Ponto de vista

Ampla análise sobre a Lei de Lavagem de Dinheiro

Autor

  • Heloisa Estellita

    é professora da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas e coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito Penal Econômico e da Empresa na mesma instituição.

4 de setembro de 2012, 14h31

Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini lançam a obra conjunta Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais — Comentários à Lei 9.613/98, com as alterações da Lei 12.683/2012, publicado pela editora Revista dos Tribunais e prefaciado pela ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura.

Desnecessário tecer considerações sobre as já consolidadas carreiras acadêmica e profissional dos autores, bastando lembrar que são, ambos, professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, e representantes do que de melhor há na nova geração de penalistas e processualistas de nosso país.

O fato de estar sendo publicada logo após a entrada em vigor das profundas alterações feitas na Lei 9.613/98 pela Lei 12.683, de 9 de julho de 2012, não deve enganar o leitor: não se trata de comentários às novidades, mas, sim, de uma ampla e aprofundada análise da regulamentação da lavagem em nosso direito positivo, já elaborada à luz dos dispositivos alterados pela reforma de 2012.

Um dos grandes méritos da obra é certamente a profundidade alcançada tanto na análise penal, quanto na processual penal, algo inédito na literatura nacional. Destacarei, nesta breve resenha, alguns pontos da obra, apenas para “abrir o apetite” dos futuros leitores.

Na parte penal, a cargo de Pierpaolo Cruz Bottini, merece destaque, de saída, a análise acerca do bem jurídico tutelado pelos tipos penais do artigo 1o da Lei 9.613/98, cujos resultados terão implicação direta com outro tópico de fundamental importância, que é o da natureza permanente ou instantânea do crime, especialmente na modalidade de “ocultar”. Como ressalta o autor, o deslinde dessa questão “impacta na contagem do prazo prescricional e na definição da extensão da aplicação das alterações da lei de lavagem de dinheiro no tempo” (p. 75), especialmente em virtude da abertura do rol dos crimes antecedentes para quaisquer “infrações penais”.

Abertura que, como sabem todos, trouxe para a base material do crime de lavagem o produto dos crimes tributários, tema delicadíssimo em nosso país, e que também é objeto de percuciente análise pelo autor, que não se furtou a analisar a questão da constituição do crédito tributário, tal qual exigida pela Súmula Vinculante/STF 24. A irrelevância da extinção da punibilidade do crime antecedente para o crime de lavagem, novidade inserida pela reforma de 2012, é também examinada, especialmente vis-a-vis do instituto da delação premiada.

Os elementos subjetivos são objeto de detida análise em tópico próprio. Sabem todos que representam capítulo importante da configuração típica dos crimes de lavagem, especialmente na modalidade do dolo eventual, o qual é confrontado pelo autor com a culpa consciente, a qual invoca, de imediato, o tema da cegueira deliberada, “onde o agente sabe possível a prática de ilícitos no âmbito em que atua e cria mecanismos que o impedem de aperfeiçoar sua representação dos fatos”(p. 97).

Temas que já são complexos por si, mas que no âmbito da lavagem assumem ainda maior complexidade, são a seguir enfrentados por Pierpaolo Cruz Bottini: o concurso de agentes e a omissão penalmente relevante. Apenas para destacar dois dos tópicos enfrentados, e cuja amplitude dos efeitos ainda não se pode antecipar, fiquemos com os da inclusão dos advogados no âmbito das pessoas obrigadas na política preventiva (artigo 9o, parágrafo único, inciso XIV), e dos limites de sua participação punível. Após detida análise dos direitos e deveres dos advogados, conclui o autor que “o advogado não tem o dever de comunicar atos suspeitos de lavagem, mas tem o dever de se abster de contribuir com eles”(p. 139).

A segunda parte da obra, a cargo de Gustavo Henrique Badaró, é dedicada aos aspectos processuais penais da Lei de Lavagem. E aqui merece destaque, de saída, a densidade da análise que o autor faz acerca da questão da relação de acessoriedade entre o crime de lavagem e a infração antecedentes, especialmente sob o viés da influência da coisa julgada no processo pelo crime antecedente. Questão que ganha em importância prática após a eliminação do rol de crimes antecedentes.

A competência para o processo e julgamento do crime de lavagem é objeto de detida análise, que passa não só pela questão das “varas especializadas no combate à lavagem de dinheiro” no âmbito da Justiça Federal, mas vai além para alcançar o tema da conexão e do foro por prerrogativa de função, que adquire especial relevância nos casos nos quais haja corréu(s) que não ostentem tal prerrogativa.

A delicada questão da justa causa para a ação penal, objeto de dispositivo específico na Lei de Lavagem (artigo 2o, parágrafo 1o, primeira parte), é confrontada com a da prova da infração antecedente para fins de condenação pelo crime de lavagem. Na visão de Gustavo Henrique Badaró, embora o standard para a justa causa para a ação penal no crime de lavagem tenha recebido disciplina específica, “para a condenação exige-se certeza” (p. 266).

Ponto alto do trabalho, em minha opinião, é a minuciosa análise das cautelares reais e da alienação antecipada de bens, “uma das grandes novidades da Lei 12.683/2012” (p.301). O autor analisa o tema sob o ponto de vista da finalidade, sustentando que se dê uma interpretação “bastante restrita ao § 1o do art. 4o, da Lei 9.613/98” (p. 302). A seguir, trata minuciosamente da liberação dos bens constritos, do comparecimento pessoal como condição do conhecimento do pedido de liberação, do levantamento do sequestro e das defesas a ele oponíveis, bem como da detalhada disciplina da alienação antecipada, incorporada pelo artigo 4o-A da lei.

O autor continua o exame detalhado dos demais dispositivos, valendo destaque, a título de remate desta resenha, a análise do novo artigo 17-D, que determinou o afastamento das funções do servidor público indiciado por lavagem de capitais. Não hesita Gustavo Henrique Badaró em afirmar, de saída, que a regra “viola a garantia constitucional da presunção de inocência, enquanto regra de tratamento do acusado”, destacando tratar-se de “pura equiparação de quem já está sendo processado, com o condenado por sentença já transitada em julgado” (p. 359).

Os destaques feitos nessa resenha certamente refletem os pontos que se identificam com as principais angústias de quem a redige. Que o leitor a eles não se apegue, posto que a obra vai muito além disso, como sua leitura comprovará.

Serviço
Titulo: Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais — Comentários à Lei 9.613/98, com as alterações da Lei 12.683/2012 (clique aqui para comprar)
Autores: Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini
Editora: Revista dos Tribunais
Edição: 1ª Edição – 2012
Preço: R$ 68,00

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