Cessação de prática

Confissão em infração concorrencial é inconstitucional

Autores

  • José Luis Oliveira Lima

    é advogado criminalista sócio do Oliveira Lima & Dall’Acqua Advogados membro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) e ex-presidente da Comissão de Prerrogativas e Direitos da OAB-SP.

  • Rodrigo Dall'Acqua

    é advogado criminalista sócio do escritório Oliveira Lima Hungria Dall’Acqua & Furrier Advogados e diretor jurídico do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.

9 de abril de 2013, 11h32

[Artigo publicado originalmente no jornal Valor Econômico desta terça-feira (9/4)]

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou, em março, uma resolução que modifica as regras para celebração do Termo de Compromisso de Cessação de Prática (TCC). Em um breve resumo, o TCC é um acordo celebrado entre o Cade e a pessoa jurídica ou física investigada por uma suposta infração concorrencial, pondo fim ao inquérito ou processo administrativo mediante o cumprimento de certas obrigações, como o pagamento de multa. Dentre as mudanças, destaca-se o texto do artigo 185, que prevê, em caso de "investigação de acordo, combinação, manipulação ou ajuste entre concorrentes, o compromisso de cessação deverá, necessariamente, conter reconhecimento de participação na conduta investigada por parte do compromissário". Ou seja, agora, nas investigações de cartel, o TCC somente poderá ser celebrado se houver confissão.

A exigência de admissão de culpa é um enorme obstáculo à assinatura do termo de compromisso, uma vez que a infração administrativa que pune o acordo de concorrentes corresponde perfeitamente ao delito de formação de cartel, punido com penas de dois a cinco anos de reclusão. Neste caso, confessar a prática de uma conduta anticoncorrencial significa também reconhecer ter cometido um crime. A confissão da prática de formação de cartel já está prevista no acordo de leniência, mas com uma diferença fundamental: o leniente confessa o delito, auxilia nas investigações e recebe, em contrapartida, a imunidade criminal para os crime cometidos. Quem celebra um acordo de leniência pode reconhecer a prática do ilícito penal com a certeza de que não será punido; tratando-se de TCC, ao contrário, a confissão não vem acompanhada de nenhuma espécie de benefício criminal.

Hoje, portanto, aquele que assinar um Termo de Compromisso de Cessação de Prática e confessar sua participação na formação de um cartel também estará assumindo a autoria e reconhecendo a materialidade de um crime punido com reclusão. Para a Justiça criminal essa admissão de culpa poderá atenuar a pena, mas, sem dúvida, facilitará em muito o trabalho da acusação na busca por uma sentença condenatória. Nesse cenário, é importante lembrar que a Lei 12.529, de 2011, que instituiu o "SuperCade", alterou minimamente a pena para o crime de formação de cartel, mas o bastante para subtrair um relevante benefício processual-penal: a suspensão condicional do processo. Graças à aplicação desse instituto, também conhecido como sursis processual, as ações penais por formação de cartel podiam ser suspensas mediante a submissão dos acusados a um período de prova, com comparecimento regular ao fórum e pagamento de multas. Ocorre que atualmente a suspensão condicional do processo, benefício que impediu inúmeros processos e condenações em rumorosos casos de cartel, não é mais aplicável. Com as regras processuais mais rígidas, evidentemente não será um bom negócio para o averiguado confessar que celebrou acordo com seus concorrentes. Sem imunidade e sem a suspensão condicional do processo, a condenação criminal será praticamente certa.

Muito além de um criar um péssimo acordo para o cidadão investigado, a resolução do Cade também é inconstitucional. Ao exigir a confissão como condição para assinatura do TCC, erigiu um enorme obstáculo que não havia sido previsto pelo legislador. Feriu a nossa Constituição Federal ao criar, por meio de uma resolução, uma obrigação não contida na lei. O princípio constitucional da legalidade impede que a norma regulamentadora altere os limites da norma regulamentada. A única obrigação contida na Lei 12.529, especificamente sobre "hard core" cartel, está no paragrafo 2º do artigo 85, que não exige confissão de culpa, mas sim a obrigação de recolher determinado valor ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos.

A inovação trazida pelo Cade alterou substancialmente o objetivo da lei (possibilitar acordos de cessação de prática) e atentou contra o princípio constitucional da não autoincriminação. A validade dessa garantia não se restringe ao âmbito criminal, mas se aplica em outros juízos e certamente também em procedimentos administrativos. O cidadão não pode ser compelido a produzir prova contra si mesmo, confessando ou colaborando com a investigação. A resolução do Cade criou uma obrigação não contida na lei e que ainda por cima atenta contra o direito ao silêncio, sendo difícil não vislumbrar sua inconstitucionalidade.

Como efeito imediato da nova resolução do Cade teremos o afastamento de eventuais interessados em celebrar o TCC, já que a admissão de participação na prática da infração concorrencial implicará em verdadeiro esboço de sentença condenatória criminal por formação de cartel, sem qualquer imunidade ou benefício processual. O questionamento da legalidade desta restrição também poderá ocorrer, já que maculados os princípios constitucionais da legalidade e da garantia contra a autoincriminação.

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