Rastreamento de celulares

EUA discutem conflito entre segurança e liberdades

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12 de abril de 2013, 10h31

Telefones celulares servem para muitas coisas, incluindo salvar vidas. Na área criminal, podem ajudar a solucionar casos de estupros e de sequestros, a localizar pessoas desaparecidas, às vezes até mortas, porque as operadoras podem informar rapidamente à Polícia onde o sinal do telefone da vítima foi captado pela última vez. Esses são argumentos da Polícia americana, que espera maior cooperação das operadoras de telefonia celular no combate ao crime. Mas isso as operadoras americanas evitam fazer, dizem os jornais.

Há uma justificativa, dizem elas. Há risco de serem processadas por violar direitos dos cidadãos, como o de não revelar informações confidenciais ou o direito à privacidade. E também desconfiam de que nem todos os policiais podem usar a informação para efeitos de investigação apenas. Por isso, requerem um mandado judicial cada vez que essa informação é requisitada pela Polícia.

O processo de obtenção de um mandado judicial pode ser demorado o suficiente para a informação chegar tarde demais. Principalmente em casos de raptos de crianças e adolescentes, em que há suspeita de sequestro para abuso sexual. "Se você não resolve um sequestro de criança dentro de três horas, será tarde demais", argumenta a Polícia.

No centro das discussões está o antigo conflito entre as ideias de segurança da população e os princípios consagrados das liberdades individuais. Na verdade, existe uma lei federal que "permite" às operadoras fornecer a informação sobre a localização do celular à Polícia, em casos de emergência, mas não as "obriga" a fazê-lo.

Essa discussão específica se desenrola nos EUA desde 2007, quando a estudante Kelsey Smith, de 18 anos, foi sequestrada no estacionamento de um shopping, em Kansas, e estuprada e morta. Familiares e amigos procuraram a estudante desesperadamente por quatro dias. A Polícia ajudou, enquanto discutia com a companhia telefônica a liberação da informação sobre a localização do telefone celular da moça.

Depois de quatro dias, a Polícia finalmente obteve a informação da operadora e, uma hora depois, o corpo da estudante foi localizada em um estado vizinho. Pouco tempo depois, o criminoso foi identificado, localizado e preso.

Em 2009, o Legislativo de Kansas aprovou uma legislação que viabiliza o fornecimento desse tipo de informação por uma operadora de celular à Polícia — a "Lei Kelsey", em homenagem póstuma à vítima, cujo caso que gerou a proposição do projeto de lei. A lei é específica para "casos de emergência" e tenta imunizar as operadoras contra processos judiciais, quando liberam informações pessoais com essa finalidade.

A lei dispõe: "Nenhuma causa de ação deve ser movida em qualquer tribunal contra qualquer provedora de serviços de telefonia móvel comercial ou serviço de voz sobre IP, seus executivos, funcionários ou agentes, por fornecer informação sobre localização de telefone celular em uma situação de emergência".

Nos anos seguintes, mais oito estados — Nebraska; Minnesota; Nova Hampshire; Dakota do Norte; Missouri; Havaí; Tennessee; e Utah — aprovaram leis semelhantes. Isso se deve, em boa parte, a uma cruzada empreendida pelos pais de Kelsey — Missey Smith e Greg Smith, que é senador estadual — pelos estados para "promover" a lei. Na semana passada, eles visitaram Rhode Island. E nessa semana, Nevada.

O casal leva aos parlamentares estaduais a seguinte mensagem: "Isso não é uma questão de privacidade. Não se trata de violar conteúdo dos telefonemas. Ninguém está solicitando mensagens de texto ou informações sobre quem o usuário do celular está contatando. Tudo o que pedimos é localização rápida do telefone celular".

Com essa discussão, os americanos tentam identificar a linha tênue que separa a necessidade de segurança da população da necessidade de proteger as liberdades individuais — uma fonte constante de conflitos em várias frentes políticas e jurídicas.

Versão brasileira
No Brasil, a mesma discussão é travada no Supremo Tribunal Federal desde 2010. A Associação Brasileira das Prestadoras de Serviços de Telecomunicações Competitivas (Telcomp) entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.401 contestando a Lei estadual 18.721/2010, de Minas Gerais, que obrigou as empresas de telefonia a fornecer informações sobre a localização de aparelhos de clientes. O artigo 1º da lei determinou que a concessionária de serviços de telefonia celular é obrigada a fornecer informações sobre a localização de aparelhos de clientes à Polícia judiciária do estado, mediante solicitação, ressalvando o sigilo do conteúdo das ligações telefônicas. Diz ainda que essas informações devem ser prestadas imediatamente e que a concessionária responderá por danos decorrentes do atraso no fornecimento de dados.

Segundo a associação, a lei poderia criar o hábito de os delegados de Polícia passarem a deferir interceptações telefônicas sem antes fazer o pedido a um juiz. Além disso, para a associação, não compete aos estados legislar sobre telecomunicações, atribuição exclusiva da União, conforme prevê o artigo 22 da Constituição Federal.

Em junho de 2010, o Pleno do STF concedeu liminar suspendendo a eficácia da lei até o julgamento de mérito da ação, o que ainda não aconteceu. Desde junho de 2011 o processo está concluso para o relator, ministro Gilmar Mendes, votar e levar o caso novamente ao Plenário.

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