AP 470

Ministros criticam exageros de Joaquim Barbosa

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26 de setembro de 2012, 21h40

“O relator parte de uma premissa de que nesse colegiado, embora de nível muito elevado, todos têm de aderir, talvez cegamente, ao que colocado por Sua Excelência. Isso é muito ruim”. As palavras são do ministro Marco Aurélio, criticando o destempero do relator da Ação Penal 470, o processo do mensalão, ministro Joaquim Barbosa, em relação às divergências colocadas pelo revisor, Ricardo Lewandowski. Marco Aurélio criticou a postura do colega na noite desta quarta-feira (26/9) por conta de discussões travadas em plenário.

Relator e revisor voltaram a discutir na retomada da sessão de julgamento do item 6 da denúncia. O ministro Joaquim Barbosa criticou de forma ostensiva as divergências abertas pelo revisor Ricardo Lewandowski, a ponto de os demais ministros terem de intervir.

“Policie a sua linguagem, ministro!”, disse o colega Marco Aurélio, ao criticar os ataques do relator ao revisor. Em voto longo, iniciado ainda na sexta-feira (21/9), Ricardo Lewandowski absolveu alguns dos réus e afastou a maioria das imputações por lavagem de dinheiro, por concluir que o Ministério Público não discriminou condutas isoladas que justificassem a condenação por lavagem. Depois de discussões no início da tarde, o ministro Joaquim Barbosa, irritado, fechou o dia questionando o fato de Lewandowski discordar de algumas imputações.

“Vamos respeitar os colegas. Vossa Excelência não está respeitando a instituição”, disse Marco Aurélio ao censurar a postura do ministro relator. “Fazer uma observação ao revisor, que tem o papel de revisar o meu trabalho, não me parece que seja desrespeito”, replicou Barbosa, ao que Marco Aurélio respondeu: “Com agressividade, ministro. Com agressividade”.

Na segunda parte da sessão de julgamento desta quarta-feira (26/9), o ministro Ricardo Lewandowski encerrou seu voto referente a subitens do sexto capítulo da peça de acusação, que trata de imputações contra parlamentares que teriam recebido propina para apoiar o governo do PT a partir de 2003. O revisor votou pela absolvição do primeiro-secretário do PTB, Ermeson Palmieri e condenou o ex-deputado do PTB federal Romeu Queiroz apenas por corrupção passiva, o absolvendo de crime de lavagem de dinheiro.

Joaquim Barbosa não gostou das conclusões do revisor, que considerou frágeis as provas contra Emerson Palmieri. O relator disse que Lewandowski “negava” a realidade ao absolver Palmieiri. O presidente da corte, ministro Ayres Britto tentou intervir, mas Barbosa insistiu que o revisor “contornava a realidade”. “Não, não está contornando, Excelência. Cuidado. Cuidado com as palavras”, interrompeu o ministro Marco Aurélio. E a discussão se acirrou.

Joaquim Barbosa: Eu respondo pelas minhas palavras, ministro!
Marco Aurélio: Mas Vossa Excelência está num colegiado de alto nível.
Barbosa: Leia-me!
Marco: Eu li. Eu tenho o voto aqui sublinhado, de Vossa Excelência. Está aqui, olha! Em caneta vermelha!
Barbosa: Eu não gosto de hipocrisia, sabe…

O ministro Ayres Britto, mais uma vez, tentou acabar com a discussão, afirmando que o conjunto de fatos em apreciação “comportam leituras distintas”. Foi seguido pelo decano da corte, ministro Celso de Mello, que afirmou que “uma eventual contraposição dialética em torno da interpretação de fatos ou de normas é parte do julgamento por um órgão colegiado”.

Barbosa, então, insistiu que não se tratava de simples divergências, mas Celso de Mello argumentou que discordâncias em Plenário eram normais. “O princípio da colegialidade acolhe esses dissensos, que são naturais”, disse.

Barbosa não se deu por vencido. “Se o revisor faz colocações que vão inteiramente de encontro com o que o relator disse, não tem o relator o direito de, pontualmente, chamar a sua atenção?”, questionou. “O que eu fiz? Eu chamei a atenção para três depoimentos, três documentos capitais do processo”, afirmou.

Lewandowski disse que, a exemplo de jornalistas, que observam os mesmos atos e “escrevem reportagens diametralmente opostas”, ele extraía suas conclusões do exame que fazia das provas.

“Estou trazendo minhas dúvidas, mas não minhas convicções. Estou, inclusive, trazendo provas que militam contra meu raciocínio”, inisistiu Lewandowski, que se referiu ainda ao conteúdo dos autos como “prova caledoscópica”. “A cada pagamento, fui procurar uma prova que subsidiasse a acusação”, disse o revisor.

“Para ajudá-los, eu distribuo meu voto, ministro. Para ajudar os jornalistas, para prestar contas à sociedade, eu distribuo meu voto. Seria bom que vossa excelência fizesse o mesmo”, disparou, mais uma vez, Joaquim Barbosa. O ministro criticou ainda as conclusões do revisor em relação à viagem realizada pelos réus a Portugal em 2003. Lewandowski havia afirmado que o mote da viagem do grupo liderado por Marcos Valério era os bastidores da privatização da Brasil Telecom. Barbosa respondeu dizendo nenhum dos réus estava autorizado a falar oficialmente em nome do governo brasileiro.

“Ministro Joaquim, os fatos comportam leituras. E o ministro Lewandowski está fazendo uma leitura dos fatos. É um direito dele”, disse o presidente do STF, em outro momento.

Barbosa, contudo, passou a criticar o tamanho dos votos do ministro relator. "Estou dizendo que é absolutamente heterodoxo um ministro ficar medindo o tamanho do voto do relator para replicar", disse Barbosa.

Condenações
O ministro Lewandowski votou, ao todo, pela a condenação de nove réus e absolvição de outros quatro no bloco do sexto capítulo da denúncia, que trata das acusações contra políticos dos partidos PP, PL, PTB e PMDB, além de sócios de corretoras de valores acusados de favorecerem a lavagem do dinheiro repassados a parlamentares corrompidos.

O revisor condenou o presidente do PTB, Roberto Jefferson e o ex-deputado do partido Romeu Queiroz por corrupção passiva, os absolvendo da acusação de lavagem de dinhero, assim como o ex-líder do PMDB na Câmara, José Borba. O ministro absolveu de todas as imputações o primeiro-secretário do PTB, Emerson Palmieri. 

Assim, revisor e relator do processo concordaram nas imputações de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha contra Waldemar Costa Neto e Jacinto Lamas e na absolvição do ex-assessor parlamentar Antonio Lamas, todos do extinto Partido Liberal (PL). Quanto a Bispo Rodrigues, ex-deputado da legenda, acusado apenas de corrupção passiva e lavagem, o ministro revisor divergiu do relator, o condendando apenas pela imputação de corrupção passiva.

Lewandowski condenou os réus do PP, Pedro Corrêa e João Claúdio Genú, por corrupção passiva e formação de quadrilha, os absolvendo da acusação de lavagem, ao contrário de Barbosa que os condenou pelas três imputações. Também discordando de Barbosa, o revisor pediu pela absolvição integral do deputado federal Pedro Henry (PP-MT). Dentro desse mesmo bloco, Lewandowski condenou também o sócio da operadora Bônus Banval, Enivaldo Quadrado, por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, acolhendo voto do relator, mas absolvendo de todas as imputações Breno Fischberg.

Nesta quinta-feira (27/9), os demais ministros devem votar sobre os crimes de corrupção passiva descritos no item 6 da denúncia. Relator e revisor do processo ocuparam duas sessões e meia, cada um, para votar apenas nesse bloco. Se todos os ministros votarem nesta quinta, terão sido duas semanas apenas para que o Supremo Tribunal Federal julgasse uma parte do item 6. Depois que os ministros se manifestarem, o ministro relator segue com a votação sobre a outra parte do mesmo item, relativa a acusações de corrupção ativa contra dirigentes do PT e o grupo do publicitário Marcos Valério.

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