Sem mudança

"Se CPC ficar como está, melhor não sair"

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21 de outubro de 2012, 7h00

Spacca
No Brasil, a excessiva judicialização dos conflitos vem da omissão do Legislativo. “Os deputados e senadores estão mais interessados em Comissão Parlamentar de Inquérito”, na avaliação da processualista Ada Pellegrini Grinover. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, a professora da Faculdade de Direito da USP nascida na Itália não só relembrou a infância como comparou o Judiciário brasileiro ao de países europeus. Segundo ela, a Administração Pública na França, por exemplo, mesmo sem ter a palavra final, resolve as questões de sua competência, satisfatoriamente. No Brasil, “a Administração se omite, o Legislativo não decide e tudo vai parar no Judiciário”.

O cidadão é obrigado a procurar a Justiça, segundo Ada, pela omissão legislativa e pelos vários projetos de lei que esperam vez no Congresso Nacional — isso deixa "temas polêmicos no Brasil", como união homoafetiva e os limites do controle de políticas públicas, nas mãos de juízes, desembargadores e ministros. 

Autora do livro Teoria Geral do Processo, referência nos cursos de Direito, Ada criticou o projeto do novo Código de Processo Civil que, para ela, se resume ao aperfeiçoamento do Código de 1973. Poucas questões estão classificadas por ela no grupo de melhorias, a maioria, como a Ação Declaratória Incidental, a Reconvenção, e os Embargos Infringentes, são questões que “ainda não estão boas”. Para ela, se o Código permanecer do jeito que está, “é melhor que não saia”.

Durante a entrevista, foi possível conhecer um pouco da vida da processualista: as fotos de família estão em porta-retratos espalhados pelos móveis e os livros, alinhados na prateleira, ocupam uma grande parede da sala de sua casa. Uma estátua japonesa separa o cômodo em dois ambientes. Na mesa de centro, duas garruchas, um revólver e adagas — lembranças que trouxe da Itália.

Após duas horas de conversa e seis cigarros, Ada se despediu e voltou para os livros, alunos, e aulas. “Eu nunca trabalhei tanto como depois que fui aposentada compulsoriamente. Aliás, ninguém deveria ser aposentado compulsoriamente aos 70 anos.” 

Leia a entrevista com Ada Pelegrini.

ConJur — Como a senhora vê o novo projeto do Código de Processo Civil?
Ada Pellegrini — Não se trata de um novo Código de Processo Civil, é, na verdade, um aperfeiçoamento do Código de 1973 com algumas modificações. É claro que um Código novo é mais homogêneo, tem mais harmonia interna, mas eu costumo dizer que nós ainda estamos reformando o Código de 1973, que, por sua vez, tinha reformado o Código de 1939. Então, nada de novo ao sol do Brasil. Se esse Código sair do jeito que está no substitutivo da Câmara dos Deputados, é melhor que não saia.

ConJur — Por quê?
Ada Pellegrini — Ainda tem muitos defeitos, muitos erros. Mas a situação política é que está muito confusa na Câmara. O Sérgio Barradas, relator da comissão, que está revendo o projeto de lei na Câmara, é suplente de deputado. Ele já teve de sair do cargo uma vez porque o titular reassumiu a função. Nessa época, ele foi substituído pelo Paulo Teixeira, os dois do PT. O Paulo Teixeira deu uma abertura maior do que o Barradas. Ele ouviu mais especialistas, fez mais audiências públicas. Agora, o Barradas reassumiu, e ele está ligado a um professor de Processo Civil da Bahia, muito bem qualificado, mas que, infelizmente, não consegue trabalhar em equipe. Então, na verdade, o primeiro trabalho que traz o nome do Barradas é um projeto feito por uma só pessoa.

ConJur — O que foi feito em relação a isso?
Ada Pellegrini — Houve uma gritaria muito grande dos especialistas. Nós fizemos uma reunião, convocada pelo Barradas e pelo vice relator Paulo Teixeira, em Brasília, e conseguimos corrigir alguns defeitos que tínhamos apontado. Mas não corrigimos tudo. Em parte porque não deu tempo, em parte por causa desse professor fez a redação final — muito personalista. Agora, o relatório final do Barradas foi apresentado, mas não está bom.

ConJur — Quais são os pontos que não estão bons?
Ada Pellegrini — Na Câmara, o projeto retomou muito mais coisas do Código de 1973 do que no Senado. Então, diversos institutos que o Senado havia suprimido voltaram. Como exemplo podemos citar a Ação Declaratória Incidental, a Reconvenção, os Embargos Infringentes. Além disso, a Ação Monitória foi reintroduzida, sendo que ela ainda precisa ser melhorada. Ainda há um problema com os honorários advocatícios, causados, em parte pela Fazenda Pública, que desfavorece muito o trabalho do advogado. São várias coisas que ainda queremos melhorar.

ConJur — O que foi melhorado?
Ada Pellegrini — A conciliação e a mediação judiciais. Conseguimos reintroduzir a estabilização da Tutela Antecipada — mas se mantém uma terminologia totalmente diferente da tradicional, introduzida, primeiro, pela doutrina, e, depois, pelo Código de 1973.

ConJur — Pode haver alguma mudança nesse relatório final?
Ada Pellegrini — Eu não sei o que vai acontecer, porque parece que, de novo, o Barradas vai sair da relatoria. Não sei quando e nem o motivo. Mas está em uma situação de precariedade. E, certamente, não vai dar tempo do relatório final do Barradas, que ainda tem tantos equívocos, ser submetido ao Plenário antes dele sair. Se ele sair, e o Paulo Teixeira reassumir a relatoria, nós teremos um pouco mais de tempo e de espaço para trabalhar. Não acredito que haja uma tramitação que permita a aprovação do substitutivo da Câmara antes da saída do Barradas. Então, retomaria o Paulo Teixeira, e os juristas, penalistas e processualistas estão em contato com ele. Mas, se o projeto for aprovado do jeito que está, vai voltar para o Senado, que, provavelmente, vai retomar muitos pontos que já haviam decidido. Ainda temos um longo caminho pela frente.

ConJur — A centralização de ações semelhantes em um juiz monocrático é uma solução pontada para resolver o maior número de processos, mas funciona para as ações repetitivas?
Ada Pellegrini — Conseguimos introduzir essa questão nesse substitutivo do Barradas, em uma tentativa de coletivização do processo. O projeto prevê o incidente para julgar uma causa só e aplicar o julgamento as outras, mas nós queríamos a possibilidade de transformação de ações individuais em uma ação coletiva. Então, nós introduzimos dois dispositivos no novo texto: quando há repetição de diversas ações individuais com o mesmo objeto, o juiz notifica aquele que pode ajuizar uma Ação Civil Pública. Se ele quiser, a Ação Civil Pública vai absorver as ações individuais. E mais, quando se tratar de uma ação individual, que na verdade tem efeitos coletivos, como, por exemplo, nos casos de telefonia, o juiz transforma a ação individual em processo coletivo — já que ele vai ter que atingir da mesma maneira a todos que se encontram na mesma situação jurídica.

ConJur — O novo Código pode ter mais um livro para tratar sobre os processos coletivos?
Ada Pellegrini — Ainda há pessoas, principalmente no Poder Judiciário, no Superior Tribunal de Justiça, que gostariam que o Código tivesse mais um livro dedicado aos processos coletivos. Então, [o jurista] Athos Gusmão Carneiro, junto com o deputado Miro Teixeira, deve apresentar um substitutivo ao relatório do Barradas que vai tratar de processos coletivos em um livro separado. Na última reunião que tivemos, prevaleceu a ideia de não tratar todo o processo coletivo no Código de Processo Civil, mas só das técnicas de coletivização das demandas individuais.

ConJur — A quem caberia transformar a ação individual em ação coletiva?
Ada Pellegrini — Ao juiz, tanto em primeiro quanto em segundo grau. Atualmente, eles não podem fazer isso porque muda a causa de pedir, muda o pedido e deve haver uma regra expressa.

ConJur — A mediação deveria ser obrigatória?
Ada Pellegrini — A tentativa de mediação e a audiência de conciliação devem ser obrigatórias. Assim, a parte tem, pelo menos, a oportunidade de conhecer essas novas técnicas, e pode escolher uma delas. Conseguimos, nessa ultima reunião, que ainda que uma das partes diga que não está interessada na audiência de conciliação, a audiência acontecerá. Mas se as duas partes disserem que não estão interessadas na audiência de conciliação, começa o prazo para defesa.

ConJur — Quem deveria mediar?
Ada Pellegrini — O mediador. Nós temos a resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça que instituiu e regulamentou a mediação e a conciliação judiciárias. Elas devem ser mediadas por terceiros facilitadores com capacitação mínima para exercerem a sua função. Não deve ser o juiz, como constava no primeiro projeto do Senado.

ConJur — Alguns juízes apontam como um fator de insegurança jurídica a qualidade das leis no Brasil. Esse quadro ainda vigora?
Ada Pellegrini — No direito material, sem dúvida.

ConJur — E como a senhora vê o projeto de elaboração de leis aqui do Brasil?
Ada Pellegrini — Seria preferível o que se faz na Itália e na França: uma lei quadro sai do executivo — de especialistas — e fixa as diretrizes principiológicas ou até, em determinadas matérias, mais específicas, que o Congresso tem que levar em conta para legislar. É a lei quadro ou a lei de delegação em que os especialistas do executivo, nem sempre são ótimos, mas pelo menos são considerados especialistas da matéria.

ConJur — A elaboração desses anteprojetos deveriam vir do Ministério da Justiça, por exemplo?
Ada Pellegrini — Se for implantado esse processo legislativo, a ideia é que o Ministério da Justiça crie comissões especialistas, e depois o Congresso apenas detalha e especifica. Esse seria o sistema ideal, mas não é o nosso. Qualquer deputado e qualquer senador têm iniciativa para fazer uma proposta de projeto de lei. E com esse cipoal de leis que aparece, uma contradizendo a outra, uma revogando a outra, não dá para saber qual está em vigor. Com a Internet ficou um pouco mais simples.

ConJur — A Constituição Brasileira completa 24 anos neste mês de outubro. Por que ela não está totalmente em vigor até hoje?
Ada Pellegrini — Ela é muito detalhada. Uma Constituição não pode falar da amamentação, por exemplo. Nós temos uma Constituição tão rica em direitos fundamentais e prestacionais que acaba causando, na prática, um problema. Basta ver a greve no funcionalismo público, pela qual o Supremo Tribunal Federal teve, em um Mandado de Injunção, que diz como tratar o assunto enquanto não vem a lei. E mesmo depois desse julgamento a lei ainda não veio. Por outro lado, o legislativo brasileiro está muito mais interessado atualmente em comissões parlamentares de inquérito do que legislar. Atribuição parlamentar dá mais holofote e visibilidade, e é isso que os nossos deputados e senadores querem. Em terceiro lugar, há, sem dúvida, uma omissão legislativa muito grande. Nos temas polêmicos do Brasil, embora haja diversos projetos de lei no Congresso tentando resolver os assuntos, o Legislativo não legisla união homoafetiva nem limites do controle de política pública. O Judiciário ocupa o lugar que seria do Legislativo, e o STF tem decidido questões que o Legislativo deixou de decidir. E isso acarreta na excessiva judicialização dos conflitos. Tudo vai parar no Poder Judiciário, porque o Legislativo não resolve ou porque a Administração Pública se omite. Em outros países, como na França, tudo relativo a pedidos da área da saúde, por exemplo, é decidido administrativamente.

ConJur — Na França, são quatro instâncias administrativas antes de chegar no Judiciário. Seria possível seguir um modelo desse no Brasil?
Ada Pellegrini — Claro. Mas alguém tem que criar…

ConJur — Na Argentina aprovaram uma lei recente…
Ada Pellegrini — Mas é preciso criar órgãos que, efetivamente, se interessem pela atuação positiva, que resolvam rapidamente o problema, sem necessidade de ir ao Judiciário. No Brasil, a Administração não se organiza. As agências reguladoras, por exemplo, não fazem o seu papel em beneficio do consumidor. E ele vai ao Judiciário.

ConJur — A Administração não tem a palavra final, não é?
Ada Pellegrini — A Administração na França e na Argentina também não tem a palavra final, mas, pelo menos, resolve a questão. E quando a questão é resolvida satisfatoriamente e com Justiça, não é preciso recorrer ao Judiciário. No Brasil, os nossos órgãos administrativos, que julgam conflitos entre contribuinte e o fisco, têm uma atuação tão pífia, tão ligada ao executivo, que é necessário ir ao Judiciário para rever a decisão. Não adianta pensar em eliminar sobrecarga dos tribunais, porque é isso que acarreta o excesso de trabalho que os tribunais. Todo mundo é obrigado a ir ao Judiciário, porque a administração não resolve.

ConJur — A inclusão social e a judicialização dos conflitos está transformando as questões ligadas ao Direito em um assunto quase que popular. O caráter contramajoritário, necessário para ter uma decisão serena, vem sendo exercido pelo Judiciário?
Ada Pellegrini — Sim. Mas por quanto tempo? Com que efetivo conhecimento dos fatos? O Judiciário tem assumido esse papel. Mas o juiz se encontra diante dos casos sem nenhuma assessoria especifica. Então, ele exerce uma Justiça, que eu chamo de Justiça de misericórdia, para salvar uma vida, talvez, sem nenhum conhecimento mais profundo dos fatos. Não é possível tolher do indivíduo o exercício de seu direito subjetivo individual de pedir remédio, internação hospitalar, ou cirurgia no exterior, e o juiz se encontra diante desses casos sem nenhuma assessoria especifica. Essa decisão dando a uma pessoa aquilo que outra pessoa, nas mesmas condições, não tem, porque não foi ao Judiciário pedir, quebra a igualdade, quebra a universalidade, que é um preceito da política de saúde pública. O juiz se sente completamente perdido. Ele atua. Mas será que está atuando equilibradamente, com Justiça? Será que ele está sabendo qual é o reflexo que a sua decisão vai ter sobre os recursos destinados à saúde para todos? Essa judicialização leva a um estrutura institucional que deve, pelo menos, se preocupar em fornecer ao juiz todos os elementos necessários para que ele possa julgar com justiça, e tentando ao máximo, preservar a igualdade.

ConJur — O juiz precisa de apoio para lidar com políticas públicas?
Ada Pellegrini — Por isso fizemos esse anteprojeto de lei que está sendo discutido para o novo processo de cognição mais profunda e de contraditório mais amplo, para que um juiz possa efetivamente intervir em políticas públicas, ou ações individuais que tenham reflexos em políticas públicas, de maneira prudente, ponderada, justa e dando decisões exequíveis. O juiz tem que ser informado, assessorado, consciente do que está fazendo, porque está mexendo em uma política pública que tem que ser universal e igualitária por definição.

ConJur — Como a senhora vê o fenômeno do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa ser eleito pela mídia, pela população em geral, como um herói nacional?
Ada Pellegrini — A mídia pré-julgou.

ConJur — No caso do mensalão?
Ada Pellegrini — A mídia sempre pré-julga. E no caso do mensalão, pré-julgou. A pessoa que corresponde às expectativas da mídia passa a ser o herói nacional e quem não corresponde passa a ser o vilão. Esse é um problema muito sério, que se vê, sobretudo, em casos criminais. O mensalão é um caso criminal, de pressão da mídia que forma a opinião pública. Não é a pressão da opinião pública, porque a opinião pública é manejada pela mídia. Eu não estou querendo defender a posição do relator ou do revisor, porque eu não conheço o processo. Mas nos casos criminais do Brasil, o que é proibido em outros países, a mídia condena sem processo e dificilmente absolve. As interceptações telefônicas, por exemplo, devem correr em segredo de Justiça, mas sai tudo no jornal! Isso é crime. Mas quem é que forneceu a informação? Quem tem interesse em fornecer a informação? Ninguém nunca foi atrás.

ConJur — Nesses casos a imprensa deveria ser responsabilizada pelo vazamento?
da Pellegrini — Sim. Mas por enquanto não é. A mídia pode, inclusive, esconder a fonte.

ConJur — O sigilo de fonte é garantido pela Constituição…
Ada Pellegrini — Mas sigilo da fonte em um crime, que é violar a interceptação telefônica? Isso é crime. A imprensa deveria se auto-censurar. Quem tem interesse de vazar a informação? A defesa certamente não. O interesse é de um órgão público. Ou é a Polícia, ou é o Ministério Público, ou o técnico. Não é um país sério. A conduta é criminalizada, a imprensa não se preocupa com isso, porque não tem nem previsão de criminalização. Ninguém vai atrás de quem fez. Isso me incomoda muito. A interceptação é publicada, com perguntas e respostas que precisam ser interpretadas, e logo o sujeito é condenado e preso.

ConJur — Há uma discussão sobre o uso de provas indiciárias, principalmente com o mensalão. As provas indiciárias estão sendo bem usadas no Brasil? Essa decisão do Supremo no mensalão pode modificar o entendimento que se tinha até então?
Ada Pellegrini — A prova indiciária nada mais é do que uma técnica pela qual e possível provar um fato — não por meio de uma prova indireta, mas por uma ilação. Há uma série de regras que devem ser observadas para que o indício seja considerado apto efetivamente a provar o fato. É uma questão técnica. Sem conhecer o processo do mensalão não posso dizer se a técnica do aproveitamento da prova indiciária está sendo bem utilizada.

ConJur — Mas a prova indiciária é valida?
Ada Pellegrini — Claro. Quanto mais próximo for o fato a ser provado do fato que é o indicio, mais sólida é a conclusão a que se pode chegar. Mas normalmente, deve haver vários indícios, todos convergindo para a mesma persuasão lógica. Se a causa e efeito forem bem construídos, você pode usar prova indiciária.

ConJur — O Supremo restringiu o uso de Habeas Corpus substitutivo do Recurso Ordinário. A senhora concorda?
Ada Pellegrini — Está certo. O Habeas Corpus está sendo utilizado para tudo. É impressionante o que a Defensoria Pública, em todo Brasil, em vez de recorrer, entra com Habeas Corpus. O Habeas Corpus é um remédio Constitucional destinado a preservar a liberdade ainda que indiretamente. Quando o processo penal, por exemplo, não tem a aparência do direito então pode entrar com Habeas Corpus. Entrar com Habeas Corpus no lugar de recurso é uma aberração.

ConJur — O papel da jurisprudência está sendo reforçado nesse novo Código de Processo Civil?
Ada Pellegrini — Esse novo Código não traz praticamente nada de novo em relação a jurisprudência. Mas vem sendo reforçada por técnicas, como a súmula vinculante, a súmula impeditiva de recursos, o caso piloto. O papel da jurisprudência no Brasil não assumiu ainda a posição igual nos países de Commom Law, mas hoje podemos dizer que, também no Brasil, a jurisprudência não é só interpretação, mas também fonte do Direito.

ConJur — Temos um sistema misto de Commom Law e Civil Law?
Ada Pellegrini — Cada vez mais a Commom Law se aproxima. Até hoje, cabe-se perguntar se vale a pena distinguir como radicalmente diferentes o sistema de Commom Law e de Civil Law.

ConJur — Isso é bom?
Ada Pellegrini — Sim. Eu acredito muito na vitalização do Direito por intermédio da jurisprudência. Mas temos que ter na jurisprudência uma segurança jurídica que não ainda temos.

ConJur — O que falta?
Ada Pellegrini — Coerência nos tribunais para que não haja decisões contraditórias do mesmo tribunal durante anos, principalmente dos tribunais superiores. O STF não pode mudar, de repente, toda a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como aconteceu com o Cofins. Isso dá uma grande insegurança jurídica. A jurisprudência também necessita ser mais coerente internamente, a técnica da uniformização da jurisprudência é pouco usada.

ConJur — A súmula vinculante vem sendo bem aplicada no Brasil?
Ada Pellegrini — Não. Invoca-se a súmula vinculante para casos completamente diferentes, sem seguir o caminho lógico, razoável, que levou à elaboração daquela súmula, e a que fatos aquela súmula pode aplicar-se e a que fatos não deve aplicar-se.

ConJur — Como a senhora vê a composição do Supremo, a aposentadoria compulsória e o fato de ter uma troca tão grande de ministros em um curto espaço de tempo?
Ada Pellegrini — Eu não gosto do sistema de escolha brasileiro de ministros do Supremo, porque é indicação do presidente da República. Já viu algum candidato ser reprovado na sabatina do Senado?

ConJur — Há candidatos que estão entrando sem notável saber jurídico?
Ada Pellegrini — Com certeza.

ConJur — E a que a senhora atribui isso?
Ada Pellegrini — O apadrinhamento do Executivo e fechar de olhos do Legislativo. O Senado não vai a fundo, não examina essa questão, não sei se ministro do Supremo deveria ser aposentado compulsoriamente aos 70 anos. Eu nunca trabalhei tanto como depois que fui aposentada compulsoriamente. Aliás, ninguém deveria ser aposentado compulsoriamente aos 70 anos. Teria que fazer uma prova de aptidão, física e mental. A aposentadoria se faz mais para renovar os tribunais, do que por uma presunção relativa de incapacidade.

ConJur — Os ministros deveriam passar por uma sabatina pública?
Ada Pellegrini — Poderia ser como acontece nos tribunais, até no Superior Tribunal de Justiça: primeiro os ministros são indicados — não pela Ordem dos Advogados e nem pelo Ministério Público, porque aí  vamos ter o que está acontecendo nas indicações, nas listas sêxtuplas desses órgãos, que é um absurdo. Representantes da sociedade científica organizada poderiam, pelo menos, fazer a primeira indicação para o presidente da República. Deixar mais participativa a nossa sociedade organizada.

ConJur — Isso, de certa forma, não gera efeito por meio dos contatos que a própria sociedade científica tem no Legislativo e no Executivo? Ou teria que ser um processo formal?
Ada Pellegrini — Não. O presidente da República escolhe quem quer, quem mais interessa e pode ser favorável ao governo. Ele não vai atrás da sociedade científica. Pior é que é o governo, não é o Estado.

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