Informação e privacidade

Imprensa pode ter dados sobre crianças violentadas

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26 de abril de 2013, 10h37

O direito de informar venceu uma longa batalha contra o direito à privacidade nos Estados Unidos. Por ter terminado empatado, nesta quinta-feira (25/4), um julgamento na Suprema Corte do estado de Kentucky, saiu vencedora a parte que ganhou o julgamento anterior, em um tribunal de recursos do estado. Como um dos sete ministros da Suprema Corte não votou, o resultado foi 3 a 3. 

A decisão não gerou um entendimento final da corte de que um direito prevalece sobre o outro. A decisão foi tomada com base em um caso específico e, teoricamente, só vale para a situação levada à Justiça — uma disputa entre os dois maiores jornais do Kentucky e o próprio estado sobre crianças que sofrem violência doméstica. "Teoricamente" porque a decisão pode estabelecer precedente.

De acordo com o Lexington Herald-Leader e a agência Associated Press (AP), os jornais Lexington Herald-Leader e The Courier-Journal processaram o órgão estadual "Serviços de Saúde e da Família", que se recusava a liberar informações (registradas em seus arquivos) sobre "crianças mortas ou feridas gravemente, em decorrência de abuso ou negligência".

O advogado Alexandre Fidalgo explicou à revista eletrônica Consultor Jurídico que, embora os americanos tenham tratado a questão como de direito à privacidade, o caso é mais de direito à intimidade. "Intimidade é mais restrita do que privacidade e, nesse caso específico, a não identificação dos menores vítimas das agressões tem mais a ver com o direito à intimidade", ele disse.

A ação foi movida em 2011 porque os jornais queriam ter acesso a 180 arquivos desse tipo de casos, de 2009 a 2010. Os jornais venceram a disputa em primeira instância. Um tribunal do estado ordenou ao órgão estadual que liberasse todas as informações em seus arquivos, com o mínimo de edição, aos jornais.

Na primeira instância, o juiz Phillip Shepard escreveu em sua ordem que determinou a liberação dos documentos: "O público tem um interesse predominante em acessar as informações que podem ajudá-lo a entender como o órgão estadual faz seu trabalho de proteger as crianças". E multou o órgão em US$ 16 mil por negar aos jornais o acesso às informações.

Interesse público versus interesse privado
Para Fidalgo, em todo estado democrático é preciso garantir os princípios da intimidade e da informação. "A questão começa a ficar interessante quando tais princípios se chocam, o que a doutrina chama de antinomia. E foi isso que aconteceu nesse caso americano. Entre o direito que tem a sociedade de receber informações de interesse público e o interesse privado do estado em preservar a intimidade de menores, prevaleceu o interesse público", afirmou.

Mas na decisão americana de primeira instância houve ressalvas. Shepard decidiu que o órgão pode reter apenas os nomes de crianças que foram vítimas de abuso ou negligência, mas não morreram, bem como os nomes de cidadãos que denunciaram a violência contra crianças, os nomes de irmãos menores das vítimas e os nomes de menores que cometem esse tipo de crime.

O órgão passou a liberar informações sobre os casos em seus arquivos. Mas continuou bloqueando informações, além do permitido pelo juiz, sem informar que informações foram retidas e com base em que autoridade legal estava fazendo isso. Essa atitude levou os jornais a reclamarem, no tribunal de recursos, que o órgão não estava cumprindo satisfatoriamente a decisão judicial.

O estado também recorreu ao tribunal de recursos, pedindo a suspensão da decisão. No ano passado, o tribunal manteve a decisão de primeira instância, o que obrigou o estado à recorrer à Suprema Corte.

Ao comentar a decisão desta quinta-feira, a porta-voz dos Serviços de Saúde e da Família Jill Midkiff disse aos jornais que o empate no julgamento na Suprema Corte comprova que o órgão tem boas razões para proteger a privacidade das crianças irmãs das vítimas e os nomes das pessoas que denunciam casos de violência contra crianças.

Para ela, a perda da disputa na Justiça deve criar um efeito negativo no combate à violência doméstica. Ela acredita que a divulgação das informações na imprensa pode levar as pessoas que denunciam abusos contra crianças a se calar. "Esse sistema só funciona quando há garantia de que os denunciantes ficarão protegidos contra retaliações", argumentou.

O advogado do Herald-Leader, Robert Houlihan, disse que a consequência da decisão judicial é, na verdade, favorável às crianças. O público precisa saber que ocorre violência contra crianças e que ela precisa ser coibida. Com a divulgação dos fatos, haverá uma consciência maior da sociedade sobre os casos de violência contra crianças.

"A vitória da liberdade de informação frente à intimidade, no caso concreto da decisão americana, certamente será levado como precedente genérico, já que para situações em que há aparente conflito entre esses dois direitos (ou princípios), a ponderação há de ser feita casuisticamente, tal como acontece no Brasil", afirma o advogado brasileiro.

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