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É preciso estar aberto para o novo e esquecer os vícios

Autor

  • Claudio Wilberg

    é consultor sócio da LegalManager professor da pós-graduação em Direito na Fundação Getúlio Vargas e de Gestão de Serviços Jurídicos no Centro de Extensão Universitária da Unisinos (Porto Alegre). É formado em Engenharia Eletrônica pela PUC-RJ e MBA pelo INSEAD na França.

14 de setembro de 2012, 8h00

Spacca
Quando os livros de História do futuro falarem sobre as Eras pelas quais a humanidade já passou, ninguém tem a menor dúvida de que a recente década de 1990 terá o seu lugar de destaque. A chegada da internet, nascida um pouco antes, mas debutando por volta do meio daquela década, deu início ao que já chamamos de Era da Informação, na qual os bens materiais, apesar de obviamente importantes, competem em importância e em valor com bits de informação trafegando pelo mundo das mais variadas formas.

Bancos, empresas e governos efetuam transações de bilhões de dólares, euros e reais sem que haja uma cédula sequer à vista. Sim, você poderá dizer que isto não é novo e que transações eletrônicas, cartões de créditos e folhas de cheque já estão disponíveis há muitos e muitos anos, mas a diferença agora é a quantidade de informação à disposição de tudo e de todos, praticamente de qualquer lugar.

Quando a internet começou, olhávamos para ela como uma grande enciclopédia onde empresas e pessoas publicavam conteúdos estáticos sem a possibilidade de agirmos sobre aquela informação diretamente. Aquela fase passou e rapidamente as empresas enxergaram a possibilidade de interagir, permitindo que comprássemos e vendêssemos produtos e serviços, criando o caminho para o que muitos já conhecem e outros irão conhecer em breve.

Digo isto, pois, vou falar aqui de uma "doença" que afeta a mim, a você e a milhões de usuários de internet nascidos antes desta tal de internet: a SMP ou "Síndrome do Milênio Passado". Essa síndrome, para nossa felicidade e alívio, não é genética e não está sendo passada para a nova geração. Ela existe em nós por termos sido alfabetizados e crescemos com livros obrigatórios designados pelo MEC e com cadernos de caligrafia para que nossa letra fosse, se não bonita, pelo menos legível (céus, hoje eu mal reconheço minha própria letra quando escrevo). Tínhamos também aulas de redação na qual aprendíamos que um texto bem escrito tem que ter introdução, desenvolvimento e conclusão, e que não devíamos começar a escrever se não tivéssemos uma boa ideia do que colocaríamos nas três partes do texto.

Estes vícios que trouxemos da época do papel é o principal indício de que ainda padecemos da SMP. Por mais que tentemos, nossa maneira de pensar e de agir ainda é muito linear, condicionada ao aprendizado que tivemos lá atrás. A mudança para este Mundo Novo é lenta e muitas vezes traumática, o que faz com que muitos se satisfaçam com o status quo e resistam com unhas e dentes às inevitabilidades dos tempos modernos.

Deixe-me sugerir que não resista! Observe jovens e crianças à sua volta e a maneira com que lidam com objetos eletrônicos que invadem o nosso dia. Analise o teclado de um Nintendo DS ou de um PlayStation PS3 e lembre-se do Atari da nossa época com um joystick e apenas um botão para disparos. Como é que eles conseguem se entender com todos aqueles botões?

Deve ser a imunidade adquirida à SMP! Entre um iPhone com dezenas de jogos em português e em inglês para uma criança de 4 ou 5 anos que mal sabe ler, e admire-se com a facilidade e naturalidade com que ela navega por aquele ambiente que nós, "macacos velhos", ficamos fascinados em ter aprendido. Para elas, tudo é muito óbvio; para a gente, tudo é muito novo.

O ponto principal que quero trazer à tona é que tudo está mudando de novo e que está mudando muito mais rápido do que antes. A mudança aparente que a internet trouxe foi apenas a ponta do iceberg, tornando o mundo menor e o acesso à informação mais fácil para todos. Um exemplo simples disso foi num recente episódio numa mesa de bar. Eu conversava com amigos sobre escaladas e o assunto tendeu para o monte Everest. Começou uma discussão sobre quantas pessoas já tinham atingido o seu cume. Tirando o fato de ser uma discussão inócua e que não vai fazer diferença para ninguém, levamos uns 15 minutos até que alguém lembrasse de tirar do bolso um smartphone com navegador, acessasse um site destes de perguntas gerais (acho que foi o Yahoo Answers) e descobrisse que foram entre 2.600 e 2.800 pessoas até hoje. Pronto, assunto encerrado! Não quero dizer que a discussão em si não tem mérito. Muito pelo contrário! Acredito que uma discussão inteligente, embasada, onde os pontos são ouvidos e debatidos, continue sendo o alicerce para o aprendizado de todos. Em relação a isto, vale uma ressalva de um ponto a favor e um contra em relação à abundância de informação: o ponto a favor é a resposta rápida quando a pergunta é objetiva; o ponto contra é se afastar da discussão e confiar cegamente em dados colhidos na internet.

Este mundo novo, para não dizer que só falei de flores, irá trazer impactos sociais grandes, muitos deles negativos. Passamos a nos comunicar de forma eficiente através de nossos aparelhinhos no bolso, eliminando fronteiras, barreiras alfandegárias, custos de ligações e distâncias enormes com e-mails, torpedos, Skype e coisas do gênero. Hoje falamos com o mundo todo sem sabermos ou sem nos importarmos de onde está nosso interlocutor. Esse conforto traz também o lado negativo de diminuir a necessidade do contato físico e, numa vertente ainda pior, se tornar uma pessoa virtual. Exemplos disto estão em filmes recentes como "Substitutos" (com Bruce Willis) e "Gamer" (com Gerard Butler) onde toda a interação social se dá num mundo virtual, tornando os indivíduos reféns de seus personagens. São exemplos exagerados, sem dúvida, mas são riscos que enfrentaremos numa esfera um pouco menor no nosso ambiente profissional.

Serviços poderão ser prestados sem que haja o contato direto entre as pessoas ou empresas e muitas áreas poderão ser terceirizadas (outsourcing) sem que isto afete a operação. Muito pelo contrário, o argumento a favor do outsourcing é exatamente a transferência de serviços específicos para profissionais especializados que realizarão o trabalho de forma melhor, mais rápida e normalmente mais barata do que o profissional interno.

No livro O Mundo é Plano, de 2005, o autor Thomas Friedman aponta a internet, o outsourcing e nossos smartphones como alguns dos viabilizadores desta nova Era. Ele foi muito feliz no lançamento deste conceito (e conta logo no início do livro que ouviu este termo de um de seus técnicos no momento em que montavam uma videoconferência entre quatro continentes), pois o "mundo plano", assim imaginado pelos navegadores, se tornou realidade hoje no sentido de ter eliminado muitas fronteiras geopolíticas, sociais e financeiras, disseminando o conhecimento e a informação não apenas para executivos, mas para pessoas do mundo inteiro que mal tiveram acesso a escola.

O fenômeno da Inclusão Digital é um exemplo desta planificação social. Organizações como o CDI (Comitê para Democratização da Informática) se organizam há anos para levar o conhecimento para classes menos favorecidas, fazendo com que estes jovens se sintam motivados e com chances de jogar de igual para igual num mundo novo.

Olhando para o nosso ambiente de trabalho, o importante é ter em mente que tudo está em constante mudança e que o importante no futuro é ter acesso à informação, independente de onde ela esteja e de onde você esteja. Esqueça a pilha de pastas de processos em cima das mesas ou no transporte destas mesmas pastas de um lado para o outro (tome um café na Av. Paulista, por exemplo, e verá dezenas de advogados e estagiários carregando quilos de pastas, reforçando este ponto), pois, quer você queira ou não, boa parte delas será digitalizada e o espaço do arquivo será liberado para um uso mais nobre.

Além disto, o argumento de que "é desconfortável ler na tela do computador" também cairá por terra pois aos poucos veremos novas "telas" e até novos "computadores" substituindo o que hoje entendemos como computador (tela-teclado-mouse). Voltando ao cinema, pense numa mistura dos computadores usados pelo Tom Cruise em "Minority Report" com as imagens da sala de comando do recente "Avatar". Aos poucos vemos ferramentas reais (como o iPad, recém-lançado pela Apple como mais um sonho de consumo) surgirem das formas mais inesperadas e, quando paramos para pensar, já estamos cercados e usando um monte delas sem sentir. Basta olhar um automóvel novo e pensar em injeção eletrônica, GPS, sensores de chuva, sensores de claridade, som com MP3, sensores de estacionamento, abertura de porta por proximidade e coisas do gênero para ver como os computadores estão presentes sem percebermos.

O importante é mantermos a cabeça aberta para este novo mundo, deixando para trás os nossos vícios e começarmos a explorar novas maneiras de usar e de acessar o potencial de conhecimento disponível. Deixemos a nova geração indicar o caminho e a sigamos sem medo, pois eles sabem muito melhor do que a gente o que ainda está por vir.

Autores

  • é consultor, sócio da LegalManager, professor da pós-graduação em Direito na Fundação Getúlio Vargas e de Gestão de Serviços Jurídicos no Centro de Extensão Universitária da Unisinos (Porto Alegre). É formado em Engenharia Eletrônica pela PUC-RJ e MBA pelo INSEAD, na França.

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