AP 470

Valério pode pegar mais de 40 anos de cadeia

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24 de outubro de 2012, 21h00

O Supremo Tribunal Federal definiu, nesta quarta-feira (24/10), as penas pelos crimes cometidos pelo publicitário Marcos Valério, apontado como operador do esquema julgado na Ação Penal 470, o processo do mensalão. Somadas as penas, Valério poderá ser condenado a 40 anos, um mês e seis dias de prisão por formação de quadrilha, corrupção ativa, peculato, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. A multa imposta a Valério chega a R$ 2,783 milhões, mas os valores ainda devem ser corrigidos.

A pena total, contudo, deverá sofrer modificações porque os ministros decidirão se os crimes foram cometidos em continuidade delitiva ou concurso material. A distinção é fundamental para a dosagem da punição — clique aqui para ler sobre o quebra-cabeça da dosimetria. Até aqui, os ministros decidiram apenas em relação as imputações de corrupção ativa — no que toca ao pagamento de propina a parlamentares — e jugaram que os crimes se deram em continuidade delitiva, ou seja, tratou-se do desdobramento de um mesmo crime.

Em relação às outras imputações, os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello, por exemplo, disseram em diversos momentos do julgamento que decidirão sobre o tema em um momento posterior da discussão. “Ressalto, mais uma vez, que no fecho deste julgamento, quando tivermos realmente o veredito, o resultado final, voltarei a utilizar o direito de voto para precisar, como devemos fazer com absoluta segurança, a pena a ser imposta”, afirmou Marco Aurélio durante a sessão.

Durante a definição da pena pelo segundo ato de corrupção de Marcos Valério, que consistiu em dar propina ao ex-diretor de marketing do Banco do Brasil, Henrique Pizzolato, em troca da antecipação de pagamentos de R$ 73 milhões do contrato que a empresa do publicitário matinha com o banco, os ministros travaram uma discussão acalorada, divergindo em relação à lei que se aplicaria para o cálculo da pena.

Segundo o relator do processo, ministro Joaquim Barbosa, a “vantagem indevida” de R$ 326 mil foi dada por Valério a Pizzolato no dia 15 de janeiro de 2004. Assim, o cálculo da pena deveria ser feito com o parâmetro da Lei 10.763/03. Sancionada em 12 de novembro de 2003, a lei modificou o Código Penal e elevou a pena do crime de corrupção de um a oito anos de reclusão para dois a 12 anos.

O ministro Ricardo Lewandowski discordou. De acordo com o revisor, o crime é tipificado pela promessa da vantagem indevida. E, segundo os autos, ela teria ocorrido em algum momento ainda durante a vigência da antiga lei, em 2003, embora não seja possível precisar. Posta a dúvida, disse Lewandowski, cabe o cálculo da pena a partir de um a oito anos de prisão. 

O relator, contudo, insistiu que a lei observada deveria ser a mais rigorosa. “Saliento que a vantagem indevida foi paga no dia 15 de janeiro de 2004. Portanto a conduta ocorreu já sob a égide da Lei 10.763. Vale salientar que nenhum dado dos autos permite afirmar que a oferta de vantagem indevida ocorreu apenas em 2003”, disse Barbosa.

Ricardo Lewandowski observou, no entanto, que o crime de corrupção passiva trata da oferta da vantagem indevida e que a própria denúncia dá conta de que a vantagem oferecida a Pizzolato se deu no contexto da prorrogação do contrato entre a DNA Propaganda e o Banco do Brasil, entre abril e setembro de 2003. "O  ato de ofício ocorreu antes da alteração legislativa", salientou o revisor.

O relator disse que não era possível precisar quando ocorreu a tratativa. Lewandowski respondeu que justamente por isso é que não cabia aplicar a sanção mais grave. Os demais ministros, a exemplo do revisor, também  observaram que, no caso de incerteza, vale a lei que beneficia o réu.

O ministro Celso de Mello ponderou que, naquele caso, a aplicação da pena  retroage pare beneficiar o réu e que esta é uma garantia assegurada pela Constituição. O ministro Marco Aurélio disse que o núcleo do tipo penal  “é oferecer e prometer, não entregar”, portanto, não cabe considerar a data do pagamento para calcular a pena. O ministro Ayres Britto afirmou que "a dúvida sempre atua em desfavor do órgão acusador".

“Não estamos mais no tempo do absolutismo. O réu tem o direito de saber detalhes sobre o cálculo”, disse Ricardo Lewandowski ao insistir que a individualização da pena é um direito fundamental. “Se mecanicamente fixarmos as penas crime por crime, chegaremos num total, data venia, estapafúrdio”, disse Lewandowski. "Vamos chegar assim a uma pena  estratosférica”, afirmou.

Diante dos argumentos de Lewandowski, Barbosa perguntou se ele era advogado do réu. O revisor reagiu: “E Vossa Excelência é promotor?”, indagou. Marco Aurélio tentou apartar a briga: “A experiência mostra que a virulência nunca é produtiva”. O ataque de Barbosa quase tirou do sério o calmo ministro Ayres Britto, que tentava retomar as rédeas do julgamento. “Ministro, aqui ninguém advoga para ninguém”, disse o presidente do Supremo.

Barbosa citou ainda reportagem do jornal The New York Times que qualificou como “risível” a Justiça brasileira. “Tenho certeza, ele não cumprirá mais do que seis meses dessa pena", disse.

Coube ao decano do tribunal, ministro Celso de Mello, recolocar a discussão nos eixos e lembrar que um dos princípios mais caros do Direito é o de que, na dúvida, aplica-se a legislação mais favorável ao réu. A posição de Lewandowski acabou formando maioria no plenário.

Na volta do intervalo, o ministro Joaquim Barbosa pediu desculpas ao revisor. "Gostaria de mais uma vez externar minha preocupação quanto ao ritmo da nossa dosimetria e dizer que estou muito preocupado. Isso tem me levado a me exceder, como fiz há pouco ao rebater de forma exacerbada o colega Lewandowski, a quem peço desculpas pelo excesso”, disse Barbosa.  

“Cumprimento o gesto de grandeza do relator me pedindo desculpas. Quero dizer que aceito-as prontamente. As nossas divergências não desbordam do plano estritamente técnico e jurídico", retribuiu o revisor.

Penas de Valério
Ao final da discussão, a pena de Marcos Valério pela corrupção no caso do Banco do Brasil foi fixada em três anos, um mês e dez dias, mais 210 dias-multa no valor de 10 salários mínimos cada dia. O valor soma cerca de R$ 500 mil, considerado o salário mínimo vigente à época do crime.

Valério foi condenado por outros dois atos de corrupção: o pagamento de R$ 50 mil ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, e a corrupção dos parlamentares e partidos da base do governo Lula. O último ato, em continuidade delitiva. As duas condenações somaram 11 anos nove meses de prisão.

Por formação de quadrilha, Valério foi condenado a dois anos e 11 meses de prisão. Por peculato, a pena foi de 10 anos, três meses e seis dias. Pelas 46 operações de lavagem de dinheiro, a pena do publicitário foi de seis anos, dois meses e vinte dias.

Na fixação da pena por lavagem, houve empate por cinco votos a cinco. Novamente, se aplicou o princípio de que o empate beneficia o réu. Barbosa propunha, no caso, 11 anos e oito meses, mas ficou vencido. Houve a condenação, ainda, por 53 atos de evasão de divisas, em continuidade delitiva. A pena, neste caso, foi de cinco anos e dez meses.

Importante frisar que a soma das penas não reflete a real condenação de Valério porque, diante do total, os ministros ainda voltarão a discutir a aplicação de continuidade delitiva, o que pode reduzir substancialmente a punição aplicada, até o momento, ao publicitário.

Cálculos do relator
Antes do início do julgamento, o advogado de Marcos Valério, Marcelo Leonardo, foi à tribuna para apresentar três questões de ordem em relação às penas impostas a seu cliente. O advogado observou que a agravante que incide quando o réu comanda a atividade de outros corréus — e impõe o aumento de um sexto da pena — não pode se dar em "efeito-cascata", multiplicada crime a crime. Isso, disse Leonardo, estaria em desacordo com os critérios de razoabilidade e proporcionalidade.

"Essa agravante somente pode incidir uma vez. Não tem sentido a mesma agravante ser aplicada nos outros quatro tipos penais, porque o tribunal entendeu que houve bando, e não concurso de agentes", disse Marcelo Leonardo.

Sobre a a proposta de fixação de valores para o ressarcimento da União, o advogado disse que os valores deviam ser cobrados de parlamentares e daqueles que receberam e detiveram os recursos e não de quem articulou os repasses."A eventual obrigação de se indenizar será dirigida a eles", insisitiu.

O presidente do STF, ministro Ayres Britto, observou que o advogado devia ter apresentado um memorial com as questões ao invés de se manifestar na tribuna. O ministro Joaquim Barbosa disse que o advogado havia se adiantado. “Não proferi sequer a terça parte do meu voto em relação a este réu, Marcos Valério”, disse o relator.

Ao proceder com seu voto sobre a pena para a condenação por lavagem, o relator tratou de alguns dos efeitos da condenação, julgando que o réu deve ser proibido de exercer atividades de gerência de pessoas jurídicas, a exemplo das agências de propaganda, ou qualquer cargo em conselho administrativo pelo dobro do tempo da reclusão imposta neste tipo penal.

O relator votou ainda para o cumprimento da pena em regime fechado, sendo incabível a troca por pena retritiva de direito, desautorizando também a suspensão condicional da pena. Joaquim Barbosa observou que deixaria de fixar valores de ressarcimento da União por entender que o pedido dever partir da parte ofendida, nesse caso, o Ministério Público Federal. O ministro afirmou que a parte teria que indicar os valores e subsidiar a cobrança por meio de provas, cabendo ao réu se defender e produzir contraprova. Contudo, sem o pedido formal ou a instrução específica, não cabe incluir a cobrança de indenização na pena, entendeu o relator.

O ministro Celso de Mello sugeriu que o Plenário deixasse para o final a discussão sobre o ressarcimento ao Erário, uma vez que caberia, sim, falar em indenização frente à forma como a peça de denúncia relata o esquema de repasses e detalha o pagamento de propina.

 Dosimetria de pena – Marcos Valério

Formação de quadrilha
2 anos e 11 meses de reclusão.

Corrupção ativa (contratos com Câmara dos Deputados sob a presidência de João Paulo Cunha)
4 anos e 1 mês de reclusão e multa de R$ 432 mil 

Peculato (contratos com a Câmara dos Deputados sob a presidência de João Paulo Cunha)
4 anos e 8 meses de reclusão, além de multa de R$ 546 mil

Corrupção ativa (contratos com o Banco do Brasil)
3 anos, 1 mês e 10 dias de reclusão  e multa em torno R$ 108 mil 

Peculato (desvio do bônus de volume no contrato com o Banco do Brasil e de recursos  do Fundo Visanet)
5 anos, 7 meses e 6 dias de reclusão e multa de R$ 598 mil 

Lavagem de dinheiro
6 anos, 2 meses e 20 dias de reclusão e multa de R$ 78 mil 

Corrupção ativa (compra do apoio de parlamentares)
7 anos e 8 meses de reclusão e multa de R$ 585 mil — falta o voto do ministro Marco Aurélio 

Evasão de divisas
5 anos e 10 meses de reclusão e multa de R$ 436,8 mil — falta o voto do ministro Marco Aurélio

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