Jovens influenciados

É preciso restringir a publicidade de cerveja no país

Autor

  • Jairo Edward De Luca

    é promotor de Justiça da Infância e Juventude de São Bernardo do Campo (SP) e organizador da Audiência Pública "Enfrentamento ao Consumo de Bebidas Alcoólicas por Crianças e Adolescente".

23 de outubro de 2012, 12h21

São notórios os malefícios decorrentes do consumo abusivo de bebidas alcoólicas. Mortes no trânsito, internações hospitalares, doenças, queda no rendimento profissional, aumento da violência e da criminalidade são amostras do potencial destrutivo do uso indevido do álcool. Em razão disso, a Constituição Federal previu restrições legais à propaganda comercial de bebidas alcoólicas, nos termos do artigo 220, parágrafo 4º.

Tais restrições foram elencadas na Lei Federal 9.294/96, que limita a veiculação das propagandas de bebidas alcoólicas nas emissoras de rádio e televisão entre 21h e 6h. A publicidade não poderá associar o produto ao esporte olímpico ou de competição, ao desempenho saudável de qualquer atividade, à condução de veículos e a imagens ou ideias de maior êxito ou sexualidade das pessoas.

No entanto, sem qualquer justificativa razoável, a lei definiu bebida alcoólica, para fins de restrições de propaganda, como a bebida potável com teor alcoólico superior a 13 graus Gay Lussac. Logo, cervejas, por exemplo, não são bebidas alcoólicas, na medida em que sua concentração alcoólica é de 4,5° graus, em média.

De acordo com o artigo 306, da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), é crime conduzir veículo automotor estando o condutor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas. Para incidir no crime, bastam duas latas de cerveja. O Decreto 6.117/2007, que aprova a Política Nacional sobre o Álcool, define bebida alcoólica como aquela que contiver o mínimo de 0.5 grau Gay-Lussac. Para a Lei 9.294/96, entretanto, cerveja não é bebida alcoólica.

A contradição tem o seu preço. O estudo Ineficácia da autorregulamentação das propagandas de bebidas alcoólicas”, elaborado pelos pesquisadores Alan Vendrame e Ilana Pinsky, da Unifesp, revela que o conteúdo das mensagens publicitárias atua no processo de tomada de decisão do indivíduo para o consumo de álcool entre os 7 e 12 anos. O indivíduo tende a se identificar com as situações descritas nas propagandas de bebidas alcoólicas associadas a humor, erotismo e esportes. Situações de forte apelo para qualquer jovem. Como consequência, índices alarmantes: 36% dos adolescentes brasileiros bebem pelo menos uma vez por ano. Em média, o início do consumo começa aos 13.

Durante análise sobre a disposição da publicidade em determinados mercados, os pesquisadores identificaram que a limitação ou o banimento da veiculação da publicidade de bebidas alcoólicas resultou em uma redução do consumo geral de álcool. Além disso, adolescentes que viviam em mercados com maior quantidade de publicidade apresentaram maior tendência a consumir mais bebida alcoólica do que aqueles em mercados onde a publicidade era restrita.

A pesquisa revela ainda que, apesar das proibições e limitações impostas pela autorregulamentação, tais como evitar mensagens dirigidas aos menores de 18 anos, bem como atores e personagens menores de 25 anos, as regras são sistematicamente violadas, ainda no planejamento das campanhas publicitárias. E o mais grave. Adolescentes entre 14 e 17 anos são entrevistados para estruturar determinadas campanhas de cerveja. Ou seja, na ética do marketing, a bebida alcoólica é um produto qualquer.

Diante do exposto, a Promotoria de Justiça de São Bernardo do Campo, com o apoio da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, propõe, por meio de projeto de iniciativa popular, que o artigo 1º, parágrafo único, da Lei Federal 9.294/96 tenha a seguinte redação: “Consideram-se bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis com teor alcoólico igual ou superior a 0.5 grau Gay-Lussac.” A proposta já conta com o apoio do Conselho Federal de Medicina e do Conselho Federal de Farmácia. O projeto contará com contribuições da sociedade civil, que serão coletadas em audiência pública.

O MP participou ativamente da elaboração da Lei 14.592, que regulamenta no estado de São Paulo o trabalho de fiscalização e controle para que seja cumprida a proibição de se vender, oferecer, fornecer, entregar ou permitir o consumo de bebidas alcoólicas por crianças e adolescentes. Esta lei foi um grande avanço. O próximo desafio é regulamentar o processo anterior à venda do produto. A propaganda de cervejas ainda é o forte apelo, que atua sem fronteiras, influenciando jovens, até mesmo as crianças, a um consumo futuro de bebidas alcoólicas.

A ausência de restrição legal à publicidade das cervejas vai de encontro à própria Constituição, que incumbe à lei federal estabelecer meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem da propaganda de produtos que possam ser nocivos à saúde.

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    é promotor de Justiça da Infância e Juventude de São Bernardo do Campo (SP), e organizador da Audiência Pública "Enfrentamento ao Consumo de Bebidas Alcoólicas por Crianças e Adolescente".

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