RESTRIÇÃO CONSTITUCIONAL

União não pode definir escolha de defensor geral estadual

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2 de setembro de 2012, 12h54

A União não pode definir em Lei Federal (LC 80/94) o modelo de escolha de Defensor Geral estadual principalmente pelo fato de que nem mesmo adota o modelo imposto para a esfera estadual na área federal.

Na área federal, o defensor geral é livremente escolhido pelo presidente da República dentre membros da carreira, e no caso da esfera estadual, passou-se a exigir, em lei federal, lista tríplice votada pelos defensores estaduais e adentrou em minúcias como tempo do mandato (dois anos), limite para reeleição para os estaduais (o que inexiste para a área federal).

A organização das defensorias estaduais e a forma de escolha do defensor geral, não se inserem no conceito de “normas gerais” previsto na Constituição Federal. De fato, nada impede que os estados adotem o modelo de lista tríplice, mas não são obrigados a seguir a regra do art. 99 da Lei Complementar 80/94, inclusive podem prever que não há reeleição, ou definir reeleição ilimitadamente ou prever mandatos de quatro ou cinco anos em vez de dois anos apenas. Afinal, são normas específicas dentro da autonomia dos estados que estão acima da autonomia da defensoria e somente a Constituição Federal pode limitar a autonomia dos estados, o que não fez neste caso.

A forma definida pelo art. 99 da LC 80/94 para escolha do defensor geral nos estados extrapola os limites do termo constitucional “normas gerais” previsto no art. 134 da CF, além de violar também o princípio constitucional do pacto federativo a “autonomia dos estados”, estabelecido no art. 25, ambos da CF.

A escolha do defensor geral, nem da União, nem estadual, não estão previstas na Constituição Federal, logo se deve preservar a autonomia dos estados para definir os critérios como tempo do mandato, possibilidade de reeleição, público que vota e que pode ser votado. E nem se trata de prejudicar a autonomia da Defensoria, pois pode o Estado optar por definir que seria nomeado o primeiro votado da lista, independente de lista tríplice ou sêxtupla ou outro critério.

A rigor, isto não viola a autonomia da Defensoria, pois o modelo de lista tríplice a ser escolhida pelo governador é que pode romper com esta autonomia em relação ao Poder Executivo estadual. Lado outro, a autonomia da defensoria não pode estar acima da autonomia dos estados em si, também prevista na Constituição Federal.

Não é crível que a União adote uma organização de defensoria para si e imponha outra para os estados. Também é preciso ressaltar que a Defensoria não é órgão de fiscalização, mas de assessoria jurídica, logo é importante que o protagonista seja o cliente e não o seu assessor que presta assistência jurídica.

A Constituição Federal não estabelece a forma de escolha do defensor geral. Logo, cada estado pode escolher a forma e o rito que entender mais compatível com a sua realidade. A rigor, em momento algum do texto constitucional cita o termo “defensor geral”.

Portanto, a Constituição não estabeleceu que o defensor geral fosse escolhido pelos integrantes da carreira e nem eleito dentre os próprios integrantes da Carreira. O fato de constar apenas recentemente que é uma Instituição autônoma na Constituição Federal, não torna constitucional a forma restritiva de escolha do cargo de chefia prevista na LC 80/94, principalmente para os estados, pois vários órgãos públicos com autonomia têm a chefia escolhida de forma diversa, sendo importante que haja uma participação do público economicamente carente neste processo de escolha para maior legitimidade.

Por oportuno, transcrevem-se os termos da norma constitucional:

Art. 134…….

1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados,em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004

Como se observa acima a Constituição Federal não definiu a forma de escolha do Defensor Geral, em especial para os Estados. Assim, a Lei Complementar Federal extrapolou a norma constitucional e limitou as regras para os Estados. Nesse sentido, cita-se os trechos da Lei impugnada.

Art. 99. A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público-Geral, nomeado pelo Governador do Estado, dentre membros estáveis da Carreira e maiores de 35 (trinta e cinco) anos, escolhidos em lista tríplice formada pelo voto direto, secreto, plurinominal e obrigatório de seus membros, para mandato de 2 (dois) anos, permitida uma recondução. (Redação dada pela Lei Complementar nº 132, de 2009).

A questão agrava-se ainda mais em se tratando dos Estados, pois a Constituição Federal permitiu apenas que a Lei Complementar tratasse de “normas gerais”, logo não caberia a uma lei federal definir como seriam os critérios de seleção do Defensor Geral dos Estados, pois isto viola frontalmente o pacto federativo. Da mesma forma que cabe aos Estados definir a forma de escolha dos seus Advogados Gerais/Procuradores Gerais, também cabe aos mesmos definir a forma de seleção dos Defensores Gerais.

Por exemplo, no estado X poderia ser lista sêxtupla, enquanto no estado Y seria automaticamente o primeiro votado (sem lista) e em outro lista tríplice. Mas, não pode a União impor ao estado que seja lista tríplice, pois isto não é norma geral.

Para corroborar, citamos o julgamento do Supremo Tribunal Federal na ADI nº 927-3/RS, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, o qual expôs com maestria o tema das normas gerais no tocante a licitações:

A Constituição de 1988, ao inscrever, no inc. XXVII do art. 22 a competência privativa da União em legislar sobre normas gerais de licitação, pôs fim à discussão a respeito de ser possível ou não, à União legislar a respeito do tema, dado que corrente de doutrina sustentava que ‘nenhum dispositivo constitucional autorizava a União a impor normas de licitação a sujeitos alheios à sua órbita.’. […] A CF/88, repito, pôs fim à discussão, ao estabelecer a competência da União para expedir normas gerais de licitação e contratação (art. 22, XXVII). Registre-se, entretanto, que a competência da União é restrita a normas gerais de licitação e contratação. Isto quer dizer que os Estados e Municípios também têm competência para legislar a respeito do tema: a União expedirá as normas gerais e os Estados e Municípios expedirão as normas específicas. Leciona, a propósito, Marçal Justen Filho: ‘como dito, apenas as normas gerais são de obrigatória observância para as demais esferas de governo, que ficam liberadas para regular diversamente o restante.’

A importância deste debate é definir que a “assistência” consiste em apoiar a parte e não afastar a parte. Ou seja, no modelo atual o carente é afastado do controle administrativo da Instituição e do controle da ação, então está havendo é exclusão processual em vez de inclusão processual.

A autonomia os estados é princípio sensível do pacto federativo e está expressa no art. 25 da Constituição Federal, além de outros artigos. Como se observa do texto referido no caput do art. 25: “os Estados organizam-se pelas Constituições que adotarem”

Apenas a Constituição Federal poderia ter delimitado a forma de escolha do defensor geral para os estados, e se desejasse. Mas, esta não foi a vontade do Constituinte. Portanto, não cabe à Lei definir a forma de escolha do defensor geral, muito menos uma Lei Federal, ainda que Complementar, estabelecer regras para os estados, pois dentro da autonomia organizacional estadual.

A Constituição Federal também não define que o defensor geral deve ser votado ou que tenha mandato. Então, a forma de escolha do defensor geral deve ser feita por cada estado da Federação e não imposta por lei federal. Isto não viola a autonomia da defensoria, mas decorre do pacto federativo. Se a Constituição Federal não definiu, então cabe a cada estado estabelecer a forma desta autonomia. Inclusive a própria União, na Lei Federal, não adotou a forma de escolha do defensor geral que impôs aos estados.

No entanto, nada impede que os estados voluntariamente adotem o formato de escolha do defensor geral previsto na LC 80/94, mas não podem ser obrigados, como vem prevalecendo.

Portanto, seria importante que o estado pudesse optar por um formato de escolha mais democrático, inclusive concedendo direito de voto e até de se candidatar aos carentes ou entidades ligadas aos mesmos. Não ficando a Defensoria fechada para que apenas seus membros pudessem escolher e candidatar ao cargo de defensor, o que gera exclusão até mesmo interna, pois os servidores de apoio não votam, nem podem se candidatar.

Esta forma de seleção pode gerar conflitos de interesse com a sociedade, como se observa em entidades associativas criticando a postura da Defensoria do Rio de Janeiro, ao alegarem aparelhamento estatal da mesma, inclusive com moção pública de repúdio publicada por entidades ligadas aos movimentos populares, as quais passaram a defender outro modelo de assistência jurídica, conforme site defensoria popular.wordpress.com.

Considerando conhecida a luta de classes e a proposta da assistência jurídica de reduzir desigualdades sociais, não se pode ter um modelo de votação verticalizado e limitado a uma categoria para a escolha do defensor geral. Logo, os estados podem por optar também pela livre escolha do defensor geral, com ou sem mandato, ou então, estabelecer um modelo de votação com ampla participação de outros setores ligados aos carentes, sociais ou estatais, além de poder ampliar a legitimidade para se concorrer ao cargo de defensor geral.

Caso contrário, se manter este sistema de votação fechado e sindicalizado para escolha do defensor geral acabará por ser um modelo de controle com poder de polícia e não de assistência (assessorar a parte).

O fato de a defensoria ter autonomia não significa que o defensor-geral deva ser escolhido apenas entre os Defensores e por voto destes. Afinal, as autarquias têm autonomia, e não se adota este modelo restritivo de escolha, inclusive poderia a lei estadual autorizar ao governador escolher um servidor de carreira da própria Defensoria e que não seja defensor, mas a Lei Complementar Federal limitou indevidamente.

A assistência jurídica insere-se no conceito de assistência pública previsto no art. 23, II, da Constituição Federal, logo é atividade de cunho privado, mas exercido pelo estado como ação social complementar.

Este modelo de escolha com votação pelos Membros foi previsto apenas para o Ministério Público Estadual e na Constituição Federal (Art. 128, §3º), nem mesmo o Ministério Público Federal adota o modelo de escolha do PGR em lista pelos membros do MPF, pois neste caso a CF apenas restringe que o Chefe do MPU deverá ser integrante da carreira do MPF, mas esta exigência está na Constituição Federal e não em Lei.

Entendimento contrário permitiria que se decidisse por lei que os Ministros do STF pudessem ser escolhidos mediante lista prévia tríplice a ser remetida ao Presidente da República, ou também com relação ao Procurador Geral da República. Contudo, no caso do Procurador Geral da República nem há limitação de reconduções em razão da ausência de regra constitucional, logo não é crível que a Lei da Defensoria limite o número de reconduções e até mesmo que crie mandato sem previsão constitucional.

Também não pode a Lei Orgânica da Magistratura prever eleição para escolha para os dirigentes dos Tribunais com participação de todos os juízes sem previsão legal.

Ainda exemplificando, cita-se que a AGU também tem status constitucional e seus membros são selecionados mediante concurso, além de serem organizados em carreira, mas nem por isto uma Lei Federal poderia definir de forma restritiva a forma de seleção para advogado geral a membros de carreira e muito menos escolhido por membros de carreira. Aliás, as normas estaduais que estipulavam esta restrição para escolha de advogado geral (procurador geral do estado) foram consideradas como inconstitucionais pelo STF. A PGFN também tem autonomia e nem por isto os procuradores escolhem o seu procurador geral.

Dessa forma, o papel de assistência jurídica prestado pela Defensoria, o qual é uma assistência pública relevante, mas sem poder de polícia, por se tratar de atividade assistencial, deve-se adequar à necessidade local do estado, sendo importante que a LC 80/94 obedeça aos ditames constitucionais sem limitar a atividade do Executivo.

Portanto, o art. 134, §1º, da CF não permite à Lei Complementar Federal definir critérios para a escolha do defensor geral, pois esta regra particular extrapola o conceito de “normas gerais”.

Como leciona José Afonso da Silva, na obra Curso de Direito Constitucional Positivo, 24ª Ed, p. 609: “a auto-organização é, pelo visto, o primeiro elemento da autonomia constitucional e se concretiza na capacidade de dar-se a própria Constituição.”

Nesse sentido, quando a Constituição Federal fala em normas gerais no seu artigo refere-se apenas à questão da atribuição de assistência jurídica aos carentes e não à forma de escolha do defensor geral estadual, pois isto é norma especial, específica e local, o que extrapola o conceito de “generalidade”.

Também, não é recomendável que a Constituição Federal crie “normas gerais” apenas para os Estados, principalmente excluindo os Municípios, pois isto seria uma afronta ao pacto federativo. A situação agrava ainda mais, se “as normas gerais” na Lei descem ao detalhamento de escolha para o defensor geral estadual.

Em tese, o município também integra o conceito amplo de “estado”, logo se insere também na obrigação de prestar a assistência jurídica pública, mas não precisa ter uma Defensoria com autonomia.

Por outro lado, o defensor geral atua, em tese, na esfera administrativa de gerenciamento da Instituição e ainda pelo viés constitucional a Defensoria pode somente prestar assistência jurídica, ou seja, apenas podem atuar o defensor geral e defensores pela via da representação processual, representando a parte e não sendo a parte (substituição processual).

Por analogia é importante lembrar que o STF no julgamento da ADI 2.862-AP (rel. Min. Gilmar Mendes, j. 12.02.2009), referente à escolha do advogado geral, de sua ementa colhe-se o seguinte: “(…) A forma de provimento do cargo de Procurador-Geral do Estado, não prevista pela Constituição Federal (art. 132), pode ser definida pela Constituição Estadual, competência esta que se insere no âmbito de autonomia de cada Estado-membro”. Em seu voto, o min. Gilmar Mendes (relator) foi enfático: “(…) o art. 131, § 1.º, da Constituição federal, não constitui norma de reprodução obrigatória nas Constituições estaduais.”.

Oportuno citar também o festejado José dos Santos Carvalho Filho, in Manual de Direito Administrativo,11ª Ed, p. 159:

“É importante anotar, todavia, que a referida competência se limita à edição de normas gerais, e sendo assim, às demais entidades da federação foi conferida a competência para editar normas específicas. Na verdade, nem sempre tem sido fácil identificar quando um dispositivo encerra norma geral ou específica, e talvez por essa razão muitos Estados e Municípios adotem a Lei 8666/93, deixando, pois de criar normas específicas, para evitar o risco de eventuais impugnações.

 

Por outro lado, muitas objeções têm sido levantadas em relação a alguns dispositivos da lei federal, os quais, segundo o entendimento de diversos estudiosos, não contêm regras gerais, mas sim específicas. De fato, se o dispositivo da lei federal contiver norma específica, estará fatalmente em contrariedade coma Constituição Federal, e em conseqüência, maculado de vício de inconstitucionalidade”

 

Conclusão:

Dessa forma, em face da inconstitucionalidade do art. 99 da LC 80/94 faz-se interpretação com redução nos seguintes termos, sendo os demais trechos afastados do ordenamento jurídico:

 

Art. 99. A Defensoria Pública do Estado tem por chefe o Defensor Público-Geral.. (excluindo-se os demais termos por inconstitucionalidade)

Cabendo à Legislação Estadual definir:

1) Quem pode ser Defensor Geral;

2) Se terá mandato; e qual o tempo deste mandato

3) Se será votado ou escolhido pelo Governador ou por outro ente;

4) Quem pode votar.

5) Se deve ser inscrito na OAB ou não.

6) Se será lista tríplice, sêxtupla ou nomeado o primeiro colocado na votação.

Esta medida adequaria a Instituição à realidade local do estado, inclusive para se definir o mais importante, isto é, o critério para se definir a carência econômica, o que tem sido colocado em segundo plano atualmente e também evitaria que a Defensoria se desvirtuasse para interesses da classe média e alta como tem acontecido em casos recorrentes.

Ante o exposto, é parcialmente inconstitucional o art. 99 da Lei Complementar 80/94 por extrapolar o termo “normas gerais” previsto no art. 134, §1º, e o pacto federativo (arts 25 e 60, §4º, I,) ambos da CF, podendo-se ajuizar ADIn no STF por governador do estado, pela Mesa da Assembléia do Estado, pelo procurador geral da República, partido político, presidente da República, pela Mesa do Legislativo Federal, pela OAB, ou por associação de classe de âmbito nacional, pois cabe a cada estado definir a norma específica para escolha do defensor geral, além disso o estado pode desconsiderar a parte inconstitucional do art. 99 da LC 80/94 e legislar sem obedecer às limitações impostas pelo mesmo na forma de escolha do Defensor Geral.

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