Justiça Tributária

Imunidade é coisa séria, não se pode brincar com isso

Autor

  • Raul Haidar

    é jornalista e advogado tributarista ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

17 de setembro de 2012, 12h21

Spacca
Num Estado democrático de Direito não basta que a Constituição seja observada. Tão importante quanto isso é que ela seja cumprida tal como está escrita, sem que se sujeite a interpretações subjetivas. Só o seu cumprimento fiel viabiliza a justiça que tanto almejamos. Essa forma de ver as coisas é que vai ao encontro da necessidade de obtermos a verdadeira justiça tributária.

Exatamente por isso, a discussão que se trava no Supremo Tribunal Federal em torno da imunidade dos livros eletrônicos simplesmente não deveria existir. O artigo 150, VI, letra d da Constituição é claro ao proibir a cobrança de impostos sobre livros. Não se trata de isenção (favor fiscal) ou não incidência (ato que não se sujeita ao tributo), mas é uma ordem da Carta Magna no sentido que tais coisas (livros) não possam ser tributadas.

Ora, em nenhum momento o chamado livro eletrônico deixa de exercer sua função, que é servir de instrumento de cultura ou informação.

Antes da Constituição de 1967 a imunidade alcançava apenas o papel destinado à impressão dos livros e jornais. A partir dela, ficou imune o livro.

Na vigente carta política como igualmente nas anteriores, via-se que a imunidade tinha como tem a finalidade de proteger certos atos, princípios, fundamentos ou necessidades do Estado democrático de Direito. Concede-se imunidade ao templo, eis que a liberdade religiosa deve ser preservada. Também ao patrimônio, renda ou serviços de partidos políticos, pela necessidade de estimular ou proteger os instrumentos da democracia.

Em sua conhecida obra Imunidades, o professor Ruy Barbosa Nogueira registrou que
“Todos os gêneros: livro, jornal e periódico e suas espécies não podem, por princípio proibitivo constitucional , ser objeto de nenhum imposto.” (Ed. Saraiva, 1992, p. 143)

A obra mencionada, datada de 20 anos atrás, não poderia prever o livro eletrônico. Mas não há a menor dúvida de que se trata de espécie de livro, este considerado o que sempre foi: instrumento de divulgação de conhecimento, de transmissão de ideias, de entretenimento, enfim, de cultura no seu sentido mais amplo.

Na obra mencionada, o professor Ruy Barbosa Nogueira registra que a Carta Magna não menciona livro como espécie, mas como gênero, o que inclui todas as espécies de livros. Tratava-se à ocasião, de discutir sobre o ICM relativo a álbuns de figurinhas de caráter cultural.

Aliomar Baleeiro, em sua conhecida obra Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar (Forense, 1977) já havia registrado que a imunidade protege objetivamente a coisa apta ao fim, o livro, não importa que tipo de livro. Portanto, se o livro eletrônico cumpre sua finalidade que é permitir o acesso a obras literárias, artísticas, técnicas, etc., ou seja, se ele permite que se faça (e de forma aperfeiçoada) a finalidade do livro, faz jus à imunidade, pois não se protege o papel e nem a máquina, protege-se o conhecimento, a cultura.

Os ministros do STF são usuários de praticamente todos os recursos eletrônicos hoje disponibilizados pela tecnologia. Estão, portanto, perfeitamente atualizados com a evolução dos meios de comunicação, que incluem os livros, inclusive os eletrônicos.

Sabem que reconhecer que livros eletrônicos são uma espécie de livro, é o mesmo que reconhecer o celular como uma espécie de telefone.

Nós advogados confiamos no Judiciário. Caso contrário, teríamos que abandonar a profissão. Por isso mesmo, acreditamos que a imunidade da espécie denominada “livros eletrônicos” será reconhecida como imunidade em vigor para o gênero a que pertencem, os livros. 

Autores

  • é advogado tributarista, ex-presidente do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP e integrante do Conselho Editorial da revista ConJur.

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