Jornada de estudos

"Ausência de estatuto causa insegurança jurídica"

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24 de outubro de 2012, 14h14

Nenhum ordenamento jurídico no mundo, até hoje, conseguiu chegar a um modelo que concilie o princípio da autonomia das sociedades comerciais e a necessidade de controle das empresas multinacionais. A afirmação é do professor da Universidade Católica Portuguesa, José Engrácia Antunes, em palestra sobre o tema “A Responsabilidade no Seio das Empresas Multinacionais”. Ele defendeu a necessidade de uma estratégia mais eficaz para a regulação jurídica das empresas multinacionais. A palestra, parte das atividades da I Jornada de Direito Comercial, foi feita nesta terça-feira (23/10), no auditório do Conselho da Justiça Federal.

A falta de estatuto jurídico próprio para as multinacionais pode ter consequências trágicas, conforme exemplificou Antunes. Ele citou um dos maiores desastres ambientais já registrados no mundo, em dezembro de 1984, em Bophal, na Índia, que provocou a morte imediata de mais de quatro mil pessoas e que por muitos anos continuou provocando mortes e doenças na região. O acidente foi causado pelo vazamento de um gás tóxico e letal na filial de uma das maiores empresas da indústria química norte-americana, Union Carbide.

Em virtude dos princípios da personalidade jurídica própria da filial e da limitação da responsabilidade dos acionistas, apenas a filial foi responsabilizada pelo acidente, e não a empresa multinacional como um todo. Na ação judicial movida contra a empresa, constatou-se que o patrimônio da filial não era suficiente para cobrir os danos sofridos. O litígio acabou em acordo entre as partes, resultando no pagamento de US$ 460 milhões em indenizações, apenas 10% do valor estimado.

Célula central
“A empresa multinacional se transformou na célula central do sistema econômico globalizado”, afirmou o professor, enfatizando que o fato desse modelo empresarial não ser sujeito autônomo de imputação de responsabilidade é fonte de conflitos em todo o mundo. Uma realidade que, segundo ele, está dominando a cena mundial. Há 82 mil empresas multinacionais em funcionamento hoje no mundo, as quais controlam mais de 800 mil filiais.

Este exército de “gigantes”, de acordo com Antunes, responde por um terço das importações mundiais e emprega mais de 77 milhões de trabalhadores. “O volume de negócios das dez maiores empresas é superior ao volume orçamentário dos seis maiores estados da União Europeia”, compara o professor.

“Quem são os imputáveis pelas eventuais responsabilidades? A filial, a sociedade que controla o seu capital ou a própria empresa multinacional como um todo?”, questiona Antunes. Todas as estratégias regulatórias até hoje experimentadas não chegaram ainda a uma solução satisfatória, na visão do professor.

Entre as estratégias já adotadas, Antunes mencionou o modelo clássico da autonomia, adotado nos EUA, no qual a sociedade-mãe não responde pelos atos de suas filiais, consideradas pessoas jurídicas independentes. Esta desconsideração da personalidade jurídica, na avaliação do professor, gera insegurança jurídica.

Mas a estratégia adotada pela União Europeia, de controle societário, segundo Antunes, também não se mostrou uma solução adequada. Nesse modelo, a sociedade-mãe de uma multinacional responde pelo passivo de suas filiais em virtude do controle exercido sobre elas. O modelo, no entender do professor, impõe uma solução uniforme para todas as empresas, sejam elas centralizadas ou descentralizadas, e penaliza indiscriminadamente qualquer uma delas.

A I Jornada de Direito Comercial está sendo promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do CJF, dirigido pelo corregedor-geral da Justiça Federal, ministro João Otávio de Noronha, e com a coordenação científica do ministro aposentado do STJ Ruy Rosado de Aguiar Jr. Além de contar com palestras abertas ao público, a jornada reúne quatro comissões de trabalho para discutir 250 propostas de enunciados que, uma vez aprovados, serão levados à plenária final nesta quarta-feira (24/10). Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.

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