidado com essas afirmações. Se o ministro Joaquim Barbosa quer colocar até no 3º Pacto Republicano medidas para acelerar os processos que envolvam casos de corrupção e improbidade administrativa, ele tem todo o apoio da Ajufe. Nenhum juiz federal brasileiro admite a corrupção, o conluio e qualquer atitude anti-ética. Se existe isso dentro da magistratura federal, ou da magistratura brasileira, os juízes são os primeiros a quererem que os maus sejam postos para fora. 

ConJur — Falta compreensão da sociedade em relação ao trabalho dos juízes?
Nino Toldo —
Como a sociedade brasileira viu na Ação Penal 470 um resgate da imagem do Judiciário, de uma Justiça que possa ser eficiente, é preciso que se saiba que muitos juízes federais atuaram nesse trabalho. E a Justiça Federal tem dado respostas aos problemas da sociedade brasileira. O bom diálogo vem por uma troca de ideias e não por uma superposição de pensamentos. 

ConJur — Por que a PEC 544, que cria quatro novos Tribunais Regionais Federais, é necessária?
Nino Toldo —
A ampliação do segundo grau de jurisdição da Justiça Federal é uma necessidade há muito tempo. Na Justiça do Trabalho e na Justiça Estadual, são 5,5 juízes para cada desembargador, porém, na Justiça Federal, esse número sobe para nove juízes para cada desembargador. Os desembargadores federais têm muito mais volume de trabalho, o que leva a um congestionamento da segunda instância. O gargalo da Justiça Federal não é a primeira instância, mas a segunda. Durante algum tempo houve uma indisposição dentro do STJ para se criar novos tribunais. O que havia era uma ideia de se ampliar os tribunais existentes. Mas isso não satisfazia o reclamo da sociedade para ter mais tribunais. Como o STJ não tomou nenhuma iniciativa, a sociedade acabou se organizando junto a parlamentares e, por via de Emenda Constitucional, conseguiu aprovar a criação desses tribunais.

ConJur — Como foi o processo de aprovação da PEC 544?
Nino Toldo —
Foi aprovada rapidamente no Senado, em 2001, porém parou em 2002 na Câmara dos Deputados. Apesar de toda a luta, a PEC não era incluída na ordem do dia para votação. A sociedade, principalmente no Paraná, em Minas Gerais e na Bahia, se organizou. Formou-se uma frente parlamentar para a criação desses tribunais e, assim, foram obtidas as condições políticas necessárias para sua votação na Câmara.

ConJur — O que acontece agora? 
Nino Toldo —
 Depois de promulgada a PEC, o STJ vai ter que apresentar um projeto de lei criando os tribunais, efetivamente. A criação de novos tribunais na 1ª Região se justifica pelo fato de ela ter uma jurisdição de quase 80% do território nacional, e percentual significativo dos processos em tramitação nessa região vem de Minas Gerais. O tribunal do Paraná também veio, nesse sentido, porque corresponde a cerca de quase 40% do movimento da 4ª Região. A Emenda não interfere no tribunal do Rio de Janeiro, e pouco interfere nos de São Paulo e de Recife, em relação ao movimento, que é grande. Mato Grosso do Sul, que vai para o tribunal do Paraná, e Sergipe, que vai para o da Bahia, correspondem a algo em torno de 6% do movimento daqueles tribunais. Por isso, também será necessário ampliá-los.

ConJur  — É um projeto de criação e ampliação da Justiça Federal?
Nino Toldo —
Esse projeto que o STJ vai encaminhar deverá prever não só a criação dos novos tribunais, como todo o redimensionamento da Justiça Federal de segundo grau, que é uma necessidade da sociedade.

ConJur  — Os gastos com a criação de novas cortes são justificáveis?
Nino Toldo —
Sem dúvida haverá custos, mas uma racionalização maior da Justiça e um acesso maior da população à Justiça de segundo grau justificam esses custos, que são menores do que se imagina. Os cargos no primeiro grau que existem hoje, por exemplo, na 1ª Região, terão de ser redistribuídos nas novas regiões. Não vai ter a criação de novos cargos na primeira instância. Vai haver necessidade de criação de cargos na segunda instância, mas isso pode ser feito também pelo redimensionamento do Tribunal da 1ª Região. Os custos não serão tão altos assim. E a Justiça Federal está dentro dos limites de responsabilidade fiscal. Ela tem capacidade de absorver essa ampliação.

ConJur — Há pouco tempo, a Justiça Federal teve 230 novas varas criadas pela Lei 12.011/2009, nem todas ainda implantadas. Não é um custo muito alto em pouco tempo?
Nino Toldo —
 A Justiça Federal se justifica em termos de custos. E eu me lembro bem, quando da sanção da lei que criou novas Varas Federais, na época do presidente Lula, que ele disse que a criação das Varas e ampliação da Justiça não era custo, era investimento. É dessa forma que também devemos pensar. A Justiça Federal já tem uma estrutura bastante enxuta. O Conselho de Justiça Federal trabalha com um orçamento equilibrado e até, por vezes, insuficiente para as necessidades. Mas trabalha dentro desses limites e tem prestado um serviço de qualidade. A estrutura material da Justiça Federal é boa e a qualificação dos servidores também. Nós temos um número muito grande de bacharéis em Direito. Os cargos de analistas judiciários têm que ser preenchidos por bacharéis. 

ConJur — Não é ampliar uma estrutura burocratizada?
Nino Toldo —
Não. A Justiça Federal tem atuado na vanguarda para se tornar cada vez mais efetiva. Mas ainda há necessidade de ampliação. A Justiça Federal tem uma competência bastante grande e bastante relevante para a população. Há a necessidade de uma melhor estrutura da Justiça Federal. De modo que a Justiça estadual passe a cuidar, com o tempo, apenas das causas da Justiça estadual. Mas isso não pode ser feito assim, da noite para o dia.

ConJur — O processo eletrônico permitirá a criação de tribunais com quadro funcional reduzido e com maior qualidade?
Nino Toldo —
Sim. Ademais, o processo eletrônico é uma realidade inexorável e os juízes e servidores vão precisar se adaptar, assim como os advogados. Há mais vantagens do que desvantagens nesse sistema, como por exemplo, o advogado ter mais tempo e mais comodidade para protocolizar uma petição. Além disso, uma grande burocracia será vencida nas secretarias.

ConJur — O sistema não diminui a necessidade da ampliação da segunda instância?
Nino Toldo —
Não. Nós ainda temos um grande número de processos físicos em tramitação. E a tendência é que haja uma diminuição do quadro de servidores que pode ser mais reduzido do que é hoje, mas a estrutura não será reduzida drasticamente, já que deve haver uma reacomodação, pois vai haver uma necessidade maior de pessoas trabalhando na área de informática, para manter o sistema funcionando adequadamente e com toda a segurança, e também no auxílio ao julgador. 

ConJur — Uma das críticas mais recorrentes em relação ao processo eletrônico é quanto à lentidão do sistema, o que torna a modernização mais efetiva no papel do que na prática. Qual a solução?
Nino Toldo —
Esse é um processo que tende a se resolver com o tempo. Não existe nenhuma solução pronta e não existe nada que você instale e que, de um dia para o outro, esteja funcionando na perfeição. Mas isso vai se resolver. 

ConJur — Como defender férias de 60 dias para juízes e procuradores enquanto a grande maioria dos trabalhadores tem apenas 30 dias? 
Nino Toldo —
Sou favorável às férias de 60 dias e reconheço que é um assunto impopular. Há uma incompreensão em relação a isso já que, muitas vezes, as pessoas dizem que é um privilégio. As férias fazem parte de um pacote de atratividade. O candidato à magistratura precisa ter alguma coisa que mostre que vale a pena ser juiz. A magistratura vem perdendo essa atratividade. Hoje, infelizmente, ela é uma das carreiras menos lucrativas. 

ConJur — Os concursos públicos mostram que a procura pela magistratura é alta. 
Nino Toldo —
Sim. E as pessoas buscam uma profissão também, nem tanto uma vocação. Só a vocação não sustenta o juiz. O julgador é uma pessoa que tem suas obrigações, como cidadão, como pai de família. A magistratura tinha como atrativos, além da dignidade da função, a responsabilidade e respeitabilidade que lhe são inerentes, o salário, que era uma remuneração condigna e corrigida periodicamente, e a aposentadoria pública integral. Mas esses atrativos foram se perdendo a pretexto de prejuízo. 

ConJur — Há uma diferença entre o trabalho do juiz e o de outras profissões? 
Nino Toldo —
Com todo o respeito que eu tenho por todas as profissões, é preciso que se entenda que o trabalho do juiz é essencial à organização estatal, à própria vivência social e à democracia. Então, é preciso que se atraia os melhores profissionais possíveis para a magistratura. Além disso, um juiz, como cidadão, tem diversas restrições que outros profissionais não têm. Ele não pode, por exemplo, exercer política partidária; não pode ser dirigente de empresas; tem, necessariamente, que ter um recato na vida pública, na vida privada. Se a magistratura começa a perder a atratividade, o sentido de carreira, quem virá para a magistratura?

ConJur — Os juízes têm se sentido desvalorizados?
Nino Toldo —
O desânimo é grande. Nós já tivemos juízes afastados do serviço público por depressão. E muitas dessas depressões decorrem da perda de sentido da carreira e do desvalor que se sente dentro da magistratura. A situação está se tornando difícil, não há uma atenção devida a isso. Recentemente, tive acesso ao grande número de magistrados que deixaram a carreira. Nos últimos cinco anos, foram quase 150 juízes. É um número significativo porque a magistratura é, dentro do imaginário popular, uma carreira para sempre. 

ConJur — Em comparação ao que ganha a maioria dos brasileiros, o salário pago aos juízes não é um atrativo?
Nino Toldo — Muitas vezes as pessoas acreditam que o juiz ganha muito e trabalha pouco, o que não é verdade. Os juízes, por exemplo, não têm remuneração por serviços extraordinários, embora até seja uma reivindicação da classe. Até pouco tempo atrás, não se podia sequer compensar plantão. Agora, nós conseguimos um reconhecimento desse direito. Mas é preciso reavaliar. Certamente esse tema será objeto, no futuro, de discussão no estatuto da magistratura. Mas eu espero que ele não venha a ser tratado com paixão e hipocrisia. A magistratura precisa ser valorizada para que se tenha um serviço à altura daquilo que a sociedade precisa e exige. 

ConJur — Os juízes devem morar nas comarcas em que atuam?
Nino Toldo —
A regra prevista na Constituição Federal determina que sim. Mas a Constituição tem ressalvas: o juiz pode morar em outro local desde que autorizado pelo tribunal. E é assim que deve ser. Não dá para obrigar um juiz a morar em um local em que não tenha uma estrutura adequada para a sua família. 

ConJur — Umas das críticas contra essa escolha é a de que o juiz não vai estar próximo à comunidade se não morar no local em que atua. 
Nino Toldo —
O juiz tem que estar próximo da comunidade, mas não precisa morar lá. O trabalho do juiz não é voltado à caridade, à entrega. Ele é um profissional. Agora, ele tem a obrigação de exercer a sua função naquele local. Se for numa comunidade carente, ele vai ser juiz em uma comunidade carente, sim. Mas não há necessidade de ir todo o dia para lá. 

ConJur — O juiz deve fazer audiências todos os dias no fórum
Nino Toldo — Houve uma orientação, recentemente, de que juiz deveria fazer audiência todos os dias.  Isso é um equívoco. Não há necessidade de se fazer audiência todos os dias. Se houver uma situação emergencial na Vara, tem que fazer de manhã e à tarde, todos os dias. Mas se o juiz tem a sua Vara em ordem, por que ele precisa fazer audiência todo dia? Quem comanda o processo é o juiz, o juiz é que sabe qual é o melhor momento para fazer a audiência. Sou contra generalizações. E sou contra a ideia de que, para resolver uma questão pontual, se tem uma regra genérica. Porque nem todos são iguais. Então, se existe juiz que não vai ao fórum todos os dias, então que se apure isso. Para isso existe a corregedoria. Agora, dizer que o juiz é obrigado a fazer audiência todos os dias não pode. E não há norma que possa me obrigar a aceitar isso. Porque, acima do Conselho Nacional da Justiça, está a Constituição. Esse tipo de coisa é que precisa ser revisto. 

ConJur — O Ministério Público pode investigar juízes?
Nino Toldo —
Não. Porque juiz está sujeito a um regime específico e quem vai investigar o juiz é o tribunal ao qual ele esteja vinculado. Ou, no caso de juiz de tribunal, será o Tribunal Superior. Aí é o tribunal o encarregado, com o auxílio da Polícia e, eventualmente, do Ministério Público, mas quem preside, quem investiga, é o tribunal. E isso tem sido feito. Nós temos já vários casos de juízes que foram punidos no âmbito criminal tendo sido investigados pelo tribunal.

ConJur — O MP tem poder de investigação?
Nino Toldo —
O poder de investigação do Ministério Público é uma questão controvertida. A Ajufe tem uma posição de que o Ministério Público deve ter um poder de investigar. A questão é que o poder de investigação do Ministério Público não deve ser seletivo e escolher o que vai investigar. 

ConJur — A PEC 37, em votação no Congresso, visa a restringir a investigação na Polícia. Qual é a sua posição?
Nino Toldo —
A Ajufe é contrária à PEC, e a favor do poder investigatório do Ministério Público, até por força de uma consulta interna aos associados, mas a questão que gera dúvida é que o inquérito policial não é imprescindível. Porque existem situações em que a denúncia pode ser oferecida independentemente da existência do inquérito. Se para tudo precisar de inquérito, vamos ter um caos. Por exemplo: crimes contra a ordem tributária, ou a falta de recolhimento de contribuição descontada de empregados. Não precisa de inquérito policial para apurar esses casos, já que a própria fiscalização pode fazer apuração contábil. Acho desnecessário que tudo vá para a Polícia. A Polícia já não dá conta da quantidade de inquéritos que tem.

ConJur — Qual a sua avaliação sobre os efeitos da transmissão ao vivo do julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, no Supremo?
Nino Toldo —
No Supremo Tribunal Federal, a transmissão ao vivo aproxima a Suprema Corte da sociedade, esse é um ponto positivo. De outro lado, isso pode gerar um problema relacionado à vaidade humana, em que o julgador produz um voto super elaborado de 500 laudas, o que acaba afastando as pessoas da leitura dos votos. É preciso que os votos sejam mais simples, sem perda da qualidade. 

ConJur — A opinião pública teve alguma influência nesse julgamento?
Nino Toldo —
A efetividade da Justiça depende muito do desejo das pessoas de ver as outras presas. Em relação ao mensalão, todo mundo dizia que a história iria acabar em "pizza". E não acabou. Houve condenação de pessoas importantes que, para muitos, eram intocáveis. Mas esse sentimento de efetividade só vai acontecer quando as condenações forem feitas.

ConJur — As penas aplicadas foram adequadas?
Nino Toldo —
As penas foram bastante altas, bem acima da média de condenações. Temos condenações de 30, 40 anos. E vemos aí vários casos recentes de homicídios que foram julgados por júri popular em que as penas não passavam de vinte e dois anos.

ConJur — O fato de o Supremo e os tribunais superiores não lidarem todos os dias com a instrução dos processos é um complicador no julgamento de ações originárias, como o mensalão?
Nino Toldo —
 Com todo o respeito que eu tenho, muitos ministros não têm a vivência prática de presidir audiências. Durante seis meses, a Suprema Corte do país não julgou outra coisa a não ser um caso. É um julgamento histórico e importante, mas também não podemos deixar de notar que essa demora não deixou de ter um prejuízo para o país. Quantas causas importantes que estão na competência plena do STF deixaram de ser decididas nesse período em função de uma Ação Penal?

ConJur — Hoje, a pena para crime financeiro é maior do que para homicídio. Isso é um problema?
Nino Toldo —
Eu não acho que crimes financeiros ou crimes que envolvam correção sejam crimes de pouca monta. Ao contrário. São crimes graves. E até deveriam ter uma pena mais grave. Porque na base disso tudo há um problema social. Quando, por exemplo, se diz que recursos destinados à construção de hospitais, creches e escolas vai para a corrupção, é muito ruim para a sociedade, já que o cidadão que não recebeu o recurso pode entrar para o crime violento. 

ConJur — O preso que ganha o direito de progredir do regime fechado para o semiaberto, mas não encontra vagas, deve esperar no regime fechado ou ir direto para o aberto?
Nino Toldo —
Esse é um problema complexo no Brasil. Se uma pessoa tem direito à progressão de regime, não pode ser mantida em um regime mais rigoroso por falta de estabelecimento adequado. Não é culpa do juiz e sim da lei sobre a progressão de regime. A preocupação teórica em relação à prisão no Brasil é de que haja uma reinserção do indivíduo na sociedade. O grande problema é fazer a separação dos presos de maior periculosidade daqueles que têm condições de voltar para o convívio social. Passar, simplesmente, para um regime, não tendo prisão albergue, deixar o sujeito praticamente liberado, informalmente preso, é um exagero que a sociedade não aceita. 

ConJur — A lei de execuções penais ainda não foi plenamente efetivada no Brasil?
Nino Toldo —
Infelizmente não. E não se tem dado a devida importância a essa questão no Brasil. As prisões acabam superlotadas. Há necessidade de ampliação, mas podemos só ficar construindo presídios. Há necessidade de um trabalho de reintegração, de efetiva separação entre os presos, para que eles possam ser reintegrados. 

ConJur — Como diminuir a quantidade de presos provisórios nos presídios?
Nino Toldo —
A Ajufe tem uma grande preocupação com isso, e quanto aos presos estrangeiros no Brasil. Quando um estrangeiro era preso por tráfico transnacional de drogas, ele permanecia preso durante o processo e, depois, por força das disposições legais, cumpria pena em regime integralmente fechado. O STF, num primeiro momento, deu a decisão pela inconstitucionalidade da não-progressão do regime de crimes hediondos. Decisão que respeito, mas com a qual não concordo integralmente. 

ConJur — Por quê?
Nino Toldo —
Eu acho até que é inconstitucional, na medida em que não havia um balizamento. Era tudo ou nada. E não dava para diferenciar o tipo do preso: fosse um pequeno traficante, a mula, ou um grande traficante, ou o dono da droga, ou o financiador da droga, o regime de cumprimento era o mesmo. O grande traficante, o chefe do tráfico, não deveriam cumprir a pena integralmente em regime fechado? Eu entendo que sim. O que há de inconstitucional é a impossibilidade de o juiz poder dimensionar. Existem presos ou réus estrangeiros que foram postos em liberdade provisória, só que não têm como se manter no país, não têm para onde ir, não podem trabalhar, não podem e não têm sua documentação disponível. E não podem voltar para o país. Então, para onde vão essas pessoas? Essa é uma pergunta em aberto. Eu fui a vários consulados em São Paulo para trocar ideias, procurar saber o que poderia ser feito na época, até porque havia a iniciativa de se fazer um trabalho nesse sentido. Mas, depois, houve uma mudança na corregedoria e esse trabalho não se desenvolveu como eu gostaria. Mas é preciso que o Estado tenha alguma posição a respeito. 

ConJur — Os consulados não dão nenhum tipo de assistência a esses presos?
Nino Toldo —
A maioria dos que eu visitei, não. A assistência jurídica no processo fica a cargo da Defensoria Pública, na maioria das vezes. Mas uma pessoa posta em liberdade acaba sendo ajudada por organizações de caridade, pela igreja, ou acabam sendo cooptadas por seus nacionais envolvidos em outras atividades criminosas. E uma boa parte, também, acaba, simplesmente, fugindo. Vai para a clandestinidade, buscando retornar ao seu país de origem. Eu quero levar essa situação ao Conselho Nacional de Justiça. 

ConJur — Por que a Justiça brasileira é demorada?
Nino Toldo — 
A Justiça é morosa em todos os países do mundo. Há um engano das pessoas em achar que o sistema norte-americano é melhor do que o sistema brasileiro porque é mais rápido. Nos Estados Unidos, muitos casos se resolvem por meio de negociação, e as condições em que essa negociação é feita são duvidosas. Há casos em que a pessoa prefere aceitar uma pena pequena do que enfrentar um júri, mesmo sendo inocente. Então, não é um sistema perfeito e, quando vai para julgamento, também há a demora. 

[Texto alterado em 29 de abril de 2013, às 9h35, para correção de informações. A ConJur agradece os comentários dos leitores.]

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