Resistência no Legislativo

Leis de restrição a posse de armas nos EUA não pegam

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24 de outubro de 2012, 7h02

O assassinato deZina Haughton em um spa de Wisconsin lembra o título "Crônica de uma Morte Anunciada" do livro de Gabriel García Márquez. Não exatamente no formato da narrativa do escritor colombiano, apesar de Radcliffe Haughton, o ex-marido de Zina, haver anunciado repetidamente que a mataria, sem que ninguém tentasse impedi-lo. A trama é mais sustentada na oposição da National Rifle Association (NRA), a associação que faz o lobby da indústria de armas dos EUA, à aprovação de qualquer lei destinada a evitar essas tragédias americanas. Nisso, a NFA tem o apoio de parte da população e da maioria dos parlamentares.

No tiroteio da vez, o ex-marido inconformado com a separação matou mais duas funcionárias do spa, que não tinham nada a ver com a história – e feriu outras quatro pessoas, todas hospitalizadas até o momento – antes de ele se matar. A notícia foi publicada nesta terça-feira (23/10) pelo Daily News, com a Associated Press (AP). O tiroteio ocorreu no domingo.

As notícias sobre atiradores que entram em cinemas, escolas, centros comerciais, igrejas, quarteis e outros locais públicos se sucedem. Toda vez que acontece uma tragédia desse tipo, algumas organizações e parte da população se movimenta para pedir o endurecimento das legislações que regulamentam o porte de arma no país. Outras organizações, lideradas pela NRA, e com o apoio da população mais conservadora do país, se opõem. Não querem aprovar qualquer legislação que restrinja o direito constitucional do cidadão de portar armas. Assim, cada tragédia anuncia a próxima.

De acordo com o Daily News, desde 2010 alguns parlamentares de Winsconsin, liderados pela senadora Lena Taylor, vêm tentando reformar uma legislação cujas letras já nasceram mortas. A lei de Winconsin estabelece que, quando uma ordem judicial obriga uma pessoa a manter uma determinada distância de outra (ex-cônjuge, por exemplo), quem recebe a ordem deve entregar suas armas à Polícia. Mas não manda a polícia executar a ordem, fazendo, por exemplo, uma busca e apreensão.

Em outras palavras, Radcliffe Haughton, que segundo o Daily News vêm aterrorizando a ex-mulher desde a separação, há mais de um ano, teria de comparecer à delegacia e, voluntariamente, devolver qualquer arma em seu poder. Se não devolver, a lei não obriga as autoridades policiais a prendê-lo. Isso torna a lei ineficaz, segundo a senadora Lena Taylor, de Wisconsin.

Na verdade, o ex-marido, que já havia ameaçado jogar ácido no rosto da ex-mulher e depredado o seu carro, à frente de testemunhas – e sendo preso por isso – comprou a arma semiautomática dois dias depois da ordem judicial, em uma transação particular. O vendedor da arma não é obrigado por lei – por ser pessoa física, ao contrário do que ocorre com pessoas jurídicas – a exigir atestado de antecedentes criminais do comprador, porque não há lei que assim o determine. Os ataques à ex-mulher estão registrados em documentos do tribunal.

A senadora Lena Taylor disse às publicações que "o tiroteio destaca a necessidade de o estado aprovar uma lei que defina formas de execução mais eficazes de ordens judiciais que restringem a proximidade de indivíduos de outras pessoas, uma vez configurada a possibilidade de violência". A legislação que tentou passar em 2010 previa a obrigação da pessoa de entregar a(s) arma(s) em seu poder à Polícia, em um prazo de 48 horas, sob pena de prisão se não o fizer.

Na segunda-feira, a senadora e o deputado Penny Schaber reiniciaram a campanha para a aprovação do projeto de lei proposto. "Em Wisconsin, os padrões são inconsistentes ou, muitas vezes, inexistentes, no que se refere à apreensão de armas de pessoas que comentem qualquer tipo de violência domiciliar", ela declarou.

Mas o presidente da "Wisconsin Force", o capítulo da NRA no estado, já declarou às publicações que esse esforço será ineficaz. "É apenas uma dessas coisas que fazem algumas pessoas se sentirem melhor", ele disse sobre o projeto de lei. "É a mesma coisa que uma ordem judicial de restrição à proximidade. Você sabe quão eficazes elas são! A tragédia é a impossibilidade de entender como as pessoas pensam e o que pessoas dementes podem fazer", declarou.

Nem a pressão popular tem se mostrado eficaz para forçar assembleias legislativas a regulamentar a legislação que facilita a posse e o uso de armas no país. Depois do assassinato do estudante negro Trayvon Martin, na Flórida, pelo vigilante de condomínio George Zimmerman, ocorreram movimentos de protesto em todo o país contra a "Stand Your Ground Law", a lei que permite atirar em qualquer pessoa, em qualquer lugar, pela simples presunção de ameaça à própria vida. A pessoa não é obrigada, por exemplo, a tentar se retirar do local do confronto, como primeira medida para evitar o uso da arma e poder alegar legítima defesa.

Zimmerman não foi preso pela polícia depois do assassinato porque declarou que atirou no estudante (desarmado) ao sentir que sua vida estava ameaçada. Mas, diante da pressão popular, Zimmerman foi preso. Mas toda a pressão popular para mudar a lei foi inútil, pelo menos até agora. Na Flórida, o governador Rick Scott criou um grupo de trabalho para oferecer sugestões sobre a lei. Isso foi em março deste ano.

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