O adeus da Xerife

Em despedida do CNJ, Eliana Calmon não pune ninguém

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4 de setembro de 2012, 20h36

A ministra Eliana Calmon se despediu do cargo de titular da Corregedoria Nacional de Justiça, durante a sessão plenária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta terça-feira (4/9), amargando uma série de pedidos de vista de casos em que era relatora. Com quase metade dos casos em pauta sob sua relatoria, a maioria deles tratava de processos administrativos contra magistrados. A ministra deixa formalmente o Conselho nesta quinta-feira (6/7).

Foram, pelo menos, dez pedidos de vista, sem contar os processos retirados da pauta e julgados em bloco. Ainda pela manhã, os itens que tinham como relatora a ministra e que tratavam de denúncias contra magistrados foram, um a um, interrompidos por pedidos de vista de colegas conselheiros, que se justificavam pela necessidade de mais detalhes sobre os casos trazidos a Plenário pela corregedora. Os conselheiros, assim como os advogados, consideraram que a ministra tentou forçar o exame de processos que ainda não estavam maduros para votação.

O processo que gerou mais debate foi o pedido de providências em relação à suposta infração disciplinar cometida pelo ex-presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desembargador Luiz Zveiter. O Conselho Nacional de Justiça acabou retirando o julgamento da pauta. O caso se refere a alegado indeferimento de solicitação de escolta feita pela juíza Patrícia Acioli, assassinada, posteriormente, com 21 tiros, por policiais militares, no Rio de Janeiro, há cerca de um ano.

A ministra corregedora fez o pedido de providências a partir de declarações da família de Acioli sobre a possibilidade de omissão daquela corte quanto à segurança da juíza. Depois de breve discussão e da suspensão e retomada do julgamento por conta da ocorrência de problemas técnicos que inviabilizaram o acesso aos autos pelos conselheiros, o Plenário decidiu, por fim, retirar o processo da pauta.

O pedido de providências contra Zveiter incluia também como requerida a então juíza auxiliar da Presidência do TJ fluminense e hoje desembargadora Maria Sandra Rocha Kayat Direito. Ainda faltavam dez dias para encerrar o prazo de defesa preliminar da juíza, mas no fim da tarde desta segunda-feira (3/9), a corregedora mandou arquivar a apuração contra a magistrada para manter o processo em pauta e julgar o caso antes de sua saída.

No início do julgamento, o advogado de Zveiter, Márcio Thomaz Bastos, apresentou questão de ordem para que o caso fosse retirado da pauta. Bastos criticou a conduta da corregedora e afirmou que houve a exclusão de uma das partes a fim de que o processo fosse precocemente levado a julgamento. Para Márcio Thomaz Bastos, a mudança abrupta no processo, feita de última hora, resultou em uma “grave e enorme lesão ao direito pleno de defesa”. “A ministra corregedora e relatora cometeu um erro e anistiou a desembargadora [juíza auxiliar na época] da condição de requerida sem que houvesse um fato novo”, disse Bastos.

Frente às críticas do advogado, a corregedora afirmou que a apuração sobre a juíza foi arquivada porque ficou provado que a magistrada, ao endossar a dispensa de segurança de Patrícia Acioli, apenas deu um parecer, mas que o presidente do tribunal “tinha a obrigação de tomar uma decisão”. Para Eliana Calmon, ficou comprovado que a então juíza auxiliar apenas ocupava a posição de uma parecerista, “que nada tinha a ver com o processo”.

Com a Questão de Ordem colocada pelo advogado, o presidente do CNJ, ministro Ayres Britto, abriu votação para saber se o processo deveria ou não sair de pauta. Os conselheiros passaram a discutir se a juíza era litisconsorte e se a sua exclusão prejudicava ou não a defesa do ex-presidente do TJ-RJ.

Eliana Calmon tentou explicar sua atitude, dizendo que ao fazer “a sintonia fina do processo”, verificou que a magistrada não estava envolvida no caso. “Não foi absolutamente maquiavelismo ou manobra. Uma juíza que manobra para julgar, eu acho que não mereceria as palavras que foram ditas por Vossa Excelência. Quem faz isso não merece elogios ou sequer uma despedida digna da forma como Vossa Excelência fez aqui”, disse a ministra em relação aos comentários do ministro Ayres Britto em seu favor.

A discussão prolongou-se até que foi observado que os autos sequer estavam disponíveis para consulta. “Nenhum dos conselheiros conseguiu ter acesso aos autos. Você acessa o sistema, coloca sua senha e aparece: ‘processo restrito”, disse o conselheiro Bruno Dantas. “O que significa que nenhum conselheiro, com exceção da corregedora, teve acesso aos elementos do expediente”, observou.

Eliana Calmon afirmou que o problema era do sistema, pois havia sido informada que o acesso estava liberado aos demais colegas. No entanto, o conselheiro Emmanoel Campelo insistiu que o bloqueio cabia à  Corregedoria e não à informática. O julgamento foi interrompido até o problema ser solucionado, quando os conselheiros voltaram a discutir se o processo podia ser julgado mesmo sem os conselheiros terem prévio acesso aos autos. Finalmente, por maioria, o plenário decidiu que o julgamento deveria ser retirado da pauta.

Momento final
“Estamos pondo sua resistência à prova”, disse o ministro Ayres Britto sobre o número elevado de processos sob relatoria da corregedora Eliana Calmon. “Não ponha, ela é muito grande. Derrubo vocês todos”, respondeu Calmon, arrancando gargalhadas dos colegas e da audiência. Ao final da sessão desta terça-feira, a ministra foi homenageada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal e do CNJ, ministro Ayres Britto, pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, e pelos colegas conselheiros.

“Vossa excelência monta relâmpago em pêlo”, disse o ministro Ayres Britto.  O presidente do STF afirmou ainda que  a corregedora é dotada do dom da indignação, desfrutando de uma predisposição para tudo apurar, tudo revolver”, disse Britto. Em sua última sessão, pelo menos, a corregedora não conseguiu exercitar essa vocação.

Diretora da escola
Também nesta terça-feira, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça elegeu, por aclamação, Eliana Calmon para o cargo de diretora geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam). 

Eliana substitui o ministro Cesar Rocha, que apresentou seu pedido de aposentadoria na última segunda-feira (3/8). 

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