Casa na comarca

Campanha do CNJ quer juízes no fórum todos os dias

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30 de outubro de 2012, 19h20

A presença dos juízes nas comarcas durante toda a semana agora é preocupação da Corregedoria Nacional de Justiça. O órgão lança campanha para conscientizar os magistrados a comparecer aos fóruns de segunda a sexta-feira e a morar onde trabalham. O projeto será lançado nesta quarta-feira (31/10), no Tribunal de Justiça da Paraíba, às 14h.

Segundo o corregedor nacional de Justiça, ministro Francisco Falcão, a ideia é convencer os magistrados a marcar audiências preferencialmente às segundas e às sextas-feiras, dias em que o quórum de juízes nos fóruns é mais baixo. “A grande maioria dos magistrados cumpre seu papel e mora nas comarcas. Mas há casos pontuais de juízes que só comparecem de terça a quinta-feira, e outros ainda que só aparecem às terças”, conta o corregedor.

A estratégia não é uma imposição da Corregedoria, faz questão de frisar o corregedor. “É uma parceria educativa com o tribunal”, diz. Ele lembra que a previsão de que o juiz more na comarca em que julga está no artigo 35, inciso V, da Lei Orgânica da Magistratura. “Estar na vara todos os dias da semana, como faz todo funcionário, é uma obrigação do juiz, e não um favor”, afirma.

Falcão espera que a iniciativa seja copiada por outros tribunais. “Já recebi a notícia de que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro quer aderir. Vamos marcar. Quando outros tribunais virem o exemplo, será difícil não fazerem o mesmo”, afirma.

A dificuldade de encontrar magistrados nas comarcas todos os dias da semana é uma reclamação antiga da Ordem dos Advogados do Brasil. “A Polícia trabalha 24 horas por dia, e pode prender alguém indevidamente no fim de semana. Se o juiz não estiver acessível na comarca, o pedido de Habeas Corpus não será apreciado”, exemplifica o presidente da OAB, Ophir Cavalcante Júnior, que estará presente no lançamento da campanha nesta quarta, em João Pessoa.

Francisco Falcão concorda. “Trabalhar de casa hoje é moderno, mas é preciso atender às partes, o que não é possível fazer dessa forma.”

Ophir acrescenta ainda que a ausência do juiz, por atrasar o julgamento dos processos, viola o princípio constitucional da razoável duração do processo. “Assim como o padre, o delegado e o médico da cidade do interior são referências, o cidadão precisa saber quem é o juiz do local onde vive”, diz. “Fora do local, o juiz deixa de conhecer a realidade da comarca e perde sensibilidade social.”

No entanto, para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, desembargador Henrique Nelson Calandra, trabalhar de casa pode ser mais produtivo que no fórum. "Há mais tranquilidade para refletir sobre os processos e decidir", afirma. Segundo ele, as corregedorias dos tribunais estão conectadas, via internet, com os computadores dos juízes, de forma que é possível saber se ele está ou não trabalhando. "Cada juiz tem uma meta de audiências e decisões. Se ele não cumpre, é chamado a se explicar."

Sobre o estado onde a campanha do CNJ começará, ele explica que o Judiciário local sofre com a falta de reposição de cargos vagos de juízes há mais de dez anos. "Muitos têm de estar simultaneamente em três ou quatro comarcas e, por isso, não conseguem estar presentes o tempo todo em todas."

Segundo Renato Henry Sant’Anna, presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a maior parte do trabalho do juiz é feita solitariamente, o que independe de ele estar ou não na Vara. "Apenas 30% do trabalho do juiz precisa ser feito no fórum. O resto são despachos, que ele pode fazer de casa", diz. 

"Há ambientes de trabalho mal equipados, o que leva o juiz a trabalhar de seu próprio escritório, onde tem melhores instalações", afirma Sant’Anna. "O juiz deve estar acessível à população, mas não em um pronto-socorro durante 24 horas por dia." 

Para o presidente da Anamatra, não é função do CNJ controlar o horário de expediente dos juízes, o que as corregedorias locais podem fazer. "O juiz deve ser cobrado quanto a seus resultados", diz. 

O presidente da OAB do Rio de Janeiro, Wadih Damous, diz que existe até um nome para os juízes que se ausentam muito das comarcas: TQQ. "Os juízes TQQ, que só trabalham às terças, quartas e quintas-feira, são uma nódoa no Poder Judiciário, pois têm que trabalhar todos os dias, como fazem os trabalhadores em geral."

No Rio de Janeiro, segundo relatório apresentado esta semana pelo Conselho Nacional de Justiça, a taxa de congestionamento de processos na primeira instância é de quase 80%, lembra Damous.

*Texto alterado às 15h10 do dia 31 de outubro de 2012 para acréscimo de informações.

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