Liberdade de expressão

Direito de resposta busca recomposição da verdade

Autor

  • Alexandre Fidalgo

    é doutor em Direito pela USP mestre em Direito pela PUC-SP advogado e sócio do escritório Fidalgo Advogados. Integrante do conselho jurídico da Fiesp e do conselho de liberdade de expressão da OAB Federal.

16 de abril de 2013, 17h02

O assunto que nos chama a atenção e que nos motivou a abordá-lo envolve dois institutos do direito, um de direito material (liberdade de expressão e direito de resposta) e outro de direito processual (tutela jurisdicional e causa de pedir). Ganha importância o assunto na medida em que a antiga Lei de Imprensa, que disciplinava com detalhes o procedimento e os pressupostos da tutela jurisdicional do direito de resposta, acabou sendo retirada do nosso ordenamento jurídico. Cumpre-se destacar, nesse sentido, a declaração de não recepção pela Constituição Federal da Lei 5.250/1967, conhecida como Lei de Imprensa, em razão do julgamento havido em 30 de abril de 2009, perante o STF, o qual decidiu, por maioria, nos autos da ADPF 130, que o referido diploma era incompatível com a ordem constitucional vigente.

Liberdade de expressão como direito fundamental
Sem dúvida alguma o tema liberdade de expressão revela-se apaixonante, eis que constitui, no Brasil e na maioria dos povos, verdadeiro direito fundamental, imanente, pensamos, de qualquer Estado democrático de Direito[1]. Na doutrina não há unanimidade na definição do conceito de direitos fundamentais, confundindo-se, por vezes, com direitos da pessoa humana. São, porém, diferentes, embora relacionados.

Como o presente artigo não tem como objetivo apontar as discussões a respeito dos direitos da pessoa humana e direitos fundamentais, nos satisfazemos, como introdução deste trabalho, a noticiar a definição colhida de J. J. Gomes Canotilho: direito dos homens são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos (dimensão jusnaturalista-universalista); direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantido e limitados espacio-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu carácter inviolável, intemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objectivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.[2]

Ainda que não se tenha um conceito jurídico apropriado para a definição de dignidade da pessoa humana, ou se possa melhor definir dignidade identificando situações que não a constituem, é certo que é um valor inerente a qualquer pessoa humana.[3]

Na árdua tarefa de conceituar dignidade da pessoa humana, o professor Ingo Salert sustenta que se trata da:

“qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.”

O que observamos hoje é que, em decorrência de um processo de universalização dos direitos humanos, criou-se um sistema internacional de proteção desses direitos, permitindo, por conta dos tratados internacionais, a fixação de parâmetros mínimos de proteção.

No que se refere aos direitos fundamentais, na esteira do que entende a doutrina, decorrem de uma positivação constitucional, elevados a valores indispensáveis à ordem jurídica e democrática.

Nessa quadra, a liberdade de expressão, como direito fundamental que é, assegurada no artigo 5º, incisos IV, IX e XIV do Texto Constitucional brasileiro, compreende o direito às expressões de pensamento, de opinião, de ideia, de crença, de juízo de valor, de desenvolvimento artístico, de a sociedade ser informada.

Nelson Hungria[4] ao propugnar pela adoção da locução liberdade de informação (expressão) em substituição à liberdade de imprensa[5], sustentava que aquela expressão representaria melhor os novos aspectos sociais ausentes na antiga locução, especialmente o direito da coletividade à informação e às novas plataformas de comunicação que começavam a surgir.

Esse valor está representado em nosso Texto Constitucional, no inciso XIV do artigo 5º, garantindo a todos o direito à informação, tornando o direito fundamental da liberdade de expressão uma via de mão dupla, ou seja, ao tempo que está garantido o direito dos veículos de comunicação de informar, garantido está também o direito de a coletividade receber informação. Conclui-se daí que, se a coletividade tem o direito de receber informação, os veículos de comunicação possuem mais que um direito; têm eles o dever constitucional de informar.

Vale a observação de que algumas doutrinas diferenciam liberdade de expressão e liberdade de comunicação. A primeira tem como objetivo a manifestação do pensamento, ideias, opiniões, crenças e juízos de valor. Trata-se, pois, de um conteúdo subjetivo, abstrato de opinião, não se submetendo à verdade. Já a liberdade de comunicação tem como objeto a difusão de fatos ou notícias. Tem um conteúdo objetivo, de modo que suscetível de comprovação[6].

Bastante importante essa definição, mas na praxi a interpretação que se dá é ampla, reunidos esses valores na utilização da locução liberdade de expressão, tal como acontece nos Estados Unidos da América, cujo conceito do free speech usado pela doutrina norte-americana é o que acabou sendo mais utilizado no Brasil.

O importante é que o Brasil, que adotou a democracia como opção política, tem a Liberdade de Expressão como valor estruturante de sua sociedade, reconhecendo liberdade como direito fundamental.

Pedido de resposta como valor e forma da liberdade de expressão
Não há como negar que o direito de resposta é um prolongamento da liberdade de expressão, na qual, como se viu acima, a liberdade de imprensa é um dos qualificativos. Isso porque tem esse direito fundamental uma dupla mão. A liberdade de imprensa constitui, num mesmo tempo, o direito de informar (artigo 5º IV e IX) e o direito de ser informado (artigo 5º, XIV), cujo destinatário é a sociedade.

A atividade de comunicar fatos de interesse da sociedade, conquanto seja um direito reconhecido a todos os cidadãos, é hoje exercido principalmente pelos veículos de comunicação e seus profissionais, que, por uma interpretação sistemática do valor estrutural desse direito fundamental, reconhece nele mais do que um direito, um dever que tem a imprensa de divulgar fatos que consultem o interesse público.

Segundo os registros, não obstante se trate de uma instituição antiga, conhecida e exercida nas civilizações egípcia, romana e grega, o direito de resposta como consagração legal surgiu primeiramente na França, no século XIX, e buscava garantir a possibilidade de resposta à imprensa, não como uma ideia de restringir esse direito fundamental, mas sim confirmá-lo, corrigindo a informação publicada anteriormente pela imprensa.

Assim, a emenda de Mestadier, incorporada pela Lei de 25 de março de 1822, dispunha que:

“Les propriétaires ou éditeurs de tout jornal ou écrit périodique seront tenus d’y insérer dans les trois jours de leur réception ou dans le plus prochain numéro, s’il n’em était pas publié avant l’expiration des trois jours, la réponse de toute personne nommée ou désignée dans le jornal ou écrit périodique sous peine d’une amende de 50 à 500 francs, sans préjudice des autres peines et dommages-intérêts auxquels l’article incrimené pourrait donner lieu. Cette insertion sera gratuite et la réponse pourra avoir le double de la longueur de l’article auquel ele sera faite”.[7]

Pelo texto acima, percebe-se que o direito de resposta veio atender objetivo não salvaguardado pela responsabilidade civil ou penal, que é a recomposição da verdade.

No Brasil, as Constituições traziam positivado o direito de livre manifestação de pensamento, sempre com a observação de se responder pelos abusos eventualmente cometidos. Foi assim na época do Império, com a Constituição de 1824, cujo artigo 179, IV, dizia:

“Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escriptos, e publica-los pela Imprensa, sem dependência de censura; com tanto que hajam de responder pelos abusos, que commetterem no exercício deste Direito, nos casos, e pela fórma, que a Lei determinar”.

A Constituição de 1891 (início da Velha República) trazia, no artigo 72, parágrafo 12, o seguinte texto:

“Em qualquer assunto é livre a manifestação de pensamento pela imprensa ou pela tribuna, sem dependência de censura, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido o anonimato”.

A Constituição de 1934 dispunha, em seu artigo 113, 9:

“Em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, sem dependência de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um pelos abusos que cometer, nos casos e pela forma que a lei determinar. Não é permitido anonimato. É segurado o direito de resposta. A publicação de livros e periódicos independe de licença do Poder Público. Não será, porém, tolerada propaganda, de guerra ou de processos violentos, para subverter a ordem pública ou social."

A Carta de 1937, no conhecido Estado Novo (até 1945), dispunha que:

“Art.122, 15. Todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei.”

É a partir desse período que o legislador brasileiro, constituinte ou ordinário, começa a prever expressamente a possibilidade de direito de resposta, como no caso da lei específica que regulava a imprensa. A resposta contra a imprensa em razão de informação ou injúria era prevista em texto especial, que regulava a atividade de imprensa. Vale lembrar que o Estado Novo inaugurou o período ditatorial que acabou sendo conhecido como a Era Vargas.

A Constituição de 1946, por sua vez, dispunha no artigo 141, parágrafo 5º:

“É livre a manifestação do pensamento, sem que despenda de censura, salvo quanto a espetáculos e diversões públicas, respondendo cada um, nos casos e na forma que a lei preceituar pelos abusos que cometer. (…). É assegurado o direito de resposta.”

A Constituição de 1967, no artigo 150, parágrafo 8º, dispunha:

“É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica e a prestação de informação sem sujeição à censura, salvo quanto a espetáculos de diversões públicas, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta.”

A Constituição de 1967, vigente no regime militar, foi sucedida por alguns Atos Institucionais, que tinham conteúdo normativo e, através dele, foram cassados mandatos políticos, presos estudantes, professores e cidadãos que eram, aos olhos do regime, uma ameaça subversiva, além de jornalistas e da censura feita à imprensa. Foi em 1967 que surgiu a chamada Lei de Imprensa, que teve validade até a Constituição de 1988, após decisão do STF em 2009.

Por fim, a Constituição de 1988, que em seu artigo 5º, V, disciplina o seguinte:

“é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”.

A Lei de Imprensa, acima referida, era a única lei vigente no país que tutelava, de forma minuciosa, o direito de resposta. Vale dizer que a Lei 5.250/1967 estabelecia no artigo 29 e ss. o que podemos chamar de pressupostos para o requerimento dessa espécie de tutela jurisdicional.

Como já visto, com o julgamento da ADPF 130 pelo Supremo Tribunal Federal, ficou declarado que a Lei 5.250/1967 não foi recepcionada pelo Texto Constitucional de 1988, de modo que perdeu validade jurídica a partir da promulgação dessa Carta Política. Lembramos que a decisão do Supremo não aplicou os efeitos modulares permitidos pelo artigo 27 da Lei 9.882/1999, de modo que a eficácia da decisão declaratória do julgamento da ADPF 130 operou-se de forma ex-tunc, ou seja, desde o evento, no caso, desde a promulgação da vigente Constituição da República.

No quadro legislativo atual, não encontramos mais regulamento de como proceder com esse direito fundamental[8]. Problemas como a competência do juízo para processar e julgar ação de direito de resposta; prescrição e decadência; utilidade e efetividade da tutela jurisdicional do direito de resposta; entre outros deverão ser resolvidos pela doutrina e jurisprudência, fontes do direito, inegavelmente.

Para algumas das questões, a solução pode ser a aplicação do princípio da proporcionalidade, que, não obstante tratar-se de um conceito vago, amplo, abstrato —como todo e qualquer princípio— poderá resolver questões de espaço e forma da resposta.

Não será neste trabalho que iremos abordar a necessidade ou não de uma regulamentação para esse instituto, ficando aqui apenas essas considerações, valendo reforçar que esse direito é, como dito, uma extensão do direito fundamental da liberdade de expressão, onde inclui-se a liberdade de imprensa.

Alguns conceitos processuais
Vimos acima que o direito de informar e de ser informado são direitos fundamentais, elegidos pela doutrina como de 4ª dimensão[9]. Inclui-se neles, como direito fundamental o direito de resposta, e é aqui que mudamos o enfoque de nosso trabalho, antes dirigido para buscar explicar esse direito material e agora para explicar aspectos da ciência processual.

Para isso teremos de conceituar um dos elementos da ação, que é a causa de pedir. Lembremos que os elementos da ação constituem condições mínimas e suficientes para a existência da ação. Além da causa de pedir, as partes e o pedido completam o que a doutrina denominou elementos da ação.

Para a proposta do nosso trabalho, nos limitaremos a olhar para a causa de pedir, que deve ser entendida como as razões pelas quais o pedido foi formulado[10]. Constituem, pois, nos fatos e nos fundamentos jurídicos afirmados pelas partes, que justificam os requerimentos, ou seja, a tutela de seus direitos (os pedidos).

Importante relembrar dos conceitos de causa de pedir remota e próxima. Nesse sentido, os fundamentos de fato são a causa de pedir remota; e os fundamentos de direito constituem a causa de pedir próxima. Assim, numa ação em que se discuta responsabilidade civil por conta de uma matéria jornalística, o material jornalístico será a causa de pedir remota e o fundamento de eventual ofensa, erro ou inverdade constituirá a causa de pedir próxima.

Também salutar lembrarmos o conceito de tutela jurisdicional, cujo instituto significa resultado final do exercício da jurisdição estabelecido em favor de quem tem razão[11]. Em outras palavras, a tutela jurisdicional representa a definição pelo Estado-juiz de quem tem o direito, ou seja, de quem está respaldado no plano material do ordenamento.[12]

O professor Cassio Scarpinella Bueno completa sustentando que por tutela jurisdicional deve-se entender como proteção jurisdicional efetiva e tempestiva dos direitos controvertidos.[13]O raciocínio do processualista referido é definir tutela jurisdicional pelo seu valor efetivo, de alteração no mundo dos fatos e não apenas na declaração de quem tem direito.

Não se confunde tutela jurisdicional com a tutela de direito, que é fenômeno situado no plano material do ordenamento, podendo, como diz Flávio Luiz Yarshell, ocorrer dentro ou fora do processo. Quando ocorre dentro do processo, ou seja, com a intervenção do Estado, falamos em tutela jurisdicional dos direitos.

Quanto às classificações de tutela jurisdicional, a doutrina recente tem realizado classificações levando em consideração perspectivas do dano, do momento de sua prestação, pela atividade do juiz, dentre outras. Mas a tradicional classificação que se tem é pela sua eficácia, em que se encontram duas escolas: a classificação trinária (ou ternária) e a classificação quinária. A classificação quinaria é, a nosso ver, a mais presente na doutrina e a que nos parecer possuir identificação substancial melhor das tutelas jurisdicionais existentes.

Assim, por essa classificação, temos as tutelas jurisdicionais condenatórias, declaratórias, executivas, mandamentais e constitutivas. Procedendo a uma rápida conceituação de cada tutela jurisdicional acima destacada, temos que a declaratória se caracteriza pela eliminação da crise de certeza existente no plano do direito material. Declara, portanto, a existência ou não de uma relação jurídica.

A tutela constitutiva diz respeito à criação, extinção ou modificação de situações jurídicas pré-existentes, tendo como exemplo clássico as decisões ocorridas em divórcio. Nesses casos há modificação da situação jurídica antes existente.

A tutela condenatória constitui um direito de prestação pelo vencido em razão do direito material violado. O provimento condenatório se caracteriza pela possibilidade de atos de invasão do patrimônio do devedor. A nota característica dessa tutela jurisdicional é que o método sub-rogatório a ser empregado em detrimento daquele que a sofre é patrimonial indireto, assim entendida a transformação do patrimônio do devedor em dinheiro suficiente para pagamento do credor.[14] A transformação do patrimônio do devedor em dinheiro, como acima dito, se dá pelas técnicas de penhora, avaliação e alienação dos bens do devedor, em tamanho suficiente ao da violação do direito material sofrido pelo credor.

A denominada tutela executiva lato sensu volta-se também à prática de atos sub-rogatórios sobre o patrimônio do devedor[15], entretanto não dependem da vontade do devedor, pois caracteriza-se pelos atos de apropriação física e imediata do bem, para fins de fruição direta, inclusive sem a necessidade de outro processo. Exemplo clássico é o do credor, por determinação judicial, sub-rogar-se nos créditos pertencentes ao devedor, ou, ainda, as hipóteses de despejo, reintegração de posse, ação de depósito.[16]

Por fim, a tutela mandamental constitui aquela em que o devedor cumpre de forma voluntária a obrigação. A característica é a voluntariedade e não a espontaneidade. Não há a técnica sub-rogatória, como há nas tutelas condenatórias e executivas, sobre o patrimônio do devedor, mas sim há a técnica da coerção. Ou seja, a técnica da multa como forma de influenciar o devedor a cumprir voluntariamente a obrigação. Essa tutela jurisdicional tem sido identificada no dispositivo do artigo 461 do Código de Processo Civil, como ressalta Flavio Luiz Yarshell.

Pelos conceitos acima anunciados, podemos entender que, na perspectiva de eficácia das tutelas jurisdicionais, a tutela jurisdicional do direito de resposta é a mandamental, na medida em que, sem atos adicionais, vale dizer, sem um novo processo, e também sem atos sub-rogatórios, há a determinação de que se proceda à publicação ou à veiculação de uma resposta, sob pena de multa, que, como visto, é a técnica que busca influenciar o devedor a cumprir a obrigação.

Feitas as considerações conceituais dos institutos de direito material e processual, passamos à questão que nos parece pouco refletida pelos operadores do direito.

O direito da resposta e a sua causa de pedir
Por tudo o que se viu acima, no plano de direito material, qual seria efetivamente o direito tutelado na questão aqui tratada? Estamos falando do direito de corrigir ou complementar uma informação, uma matéria jornalística publicada ou veiculada. Lembremos que o conceito de direito de resposta é um longa manus do direito de informação, ou seja, uma extensão, um complemento do que antes foi publicado ou veiculado.

É essa a hermenêutica que identificamos dos conceitos trazidos acima, que não nos parecem diferentes do quanto estabelecido nos textos das Constituições brasileiras anteriores, todas oportunamente citadas neste trabalho.

No Brasil, portanto, o instituto do direito de resposta, no que tange ao presente estudo, tem como finalidade corrigir o material jornalístico antes divulgado. Correção esta que se cinge aos fatos, dado que podem ter sido originalmente divulgados de forma truncada, equivocada ou incompleta.

Se adotarmos o conceito que distingue Liberdade de Expressão e Liberdade de Comunicação, antes já visto e definido, entenderemos que o direito de resposta diz respeito tão somente à Liberdade de Comunicação, pois esta encarrega-se dos fatos, da notícia, das questões concretas, ao passo que a primeira, lembremos, diz respeito às questões subjetivas, abstratas, de opinião e valor.

A superada lei de imprensa fazia constar, de forma equivocada, de seu artigo 29 que “toda pessoa natural ou jurídica, órgão ou entidade pública, que for acusado ou ofendido em publicação feita em jornal ou periódico, ou em transmissão de radiodifusão, ou a cujo respeito os meios de informação e divulgação veicularem fato inverídico ou errôneo, tem direito a resposta ou retificação.”

A equivocidade aqui alegada consiste na parte do dispositivo que diz “acusado ou ofendido” como elementos (causa de pedir próxima) que dariam possibilidade de se pleitear a tutela do direito de resposta. Entendemos que a acusação a uma pessoa, no contexto jornalístico, por si só, não traduz ofensa ou mentira. A eventual acusação feita a alguém é uma questão de fato, concreta, que deve ser corrigida se errada for, mas que não pode ser em si causa de pedir da tutela de direito de resposta.

No que se refere à ofensa, esta constitui uma violação de direito material, de direito substancial ligado à dignidade da pessoa (honra ou imagem atributo), cuja tutela jurisdicional a ser buscada nessa hipótese não é a tutela jurisdicional da resposta, mas sim a transformação dessa violação em dinheiro. A tutela jurisdicional pela violação do direito substancial da dignidade, no plano da eficácia, é a condenatória.

A questão salta aos olhos pela própria lógica ou semântica da expressão “resposta”, que, no contexto, está a significar revide[17]. O erro, o equívoco, a incorreção, tudo isso se corrige (se revida) com a divulgação do que é certo, do que é correto, indicando e esclarecendo o errado. Nesse aspecto, a resposta tem sua efetividade em complemento à informação antes publicada equivocadamente, preservando-se, assim, o objeto tutelado, que é o direito fundamental à informação correta.

Se permitirmos a tutela jurisdicional da resposta para as causas (de pedir) de ofensa, qual seria efetivamente a resposta (revide)? Outra ofensa? De forma pragmática: se num texto jornalístico o sujeito é tachado de desonesto, ou seja, um conceito absolutamente subjetivo, a resposta seria a de que não é desonesto ou de que é honesto? Ou a resposta se daria em retorção com outra ofensa (revide)? O Estado, que detém o Poder Jurisdicional, estaria resolvendo a crise de direito permitindo, para cumprimento da eficácia da tutela jurisdicional do direito de resposta, a produção de ofensas?

Tecnicamente a tutela de direito de resposta somente pode estar relacionada às questões fáticas, concretas, e não questões subjetivas, de juízo de valor.

Para a tutela jurisdicional do direito de resposta, que, como visto, na perspectiva da eficácia, é mandamental, a causa de pedir próxima consiste apenas e tão somente no fundamento do erro, do equívoco, portanto, de questões fáticas, dado que o provimento a ser conferido permitirá como “revide” —como resposta— o esclarecimento do que é certo.

A ofensa é um juízo de valor, um juízo subjetivo, cuja tutela jurisdicional a ser entregue pelo Estado nessa hipótese não é a resposta, é a reparação pecuniária pela violação ao direito substancial ou a condenação criminal, pela constatação de um fato típico penal.

Qualquer causa de pedir relacionada à ofensa, a um direito subjetivo, à tutela de direito jurisdicional será a condenatória, que em seu aspecto civil será a de transformar a violação de direito material em indenização pecuniária.

E é nesse sentido que as legislações e Constituições de países cuja democracia se mostra mais sólida, ou, pelo menos, de maior tempo, tem expressamente previsto.

É o caso da Alemanha, cujo direito de resposta está regulamentado em lei infraconstitucional e cuja causa de pedir relaciona-se tão somente a questões de fato apresentadas no texto jornalístico a ser corrigido por eventuais erros e equívocos. Ofensa não é causa de pedir do direito de resposta na Alemanha.

A Espanha, o chamado derecho de rectificación, também traz como causa de pedir da tutela de direito de resposta somente as questões de fato. É o que se lê da Lei Orgânica 2, de 26 de março de 1984, cujo artigo 1º dispõe que el derecho de rectificar la información difundida, por qualquer medio de comunicación, de hechos que le aludan, que considere inexactos y cuya divulgación pueda causar le perjuicio.

Também o direito francês, originalmente, traz como causa de pedir fatos a ensejar o pedido de resposta (droit de réponse)[18] .

No Brasil também não pode remanescer dúvida de que a causa de pedir do direito de resposta consiste especificamente em questões fáticas, não contemplando juízos de valor que caracterizem uma eventual ofensa.

O único comando normativo existente no ordenamento jurídico brasileiro é o artigo 5º, V, da Constituição Federal, e dele não há como se concluir que a previsão do legislador constituinte é a de contemplar como causas de pedir da tutela jurisdicional de direito de resposta a notícia equivocada, errada e também a ofensa. A propósito, da leitura do texto constitucional somente se extrai que a resposta é garantida como direito fundamental e será realizada na proporção do agravo, assegurando, ainda, a reparação por dano moral, material ou à imagem.

Como vimos, o direito de resposta é extensão da informação, corrigindo-a, explicando-a, dando novas versões aos fatos originalmente apresentados. Essa é a tutela de direito de resposta, de dignidade constitucional. A tutela constitucional da resposta encontra na natureza do conceito de resposta a sua plena eficácia, que, tal qual nos países acima citados, não encontra na ofensa uma causa de pedir possível.

Conclusão
Podemos concluir que o direito de resposta como direito fundamental constitui uma extensão do direito da liberdade de expressão e tem como objetivo recompor a verdade, ou seja, circunscreve-se tão somente na ideia de reposição da verdade.

Na perspectiva do direito material, o instituto do direito de resposta diz respeito somente aos fatos, sendo a resposta o esclarecimento, a verdade ao que foi anteriormente divulgado. Se adotarmos a distinção que parte da doutrina faz entre liberdade de expressão e liberdade de comunicação, o direito de resposta está somente vinculado à liberdade de comunicação, pois esta, como visto, diz respeito às questões objetivas, aos fatos; sendo que a liberdade de expressão, para determinada corrente doutrinária, diz respeito às questões subjetivas, de juízo de valor.

A resposta a uma ofensa seria outra ofensa, o que é terminantemente vedado pelo sistema jurídico nos povos democráticos. A aceitação disso equivaleria à ideia de se responder a todo direito violado com outra idêntica violação, tal como existia na antiguidade oriental, podendo citar como exemplo o Código de Hamurabi[19], em que imperava a Lei de Talião.

Portanto, tal como nos povos cuja democracia entende-se mais consolidada, a causa de pedir próxima quando se refere à tutela jurisdicional do direito de resposta cinge-se, tão somente, às questões fáticas, objetivas, concretas da notícia, não cabendo às hipóteses subjetivas de ofensa, de opinião. Corrobora esse entendimento a visão processual de que a tutela jurisdicional do direito de resposta, na perspectiva da sua eficácia, é uma tutela mandamental.

O argumento da ofensa deve ser tutelado pelo Estado nas ações cujo pedido é de reparação pecuniária, pelo instituto do dano moral, ou, ainda, na esfera penal, em razão de eventual crime contra a honra.

Como se disse acima, o direito de resposta veio atender objetivo não salvaguardado pela responsabilidade civil ou penal, que é apenas e tão somente a recomposição da verdade.

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YARSHELL, Flávio Luiz. Tutela Jurisdicional, 2ª edição. São Paulo: DPJ editora, 2006


[1] Nesse aspecto, é de se frisar que a expressão ‘Estado Democrático de Direito’ não é aqui utilizada tal como foi cunhada originalmente pelo espanhol Elías Diaz (em “Estado de derecho y sociedad democrátic”a), com o significado de Estado de transição para o socialismo, uma vez que neste campo poder-se-ia discutir o conteúdo da liberdade de expressão do pensamento. Trata-se, nesta referência, às atuais ordens constitucionais, tal como a brasileira, que dão guarida à liberdade de expressão mesmo num plano liberal ou da social democracia, permanecendo distantes de qualquer plano socialista.

[2]Canotilho, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição, 7ª edição. Coimbra, Portugal: Edições Almedina, p. 393

[3] Cf. Ingo Wolfgang Sarlet. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, 9ª edição. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 54-55

[4] HUNGRIA, Nelson. A nova lei de imprensa. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1955, vol. 162, p. 9 apud Edilson Faria. Liberdade de Expressão e Comunicação. São Paulo: RT, 2004, p. 53

[5] A expressão já havia sido abandonada em 1948 pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU.

[6]Faria, Edilson. Liberdade de Expressão e Comunicação. São Paulo: RT, 2004, p. 55

[7]Cione, Rubem. Do direito de resposta na lei de imprensa. São Paulo: Saraiva, 1985

[8] A Lei 4.117, de 27-8-1962, denominada Código Brasileiro de Telecomunicação, que também disciplinava de forma minuciosa o direito de resposta, mais especificamente nos dispositivos que tratavam do direito de resposta (art. 89 e ss.), foi, nesta parte expressamente revogada pelo Decreto-lei 236, de 28-2-1967, passando a valer o que dispunha, nesta parte, a Lei de Imprensa.

A Lei 9.504, de 30-9-1997, denominada Lei Eleitoral, dispõe no artigo 58 que a partir da escolha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta. Essa legislação não dispõe acerca dos pressupostos, formas e regulação desse instituto, além do que, defendemos, seu limite refere-se tão somente as disputas entre candidatos e partidos, ou seja, entre os agentes políticos.

[9] A doutrina classifica os direitos fundamentais em gerações, onde o de primeira geração referem-se as liberdades individuais; os de segunda geração dizem respeito às demandas sociais; os de terceira geração referem-se aos direitos coletivos ou difusos; e o de quarta geração diz respeito às demandas ambientais. A classificação assim estabelecida pela doutrina leva em consideração o momento histórico, mas isso não quer significar que os direitos de uma geração suplantam as das gerações anteriores. Na verdade trata-se de cumulatividade de direitos. Tiramos da obra assinada por Gilmar Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco o seguinte trecho, que muito bem sintetiza o que acima se disse: “A visão dos direitos fundamentais em termos de gerações indica o caráter cumulativo da evolução desses direitos no tempo. Não se deve deixar de situar todos os direitos num contexto de unidade e indivisibilidade. Cada direito de cada geração interage com os das outras e, nesse processo, dá-se à compreensão” (Curso de Direito Constitucional, 7ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 157).

[10] Bueno, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. Vol. 1, 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 379

[11]Yarshell, Flavio Luiz. Tutela Jurisdicional, 2ª edição. São Paulo: DPJ Editora, 2006

[12] Idem

[13] Ob. cit., vol. 1, p. 276

[14] Bueno, Cassio Scarpinella, ob. cit., p. 314

[15] Cf. Cassio Scarpinella Bueno, ob. cit., p. 318

[16] Cf. Flavio Luiz Yarshell, ob. cit., p. 177

[17] Dicionário escolar da língua portuguesa. Academia brasileira de letras.

[18]Nesse sentido, verificar artigos 13 e 13-1 da Lei de 29 de julho de 1881 – imprensa escrita- e art. 6º da Lei de 29 de julho de 1982.

[19]Hammurabi foi o governador que estabeleceu a grandeza da Babilônia, a primeira metrópole do mundo. Hammurabi viveu, acredita-se, de 1795 a 1750 a.C. Ele é estudado como um sábio legislador e sua principal obra é o conhecido Código de Hammurabi. O primeiro exemplo conhecido de um governador que proclamou publicamente ao seu povo um corpo de leis, arranjadas em grupos ordenados, de modo que todos os homens pudessem ler e saber o que era exigido deles. O código foi gravado em uma pedra preta, de segundo registros, dois metros e meio de altura, com a clara intenção de erguer-se aos olhos do povo.


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    é sócio titular do escritório Fidalgo Advogados, doutorando em Direito Constitucional na USP; mestre em Processo Civil pela PUC-SP; especializado em Direito da Comunicação e Direito Penal.

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