Classe trabalhadora

O problema da proporcionalidade do aviso prévio

Autor

  • Ricardo Sayeg

    é titular do Conselho Superior da Capes professor livre-docente em Direito Econômico da PUC-SP e diretor e professor titular do doutorado da UNINOVE.

19 de outubro de 2012, 7h15

Com a edição da Lei 12.506, de 11 de outubro de 2011, cuja vigência deu-se em 13 de novembro de 2011, finalmente foi regulamentado o aviso prévio proporcional por tempo de serviço. Longe de ter posto uma pá de cal nas discussões que sempre envolveram a aplicação desse instituto, a nova lei ainda não foi capaz pacificar a questão, que continua suscitando dúvidas quanto à aplicação do aviso prévio proporcional. Nesse contexto, o presente artigo tem por finalidade fazer algumas reflexões sobre este intricado problema e suas repercussões nas relações jurídicas e econômicas.

Como se sabe, o movimento de constitucionalização dos direitos sociais, sobretudo das  garantias e direitos trabalhistas duramente conquistados ao longo dos séculos XIX e XX, não passou despercebido no Brasil. A Constituição Federal de 1988, chamada de Constituição Cidadã, com o escopo de dar maior efetividade aos direitos fundamentais, tratou de assegurar diversas garantias constitucionais, dentre as quais, desponta hirto o instituto do aviso prévio, cuja proporcionalidade determinou o legislador constituinte fosse objeto de lei ordinária, o que somente veio a ocorrer mais de vinte anos depois. Com isso, foi alterado o regime do aviso prévio fixo de trinta dias, previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, para uma forma variável proporcional ao tempo de serviço.

Anteriormente à vigência da Lei 12.506/2011, os trabalhadores tinham direito tão somente a 30 dias de aviso prévio, independentemente do tempo de vigência do contrato. A nova lei, resumidamente, determinou que decorrido um ano de contrato de trabalho, o empregado que for demitido sem justa causa tem direito a 30 dias de aviso prévio ou indenização correspondente, tempo esse acrescido em três dias para cada ano adicional de trabalho até o limite de 60 dias de acréscimo, ou seja, 90 dias de aviso prévio no total.

Apesar do relator do projeto que deu origem à Lei 12.506/2011, deputado Arnaldo Faria de Sá, sustentar que o texto da lei é claro e as dúvidas que estão surgindo devem ser creditadas à inabilidade de quem a lê, não é necessário muito esforço para se constatar a inobservância da melhor técnica legislativa, absurdamente, numa lei cujo texto possui apenas dois dispositivos, o que tem provocado muitos questionamentos em torno da norma.

Um dos primeiros questionamentos surgiu em torno da expressão ano de serviço contida no parágrafo único do artigo 1º. da nova lei. Para alguns seria ano completo, como no entanto não há a palavra completo no enunciado da lei, levantou-se a ideia de que, mesmo incompleto o segundo ano de serviço prestado, haveria o direito ao acréscimo de três dias. Em nota técnica, a Fiesp não tardou a posicionar-se no sentido de que o período ânuo incompleto não seria considerado para o acréscimo de três dias, uma vez que a lei faz referência somente a ano e não à fração inferior.

Em São Paulo, a Justiça do Trabalho começou a posicionar-se sobre o tema no início do ano de 2012, sendo celebre a decisão do juiz Carlos Alberto Monteiro da Fonseca, da 51ª. Vara do Trabalho, que reconheceu o direito do autor da ação de receber o valor proporcional ao tempo em que esteve registrado, levando em consideração, para o computo do acréscimo de três dias, ano incompleto de trabalho (in casu, o reclamante trabalhou para a empresa por dois anos e 28 dias, e a sentença concedeu-lhe o direito de receber o aviso prévio relativo a 36 dias).  Há, contudo, outras decisões, igualmente de de primeira instância, em sentido oposto, passiveis todas, portanto, de reforma. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região, a seu turno, começou recentemente a apreciar as questões envolvendo o aviso prévio proporcional, a maior parte relativa à retroatividade da lei e não à contagem de tempo de serviço para o acréscimo de três dias, o que significa dizer que o Judiciário ainda não estabilizou o dissenso.

Para piorar a situação, o Ministério do Trabalho, num primeiro momento, por meio da Circular 10 de 2011, orientou no sentido de que o acréscimo dos três dias seria contado somente a partir do segundo ano de trabalho integralmente completado, desconsiderando-se qualquer fração relativa a dias ou meses trabalhados. Posteriormente, mais precisamente em maio de 2012, o Ministério do Trabalho divulgou a Nota Técnica CGRT/SRT/TEM 184/2012, na qual modifica diametralmente o entendimento inicialmente esposado, estabelecendo que será computado o acréscimo de três dias previsto no parágrafo único da lei a partir do momento em que se configure uma relação contratual que supere um ano na mesma empresa, ou seja,  o empregado que no ato demissionário contar com um ano e um dia de trabalho na empresa fará jus ao aviso prévio proporcional de 33 dias.

Com todo o respeito à Nota Técnica 184/12, entendemos que dela subjaz a mais completa ilegalidade. A orientação do Ministério do Trabalho nela contida é equivocada, desprovida de lógica, onde a lei é clara. Entender que o beneficiário do aviso proporcional, que no ato da demissão, possuir tempo de serviço superior a um ano e inferior a dois anos terá direito ao aviso prévio proporcional de 33 dias, é subverter o texto legal. Na melhor das hipóteses, trata-se de uma visão estrábica da norma legal. A lei é cristalina ao estabelecer que será acrescido ao aviso prévio normal de 30 dias, mais três dias por ano de serviço prestado na mesma empresa. Ilação diversa, partindo do ano zero até o ano 20 conduz a um total de 21 anos e não é isso que a lei dispõe.

Nada obstante a Administração Pública, no exercício do poder regulamentar que lhe é conferido, tenha a prerrogativa de editar atos gerais para complementar e/ou explicitar as leis, a fim de possibilitar sua efetiva aplicação, seu alcance jamais poderá sobrepor-se à lei, mas tão somente complementa-la. Ao revés, se a Administração Pública, a pretexto de regulamentar a lei, altera-la, estará incorrendo em abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo.

Vale destacar ainda que o trabalhador não precisa disso, necessita sim que seus direitos sejam respeitados e cumpridos como determina a lei. O sistema jurídico trabalhista dispõe de outros meios para coibir o abuso, a fraude, que eventualmente poderia advir de empregadores menos escrupulosos, que para impedir que o trabalhador fizesse jus ao acréscimo dos três dias, usariam de artifícios como demitir o empregado a pouco dias antes de completar o período ânuo, a partir do segundo ano de vigência do contrato de trabalho.

Em linha de arremate, nunca é demais lembrar que a empregabilidade no Brasil está centrada na pequena e média empresa, razão pela qual impor a elas um ônus desnecessário e fora da lei pode ter efeitos perversos, com reflexos deletérios justamente onde mais se pretende proteger, que é a classe trabalhadora.

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