Solução salomônica

Penhora de capital de giro deve ser em percentual módico

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23 de abril de 2013, 7h36

Visa o presente artigo lançar algumas luzes acerca dos requisitos necessários e do procedimento, legal e jurisprudencialmente adequado, para os casos diários de penhora on line, pelo sistema Bacen Jud, de valores das empresas destinados a capital de giro[1] das mesmas.

Na última década, ficou evidente o sentimento, entre operadores do direito e juridiscionados, de que o processo não poderia conformar-se com a simples consecução dos seus atos, mesmo que, por vezes, produzindo resultados inócuos para a parte vencedora do feito, buscando (não incomumente em vão) o bem da vida almejado.

Atendendo tal reclamo, a Lei 11.382/2006, ao alterar diversos artigos do Código de Processo Civil (especialmente os atinentes à execução), minudenciou o inciso I, do artigo 655, explicitando que, em vez do devedor nomear dinheiro, preferencialmente, à penhora, esta será realizada buscando-se, prioritariamente, numerário “em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira”.

Para viabilizar tal determinação, introduziu o artigo 655-A:

Consagrada, pois, a penhora on line, seja pela lei, seja por nossos juízos e tribunais que, somente em 2011, realizaram nada menos que 4.538.648 solicitações ao sistema Bacen Jud[2], ajudando e, em muitos casos, assegurando ao credor o acesso ao bem da vida buscado no processo de execução.

Capital de giro
Dentre tais milhares de solicitações, por óbvio, boa parte atingem dinheiro de pessoas jurídicas executadas, destinadas a capital de giro das mesmas, gerando discussões e polêmicas sobre os requisitos e o “modus operandi” de tal constrição.

Afinal, por um lado tem-se o inegável e justo interesse do credor em busca de receber o que lhe é devido “uma vez que a execução se processa no interesse do credor"[3]

De outra banda, há a empresa executada que, muitas vezes, depende do capital depositado em contas e aplicações financeiras para poder sobreviver, pagando seus fornecedores e empregados e que deve sofrer a execução do modo menos gravoso (artigo 620, do Código de Processo Civil).

Assim, poderia um credor de quantia vultosa penhorar 100% dos valores depositados em favor da empresa? Ou não poderia realizar esta penhora, porque sem tais valores a empresa executada teria suas atividades paralisadas? Ou poderia, salomonicamente, penhorar apenas parte dos valores depositados, buscando o restante em outros bens (mesmo que houvesse valores disponíveis em conta)?

Enfim, urge buscar-se um norte acerca de tal procedimento, abeberando-se nas caudalosas e vivas fontes da doutirna e jurisprudência, em busca de respostas e de um caminho a seguir.

Há os que defendem que o capital de giro da empresa, pelos motivos suso narrados, não é passível de sofrer penhora “on line” sob pena de asfixiar a empresa e conduzi-la à bancarrota, gerando prejuízos coletivos maiores do que os individuais suportados pelo credor exequente.

Discorrendo seu pensamento, lançam mão, inclusive, da analogia comparando esta situação à impenhorabilidade prevista no artigo 649, IV, do Código de Processo Civil.

Neste sentido há julgados, como se constata das seguintes ementas:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE EXECUÇÃO. PENHORA DE CRÉDITOS. REFORMA DA DECISÃO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO NO 1º GRAU. GARANTIA DO JUÍZO RECAÍDO SOBRE BENS IMÓVEIS. REPÚDIO À PENHORA SOBRE CAPITAL DE GIRO DA EMPRESA. PRECEDENTES DO STJ. MODO MENOS ONEROSO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 620 DO CPC. RECURSO CONHECIDO. TODAVIA, NEGADO SEGUIMENTO. DECISÃO UNÂNIME.

I— A impenhorabilidade do capital de giro resulta do fato de ser ele essencial à vida da empresa, não podendo ser atingido ou de qualquer forma sofrer algum impedimento a sua movimentação, pois fatalmente ocasionará a paralisação dos negócios.

II— Possuindo a empresa outros bens passíveis de penhora, correto é o deferimento de bens imóveis para assegurar a execução, capazes de saldar o débito discutido, não se permitindo a constrição sobre parte do faturamento da executada. Recurso conhecido, porém, negado provimento. Unânime. (g.n.)[4]

“PROCESSUAL CIVIL . AGRAVO DE INSTRUMENTO . EXECUÇÃO FISCAL . REQUERIMENTO DE PENHORA ON- LINE . IMPOSSIBILIDADE . AFETAÇÃO DO CAPITAL DE GIRO DA EMPRESA . FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA QUE DEVE SER PRESERVADA . PROVIMENTO DO AGRAVO .

I — A penhora on-line não pode ser efetuada quando afetar diretamente o capital de giro da Empresa Agravante, sob pena de impedir o desenvolvimento normal de suas atividades .

II— Função social da empresa que deve ser preservada .

III— Provimento ao recurso .” [5]

“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DE EXECUÇÃO FISCAL — PENHORA SOBRE FATURAMENTO DA EMPRESA — IMPOSSIBILIDADE — AFRONTA AO PRINCÍPIO DA EXECUÇÃO PELO MEIO MENOS GRAVOSO PARA O DEVEDOR — RECURSO IMPROVIDO.

1. É princípio geral de processo civil que a execução, embora realizada no interesse do credor, não deve ser feita pelo modo mais oneroso para o devedor.

2. A penhora sobre o faturamento da empresa deve se dar sobre a própria empresa, e não sobre o dinheiro. Pois, a indisponibilidade de valores vinculados ao faturamento da empresa pode acarretar sérios danos ao capital de giro desta.

3. Recurso Improvido.”[6]

Perfila tal pensamento a autorizada doutrina de Humberto Theodoro Junior:

"(…) Assim, embora o dinheiro ocupe o primeiro lugar na escala de preferências para a penhora, não se tolera sua constrição quando esteja ele representando o capital de giro da empresa devedora e disponha essa de outros bens livres capazes de assegurar o juízo, adequadamente.

A explicação está em que a empresa não é uma figura estática de um simples patrimônio. É um organismo vivo, cuja preservação interessa a toda a sociedade e não apenas a seus associados, pela reconhecida função social que desempenha na circulação da riqueza e na produção de bens e serviços úteis e necessários à vida comunitária.

Como todo ser vivo, a empresa constitui-se de um complexo organismo que precisa ser convenientemente alimentado. Os animais e as plantas captam, no ar e nos alimentos naturais, os nutrientes que se incorporam à circulação sangüínea e à seiva e, assim, conseguem manter em funcionamento todos os seus órgãos vitais. Fenômeno igual passa-se com a empresa, que só consegue sobreviver se for convenientemente nutrida do indispensável capital de giro. É com ele que forma seus estoques de matérias primas e o numerário de custeio da mão de obra (J. Petrelli Gastaldi, Elementos de Economia Política, 15ª ed., São Paulo, Ed. Saraiva, 1992, nº 62, p. 128). Sem ele não funciona o organismo da empresa e sua degeneração é imediata e inevitável.

Privar, então, uma empresa de seu capital de giro equivale a suprimir-lhe o elemento que lhe assegura a vida. É o mesmo que condená-la à inanição e, conseqüentemente, à morte …" .[7]

Do lado oposto, há quem enfatize o interesse do credor exequente, considerando que, como visto acima, o processo de execução desfila em seu interesse e a primazia do dinheiro, na ordem (embora não absoluta[8]) do artigo 655, do Código de Processo Civil.

Neste sentido, há inúmeros julgados, como os abaixo colacionados:

“(…)Penhora “on line” de saldo mantido em conta corrente dos ativos financeiros da empresa Possibilidade Penhora de dinheiro que tem preferência em relação a outros bens do devedor Capital penhorado de natureza de giro da empresa “Periculum in mora” Não demonstração de que o valor penhorado seja o total do capital de giro da empresa, de molde a comprometer a sua atividade empresarial – Recurso improvido, com determinação.” [9]

“EXECUÇÃO — Penhora — Incidência sobre faturamento bruto da empresa — Possibilidade — Arts 655, VII, e 655-A, § 3º, ambos do CPC — Precedentes STJ — Faturamento que não implica em ofensa ao principio da menor onerosidade para o devedor (art 620 CPC) à aceitação dos bens ofertados em garantia — Precedentes — Impenhorabilidade do capital de giro não reconhecida — Decisão mantida — Recurso improvido.” [10]

Posição do STJ
Evidentemente, tais correntes são antípodas, sendo natural que tais situações chegassem ao Superior Tribunal de Justiça a fim desta Colenda Corte decidir se é possível a penhora de capital de giro de empresas executadas e, em caso positivo, como deve-se proceder.

E o Tribunal da Cidadania autoriza a penhora de capital de giro (afastando, pois, a tese da impenhorabilidade sustentada por alguns, como visto) mas cum grano salis.

Afinal, também não lastreia a penhorabilidade irrestrita —que leva o pêndulo exclusivamente ao lado do credor— determinando que, em tais situações, devem ser observadas uma série de requisitos.

Com efeito, para ver-se realizada a penhora “on line” de capital de giro da empresa executada, o exequente deve, primeiramente buscar a constrição de outro bem do devedor, desde que não sejam de difícil alienação.

Caso o devedor encontre, por exemplo, um imóvel ou um veículo da empresa executada, deve constritar tal bem para, com o produto da alienação do mesmo, receber os valores devidos, ainda que parcialmente.

Justifica o STJ tal determinação distinguindo a penhora de capital de giro da mera penhora de dinheiro, elencada no artigo 655, I, do Código de Processo Civil, razão de tal cautela e em atenção ao disposto no artigo 620, do aludido “Codex”.

Esgotadas tais diligências, seja pela inexistência (ou insuficiência) de outros bens da empresa executada ou por estes serem de difícil alienação, faz-se a penhora on line de seu capital de giro.

Porém, não pode ser feita em desabono do andamento normal da empresa, de modo a inviabilizar seu funcionamento, realizando-se em percentual de tal capital de giro.

Sobre tal percentual, entendo que deva ser analisado caso a caso, evitando-se ser fixado um percentual aritmético, analisando-se a potencialidade econômica e as condições financeiras da empresa executada.

Atentando para tal situação, note-se que o STJ já determinou a redução de percentual de penhora de capital de giro:

“(…) 3. A penhora de 20% sobre o rendimento líquido da empresa pode ensejar a inibição de seu funcionamento, ou até mesmo a impossibilidade do cumprimento de compromissos salariais, situação que justifica a redução para 5% sobre o faturamento mensal.

4. Recurso especial parcialmente provido.” [11]

E mais: à luz do parágrafo 3º, do artigo 655-A (e, também, analogicamente, dos artigos 677, 678 e 719, todos do Código Buzaid) deve ser nomeado um administrador a fim de gerir toda esta situação e elaborar plano de pagamento, zelando pelos interesses de ambos, na medida do possível. 

Pertinente, pois, sejam carreadas ementas relativas ao tema em questão:

"PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA DE RENDA. AUSÊNCIA DE PRÉVIA CITAÇÃO. NULIDADE.

— O reexame de condições negociais é vedado ao Superior Tribunal de Justiça por força de sua Súmula 5.

— O devido processo legal exige que a executada seja citada para pagar ou nomear bens a penhora, onforme determinava o artigo 652, CPC, em sua redação original, para que só então se determine a penhora sobre o faturamento da executada.

— As Turmas que compõem a Segunda Seção deste Tribunal têm admitido a penhora sobre o faturamento da empresa desde que, cumuladamente: a) o devedor não possua bens ou, se os possuir, sejam esses de difícil execução ou insuficientes a saldar o crédito demandado, b) haja indicação de administrador e esquema de pagamento (CPC, artigo 677) e c) o percentual fixado sobre o faturamento não torne inviável o exercício da atividade empresarial.

Recurso Especial parcialmente provido." (g.n.) [12]

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO — EXECUÇÃO — TÍTULO EXTRAJUDICIAL — PENHORA DE FATURAMENTO DA EMPRESA — POSSIBILIDADE, DESDE QUE PRESENTES OS REQUISITOS — AUSÊNCIA, IN CASU — AFASTAMENTO DA PENHORA — RECURSO IMPROVIDO.” [13]

"EXECUÇÃO FISCAL — PENHORA — FATURAMENTO DA EMPRESA.

1. Admite-se, excepcionalmente, possa ser penhorado o faturamento da empresa.

2. Antes, deve o julgador examinar a possibilidade de recair a penhora em outros bens.

3. A excepcionalidade da penhora sobre o faturamento exige do julgador motivação explícita.

4. Recurso especial provido."[14]

Em suma, entendo superadas tanto a corrente da impenhorabilidade absoluta quando a da penhorabilidade total do capital de giro da empresa executada, devendo a mesma ser feita em caráter subsidiário (à falta ou à insuficiência de penhora doutros bens de viável liquidação em favor do credor) e, uma vez realizada, ser feita em percentual módico (de maneira a não sufocar a lida empresarial cotidiana) e sob a nomeação de um administrador, que gerirá e elaborará um plano de pagamento.

Entendo que tal solução, um tanto salomônica, é a mais adequada, pois busca, ao mesmo tempo, olhar os interesses do credor, que busca ser pago, sem desalentar da empresa devedora —que deve pagar mas sem, com isso, se asfixiar ou ser levada à bancarrota, elevando o processo de execução da cerrada ótica meramente privatista, cotejando-se os lados e buscando a melhor solução não só para as partes, mas para o país, considerando que a empresa produz riqueza, gera empregos e recolhe tributos, sendo o motor do imprescindível desenvolvimento nacional.


[1] Não há um conceito jurídico, mas sim econômico-financeiro e contábil, representando a “fonte de fundos permanente utilizada para financiar a necessidade de capital de giro da empresa” (in FLEURIET, Michel et al. O Modelo Fleuriet: a dinâmica financeira das empresas brasileiras. 7ª Edição. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003, p. 12.

[2] Dados obtidos em < http://www.bcb.gov.br/?bcjud> ícone “2011 – Bacen Jud 2.0”

[3] Cf. EREsp nº 1.052.081/RS, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJ 26/05/2010

[4] TJPA. AG 200330059553 PA 2003300-59553, Relatora Desa. MARIA DO CARMO ARAUJO E SILVA, j. 27/04/2009, publ. 09/11/2009

[5] TJMA. AI 175522009 MA, Relatora Desa. NELMA SARNEY COSTA, j. 02/10/2009

[6] TJES. AI 24059006874 ES 24059006874, Relator Des. ALINALDO FARIA DE SOUZA, j. 04/09/2007, 03ª Câmara Cível, publ. 19/09/2007

[7] JUNIOR, Humberto Theodoro. “A Impossibilidade de Penhora do Capital de Giro.” RF 340/116

[8] Cf. a respeito a Súmula 417 do STJ

[9] TJSP. AI 707955120118260000 SP 0070795-51.2011.8.26.0000, Relator Des. Cristiano Ferreira Leite, j.

06/06/2011, 33ª Câmara de Direito Privado, publ. 08/06/2011

[10] TJSP. AG 7288396800 SP Relator Des. Thiers Fernandes Lobo, j. 18/11/2008, 22ª Câmara de Direito Privado, publ. 09/12/2008

[11] REsp 996.715/SP, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ 05.11.2008

[12] STJ. REsp 866382 / RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe de 26.11.2008.

[13] STJ. AgRg no AG 1175578/MG, Rel. Min. Massami Uyeda, DJe de 12.02.2010

[14] STJ. REsp 252426/SP, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 13/05/2002

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